José Carlos Venâncio

A Antropologia Portuguesa de Luto


No passado dia 18 de Agosto morreu o antropólogo Luís Polanah, professor aposentado da Universidade do Minho. Com a mesma serenidade que, sábia e africanamente, viveu a sua longa vida não obstante os muitos percalços que teve de enfrentar, assim morreu. Familiares e alguns, muito poucos, amigos foram dele despedir-se.
Natural de Moçambique, foi em Angola, nos então Cursos de Letras da Universidade de Luanda, a funcionarem na cidade de Sá da Bandeira, que tive o prazer de o conhecer. Foi meu professor de Antropologia e, por razões nem sempre descortináveis, gerou-se entre nós uma profunda amizade que muito teve de cumplicidade no que respeita à interpretação do momento histórico que então se vivia: o da iminente independência. Foi esta mesma cumplicidade que terá provavelmente pesado na prestimosa oferta que fez à UBI da sua biblioteca.
Polanah legou-nos uma obra variada e valiosa que transcende o domínio da antropologia e das ciências sociais. Começando pela sua faceta de cientista social, merecem destaque os seguintes títulos: Comunidades camponesas no Parque Nacional da Peneda-Gerês (1981), O Nhamussoro e as outras funções mágico-religiosas (1987) e Campesinos de Sayago. Estructura social y representationes simbólicas de una comunidad rural (1996).
O Nhamussoro…é o resultado da sua tese de licenciatura, apresentada no então Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina e merecidamente galardoada, não obstante a conhecida postura crítica do seu autor em relação ao colonialismo, com o 1º Prémio de Literatura Colonial «Frei João dos Santos». Dada merecidamente à estampa, duas décadas depois, pelo Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra.
Campesinos de Sayago…resultou da sua tese de doutoramento e, como a de licenciatura, foi igualmente premiada; desta feita com o 2º Prémio de Investigação Cultural «Marqués de Lozoya».
As artes plásticas foram outras das suas paixões. De referir que iniciou a sua formação académica pelas Belas Artes. Os seus trabalhos, mormente os que têm África como pano de fundo, são de uma expressividade incisiva. São crus na denúncia do que ia mal no tempo colonial e que pouco ou nada melhorou no período pós-colonial. Celebra nesse propósito o homem comum, o que não tinha, e hoje também não tem, o essencial para levar uma vida condigna. Falo de um destinatário que esteve igualmente presente na sua ensaística de cariz africanista, que, porque os tempos não estavam para aí virados, acabou por não ser compreendida na sua verdadeira dimensão. Faltou provavelmente aos que o não entenderam conhecer a sua faceta artística; artística e poética, pois neste último domínio não foi menos virtuoso do que na pintura e no desenho. Lembremo-nos, para tanto, nesta hora que é mais de metamorfose do que de despedida, de um dos seus poemas que vem a propósito:

"Não sei
Quem sou
Não sei
Quem não sou
Por ter sido
O que sou!

Não sei
Quem sou
Ou se fui!"

Maputo, 11/03/76