“Um número! Um número indeterminado deles!”. Assim começa a peça de teatro “Um número”, encenada e interpretada pela companhia de teatro ASSÉDIO, do Porto.
Toda a peça se centra no diálogo entre um pai, Salter, e três dos seus filhos, numa espécie de confronto individual, que permite conhecer traços pessoais de cada um deles. Assim, existem três personagens aparentemente iguais, mas completamente diferentes nas suas identidades individuais. O violento, rígido e selvagem Bernard um, entregue a uma instituição aos dois anos de idade, e revoltado com a falta de interesse, carinho e atenção que o seu pai lhe mostrava, após o suicídio de sua mãe. Já Bernard dois é fisicamente igual a Bernard um, mas o seu oposto em termos morais. Afectuoso, calmo, dedicado, Bernard dois vive, contudo, a angústia de não ser “o original”. Por último, Michael Black, que vai conhecer o pai e, em diálogo com o mesmo, mostra-se “fascinado” com o facto de existir mais um vasto número de outros clones seus. Apesar disto, vive “feliz”, apesar de “não pensar muito nisso”. Para além de ter constituído família, não há, em Michale Black, nenhum outro traço que ele considere verdadeiramente seu e relevante. O seu diálogo com o Pai mostra que ele é verdadeiramente comum, e gosta de o ser. Dedica-se às suas ocupações, e é alheio ao facto de existirem mais pessoas iguais a si, apesar de isso o fascinar.
A reacção dos filhos à revelação da repetição oferece ao público que assiste a este espectáculo, uma ficção acerca da realidade comum e familiar, mas também sobre as implicações emocionais e éticas relativas a temas tão actuais como a clonagem.
Existe assim, um jogo de “diferenças e semelhanças”,
proposto pela peça, que o público “seguiu
atentamente, juntando as peças do puzzle”, como
afirma o encenador João Pedro Vaz.
“Um número” foi originalmente escrito por Caryl Churhill, uma autora contemporânea, nascida em Londres, que dedica a sua vida à escrita. Esta sua peça é apelidada pela crítica como “uma das primeiras grandes peças do século XXI”, e já recebeu o prémio “Evening Standard”, para melhor peça da temporada.
João Pedro Vaz destaca que “este texto é
extremamente bem organizado. É quase um objecto
em si próprio, mas também muito emotivo.
A matéria do pai do desdobramento dos filhos é
um tema actual que gosto muito de trabalhar”.
Associa, igualmente, a simbologia do número um à “velha questão da originalidade de uma pessoa. A peça aborda a clonagem, mas acaba por estar muito mais ligada à questão da identidade de cada um, da sua originalidade enquanto ser humano”. Considera, ainda, a peça como “imperdível, intensa, forte e humana”.
Para Lúcia Nunes, aluna da licenciatura de Marketing
da UBI, “esta peça é uma boa forma de ocupar
uma quinta-feira à noite. É pena que o público
não tenha vindo em grande número”. Para
além disto, a peça pretende transmitir como
mensagem que “cada um constrói a sua identidade,
e é impossível existirem pessoas iguais,
independentemente dos genes”. O Festival Y vai continuar
até ao próximo dia 30 de Novembro, com teatro,
dança, música e workshops. |