Carlos Cabrita
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O TGV e a OTA
Recentemente, o anúncio
por parte do governo do grande plano de investimentos
em obras públicas, a demissão do Ministro
de Estado e das Finanças, Campos e Cunha, a publicação
do manifesto dos 13 economistas, e as afirmações
do administrador executivo da TAP, Fernando Pinto, levou
a que a construção da rede de alta velocidade
ferroviária e do novo aeroporto de Lisboa regressasse
ao domínio da discussão pública.
Como cidadão consciente, preocupado com o estado
calamitoso da economia do país e das finanças
públicas, não poderia, uma vez mais, deixar
de emitir a minha opinião sobre estes dois assuntos.
Começando pelo TGV, no que respeita não
só à rede interna mas também à
ligação internacional a Madrid e a outras
cidades de Espanha, considero-o um perfeito erro, devido
ao seguinte conjunto de factores, entre outros mais que
poderiam ser também referidos:
a) Os investimentos realizados na renovação
da linha do Norte, para permitir a circulação
dos Alfa Pendulares, têm sido demasiadamente avultados,
para que se estabeleça uma nova linha de raiz,
paralela, apenas para se ganhar menos de meia hora no
trajecto – há que explorar ao máximo
as capacidades da linha renovada e dos pendulares.
b) Mesmo supondo que todos os utentes
que utilizam actualmente o avião entre Lisboa,
Porto e Madrid optassem exclusivamente pelo comboio, temos
dúvidas, na ausência de indicadores financeiros
que deveriam ser tornados públicos, se o TGV algum
dia seria um projecto rentável, quanto mais duas
linhas paralelas Lisboa-Porto, com o paradoxo de serem
uma de grande velocidade (máx. 220 km/h), e a outra,
de alta velocidade (máx. 350 km/h).
c) O custo de uma nova infraestrutura
TGV é significativamente mais elevado que a adaptação
de uma via convencional para permitir a circulação
de pendulares, cuja velocidade em curva, devido ao seu
sistema de pendulação activa, é cerca
de 25 % superior à de um comboio convencional.
d) Um projecto TGV poderá, de
facto, ser rentável se o número de passageiros
for significativo, de forma a justificar o elevado investimento,
ou seja, é uma estrutura que deverá ser
construída apenas entre cidades de elevada população.
Por exemplo, será que algum dia a procura anual
para o nosso TGV Lisboa-Porto alcançaria os 5 milhões
de passageiros, como sucede com o TGV Thalys (Paris-Bruxelas,
314 km), ou os mais de 25 milhões no TGV Paris-Lyon
(429 km) que, devido ao seu sucesso financeiro, já
utiliza composições de dois andares? Saliente-se
que as áreas metropolitanas de Paris e Lyon possuem,
respectivamente, cerca de 9,6 e 1,4 milhões de
habitantes. Ou teríamos porventura, como sucede
em Tóquio, TGVs a partirem lotados a intervalos
de 5 minutos? De destacar ainda que os países nórdicos,
com uma densidade populacional mais reduzida, resolveram
adoptar, com sucesso, devido a uma excelente relação
entre custos e benefícios, a solução
pendular, também já em pleno funcionamento
no Reino Unido, na Suíça e na própria
Espanha, entre Madrid e Valência (Alaris). A Austrália,
em 2000, cancelou o seu projecto de alta velocidade, por
ter concluído que a sua exploração
nunca seria rentável.
e) O consumo energético do TGV
é significativamente mais elevado que o do Alfa
Pendular. Enquanto que a potência nominal de um
TGV é de 8,8 megawatts, a de um pendular é
4,0 megawatts. Significa isto que, para um mesmo período
de funcionamento à potência máxima,
o consumo do TGV é 2,2 vezes superior.
f) A manutenção da rede
é bastante complexa e onerosa.
g) Situando-se a linha ao longo do eixo
Lisboa-Porto, onde se concentra, infelizmente, a esmagadora
maioria da população portuguesa, o processo
de expropriações seria, com toda a certeza,
bastante demorado.
h) A incorporação de tecnologia
nacional, sobretudo ao nível do material circulante,
seria praticamente nula.
i) A amortização deste
investimento poderia ultrapassar os 100 anos.
j) Relativamente a um projecto desta
envergadura, há que diferenciar dois aspectos fundamentais
– a construção e a exploração
do investimento. Ora, quanto à construção,
sem dúvida que seriam criados dezenas de milhar
de postos de trabalho na órbita das empresas directa
e indirectamente associadas ao projecto, o que se traduziria
por uma dinâmica temporária da nossa economia.
Todavia, a questão fundamental residiria na exploração,
na medida em que não temos dúvidas que não
haverá mercado interno que rentabilize o investimento,
ou seja, a sua exploração com toda a certeza
que seria altamente deficitária para o nosso país,
e já nos basta o triste exemplo da CP. Para melhor
compreensão, imagine-se o seguinte exemplo: Vamos
construir na Cova da Beira uma estrutura aeroportuária
com a dimensão de Heathrow, em Londres, porque
as empresas envolvidas seriam aos milhares, os postos
de trabalho às dezenas de milhar, e a economia
do país iria mexer bastante durante a construção.
E depois? Onde é que teríamos mercado que
conseguisse rentabilizar esse investimento gigantesco?
Onde é que se iriam obter as receitas que pudessem
cobrir todos os custos de exploração associados?
Onde é que estariam os milhões de passageiros
para lotarem os aviões?
Sem dúvida que o TGV e a OTA são dois dos
maiores projectos até hoje anunciados, no domínio
das infraestruturas de transportes para Portugal. Todavia,
poderão simultaneamente constituir um enorme erro,
na medida em que somente a linha TGV entre Lisboa e Porto
poderia custar mais de 6000 milhões de euros, ganhando-se
menos de 30 minutos de viagem face aos actuais Alfa Pendulares,
e, quanto à OTA, poderia ter custos idênticos,
quando o actual aeroporto da Portela poderá funcionar
até 2015-2020.
Pela nossa parte, não daríamos prioridade
a nenhum destes projectos. Manteríamos o aeroporto
da Portela até esgotar completamente a sua capacidade
de resposta, recorrendo às pistas complementares
de Alverca e do Montijo, e apostaríamos muito forte
na reestruturação da nossa rede ferroviária,
nas seguintes vertentes, que consideramos bastante mais
importantes que a construção de uma rede
interna de alta velocidade: ligar entre si todas as capitais
de distrito, através da correcção
dos traçados já existentes ou implantando
novos traçados; dimensionar as infraestruturas
para velocidades máximas da ordem dos 160 km/h;
electrificar toda a rede para que se possa adaptar aos
pendulares; potenciar o transporte de mercadorias –
estou a lembrar-me, por exemplo, da linha do Douro, até
Barca de Alva, que, sendo uma linha de bitola ibérica
poderia ser um meio activo de intercâmbio de mercadorias
entre o porto de Leixões e Espanha –; tornar
o transporte de passageiros bastante mais competitivo
– não se compreende, por exemplo, que uma
ligação por automóvel entre a cidade
da Covilhã e a gare do Oriente dure cerca de 2
horas, enquanto que a mesma ligação por
caminho-de-ferro, em intercidades, demore o dobro do tempo.
É anedótico querer construir uma rede TGV
quando, por outro lado, se encerram linhas e estações
ferroviárias pondo em causa o desenvolvimento sustentado
do interior.
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