O mais importante escritor português foi a figura principal desta peça
A vida de Camões
Incertezas hilariantes

O grupo Chapitô trouxe a Castelo Branco um dos momentos mais cómicos do Festival Y # 3. “Talvez Camões”, peça que pretende averiguar os mistérios da vida do poeta quinhentista, arrancou riso e aplausos calorosos.


NC / Urbi et Orbi


Júpiter tocava piano. Aguardava que o público tomasse os seus lugares. O cenário, minimalista, contrastava com a ideia que se tem do Monte Olimpo. Bastante abatidos e desanimados estavam Júpiter, Baco e Vénus. Mesmo assim escarneciam do monoteísmo ao qual a humanidade se tinha convertido. Mas estavam esquecidos, mergulhados numa profunda depressão. Já ninguém queria saber deles. Júpiter, ciumento pela popularidade da Bíblia, toma uma decisão para acabar de vez com o esquecimento a que tinha sido votado: enviar Baco, o deus do vinho, a Portugal para conceber um filho. E que filho seria esse, pergunta o leitor? Nem mais nem menos que Camões, Luís Vaz de Camões.
Assim se inicia “Talvez Camões”, título do trabalho da companhia do Chapitô, levada à cena no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco, no passado dia 4. Mais um espectáculo inserido no programa do Festival Y # 3, evento organizado pela Quarta Parede - Associação de Artes Performativas da Covilhã. “Talvez Camões” é uma peça mais visual que textual, mas onde o texto tem muito poder. A acção decorre em pleno século XVI e depois da conversa entre aqueles três deuses, no Monte Olimpo, segue-se uma sequência de cenas que tentam reconstruir episódios da vida e averiguar todos os mistérios do poeta português Luís Vaz de Camões. Uma vida narrada com imprecisões históricas geniais e onde o cunho de ironia, comédia, humor e paródia é uma constante. Uma peça hilariante e embrenhada em peripécias que mereceu calorosos aplausos do público.
Desdobrando-se em várias personagens, os três actores em palco reinventam, a cada fala, a cada objecto e gesto, uma odisseia de factos que muitos historiadores talvez desconheçam. Terá Camões nascido em 1524 ou 1525? Em Lisboa ou em Coimbra? Talvez tenha sido acolhido na corte portuguesa aos 18 anos, talvez aos 19. Talvez tenha perdido o olho direito numa escaramuça militar, fruto de um terrível engano dos soldados, ou por causa da tortura infligida em Ceuta? Talvez, talvez! Porém, o deus dos deuses não está minimamente interessado nisto. Júpiter está preocupado com o facto de estar já em 1550 e Camões ainda não ter escrito palavra alguma enaltecendo os deuses do Olimpo e de como estes ajudaram Vasco da Gama na sua viagem marítima rumo ao Oriente. O poeta quinhentista estava em apuros. Apressou-se, por isso, a escrever. Viajou por África, Índia e China. Surgiam os primeiros versos – “As armas e os barões assinalados/ ...” e logo a obra completa. Contudo, Baco, não gostou do que leu, uma vez que Camões não o elogiava tanto como o fazia com os outros deuses. Agastado e ciumento, resolve que Luís Vaz de Camões devia morrer no dia 10 de Junho de 1580. Baco estava contente: Camões, antes de falecer, tinha perdido o olho direito e nem sequer um exemplar de “Os Lusíadas” tinha vendido! Como estava enganado o deus do vinho! A obra tinha-se tornado um épico. E lá ficou Baco, acompanhado por Júpiter e Vénus, a afogar a raiva em mais uma garrafa de vinho!