José Geraldes

Dignificar a política


Apurados os resultados das eleições autárquicas, compete agora aos eleitos cumprir o que prometeram. E dignificar os cargos que renovam ou iniciam com este acto eleitoral.
A dignificação da política é, em Portugal, mais que urgente. Torna-se mesmo um imperativo ético. E o facto de haver eleitos constituídos arguidos envergonha o País. E demonstra a falta de maturidade democrática dos eleitores.
A mudança da Lei Eleitoral, neste aspecto, constitui uma obrigação da Assembleia da República. Passa por aqui mostrar que há princípios num Estado de Direito que não podem ser alienados.
Há dez anos, os bispos portugueses publicaram um documento sobre a vida política portuguesa cujo conteúdo permanece actual. Assim pode ler-se: “É indispensável que os políticos se prestigiem a si próprios, pela seriedade e transparência da sua vida pessoal, pela dedicação efectiva ao serviço do País e pela qualidade ética e técnica das acções políticas em que se empenham”.
Se muitos políticos realizam estas virtudes, outros há que pautam os seus comportamentos por uma conduta de mentira e de abuso do poder que lhes foi dado. Não servem os cidadãos que os elegeram mas servem-se dos cargos para benefício pessoal e dos seus apaniguados e amiguinhos, nomeando-os para funções sem o perfil de competência adequada.
O cartão partidário é que conta. Assim perde a democracia e o exercício da actividade política.
Os políticos deviam inspirar os seus comportamentos em Thomas More, exemplo acabado da ética na vida política. Como seria diferente o mundo da política se as atitudes deste homem que também é santo, fossem imitadas no quotidiano das suas decisões!
Thomas More foi fiel à sua consciência, preferindo a morte às arbitrariedades do soberano.
Muitos políticos preferem seguir os conselhos de astúcia de Jules Mazarin, diplomata, ministro, Cardeal leigo, coligidos no livro Breviário dos Políticos. O Princípe de Maquiavel defende que todos os meios são bons para alcançar os fins mesmo que não sejam orientados para o bem comum. Mazarin dá conselhos de atitudes pragmáticas para que se consiga o que se deseja.
O primeiro conselho exorta à dissimulação na fórmula “simula, dissimula”, o que supõe um comportamento ambíguo onde a hipocrisia acaba por triunfar. O segundo assenta na desconfiança: “Os amigos (em política) não existem. Apenas, existem pessoas que se fingem amigas”. O terceiro aponta para a sabujice mais refinada: “Dos teus superiores, não digas senão o bem e elogia em especial os que te possam ser úteis”. O último conselho centra-se no cuidado com a acção: “Pensa antes de agir e de falar. Se há poucas possibilidades de alterarem no bom sentido o que disseste ou fizeste, convence-te de que serás deformado no mau sentido”.
Há nestes conselhos uma concepção unitária da política em benefício pessoal, haja o que houver. O essencial é o triunfo na política, não importa como.
O Concílio Vaticano II dá-nos uma visão diferente. Toda a actividade política se orienta para o bem comum “sem antepor o próprio interesse”. As palavras são taxativas: “Procurem (os políticos) exercê-la (a política) sem pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam (…) de contra o arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido e contra a intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, mais ainda, com caridade e fortaleza política, ao bem de todos”.
Eis as normas a adoptar para os eleitos de câmaras e de freguesias para que “exerçam a difícil e muito nobre arte da política”. Para bem dos cidadãos e do progresso das nossas vilas, aldeias e cidades.
Dignificar a política é dignificar-nos a todos.