“É uma coisa tão fácil. Para nós, são só uns minutos. O que damos não nos faz falta e pode ser fundamental para a vida de alguém”, diz Sofia Moura, uma das 35 pessoas que desde Maio se tornaram dadoras de medula óssea no Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB), altura em que a unidade de saúde começou a prestar esse serviço.
Sofia há alguns anos que tinha vontade de integrar o banco de dadores de medula óssea, como já faz com o sangue, mas sublinha que o local da recolha ficava fora de mão e acabou por não se inscrever. “Agora aproveitei a oportunidade”, frisa.
Para doentes portadores de alguns tipos de leucemia ou outras doenças do sangue, como a anemia aplástica grave, o transplante de células saudáveis da medula é a única esperança de cura. Mas para isso é necessário encontrar um dador compatível, o que depende de vários factores e não é fácil. Essa hipótese pode ser de um em cem mil. Embora não seja uma questão de estatística, uma vez que um doente pode ter vários potenciais dadores compatíveis, e outro paciente nenhum. A forma de aumentar essa probabilidade é havendo mais gente disponível para ajudar a salvar a vida de alguém. O que tem acontecido.
Em Portugal são três os centros de histocompatibilidade, em Lisboa, Porto e Coimbra, para onde seguem as recolhas feitas na Covilhã. E se em 1998 havia apenas 597 dadores registados no País, actualmente esse número é de 35 mil pessoas e espera-se chegar aos 40 mil até final do ano.
Pedro Nascimento, 25 anos, faz parte dessa lista desde que soube que já não era necessário deslocar-se a Coimbra. “Por mais que queiram ajudar, nem sempre as pessoas têm forma de ir para longe, para além de disponibilidade que coincida com a dos hospitais. Acho importante sermos solícitos para estas situações, mas também entendo que os serviços devem procurar vir ao encontro das pessoas para sensibilizar e chegar a mais gente”, salienta o recém-licenciado em Ciências do Desporto.
“Hoje é um anónimo, amanhã pode acontecer a alguém próximo”
Segundo o clínico espanhol Jorge Martinez, responsável pelo Serviço de Imunohemoterapia do CHCB, a maior parte dos dadores são-no também de sangue e, na sua opinião, o que motiva as pessoas a inscrever-se no banco “é o querer ajudar, porque não têm outras contrapartidas, não recebem nada por isso”. “Há também o caso de quem tem pessoas próximas a precisar de transplante e nessa altura ficam mais sensibilizados para a importância de se ser dador”, nota.
É este, em parte, o caso de Pedro Nascimento. “Tenho um familiar doente e isso fez-me procurar ser dador o mais rapidamente possível. Quando fui dar sangue perguntei sobre os procedimentos para a medula óssea e informaram-me que já o podia fazer na Covilhã. Mas era uma vontade de há muito e mesmo que não tivesse um primo a precisar seria dador na mesma. Nós não podemos ser egoístas, porque hoje é um anónimo, amanhã pode acontecer a alguém próximo”, salienta.
Sofia Moura, socióloga, frisa que é gratificante saber que pode vir a contribuir para a cura de alguém e acrescenta que é apenas necessária a recolha de uma “pequena quantidade de sangue”. “É ainda mais simples que fazer análises. Não dói, não custa nada”.
Jorge Martínez informa que para se fazer o teste de compatibilidade basta ir ao mesmo local onde se fazem as recolhas de sangue no Centro Hospitalar, às segundas-feiras, entre as 15 e as 17 horas. Preenche-se um questionário para se fazer uma primeira análise sobre o estado geral de saúde e retira-se uma amostra de 20 ml de sangue. Segue-se a análise para detectar possíveis doenças transmissíveis e o estudo genético. A partir desse momento fica-se no registo nacional e mundial de dadores de medula.
Outras condições primárias são os candidatos pesarem mais de 50 quilos e terem entre 18 e 45 anos. “Esse limite foi definido porque as pessoas podem nunca vir a ser solicitadas ou podem sê-lo muitos anos depois, e com mais idade o dador pode já ter doenças quando for chamado”, explica.
Segundas, das 15 às 17 horas
Caso haja compatibilidade com algum doente o dador é chamado para decidir se quer mesmo fazê-lo e serem-lhe feitas análises mais pormenorizadas. E mesmo a dádiva já se tornou um processo relativamente simples. Pode-se optar pela punção nos ossos da bacia, e nesse caso é necessário um internamento por um período de 24 horas, ou através da citaférese, a recolha selectiva das células necessárias através da passagem do sangue por um aparelho. Opção simples, rápida, mas que requer o estímulo para a produção de mais células com alguns dias de antecedência.
Se alguma vez for chamada, Sofia Moura garante que ficará feliz, uma vez que foi para isso que se tornou dadora. “É-nos dito que em qualquer fase do processo podemos desistir, mas não acredito que alguém que seja chamado o faça”, diz. “Se for compatível é só me dizerem o local e a hora. Se damos é porque queremos que alguém usufrua disso e ficaria satisfeito, porque pode estar em causa a sobrevivência de uma pessoa”, salienta.
O que nem Sofia nem Pedro acham razoável é a pouca divulgação deste serviço e o “horário muito restritivo”. A socióloga observa que entre as 15h e as 17 horas, ainda por cima num só dia por semana, as pessoas estão a trabalhar. “Têm de encontrar forma de ser mais flexíveis, porque nem todos os patrões ou professores são compreensivos. Devia-se alargar o horário e fazer colheitas periódicas em locais movimentados, como a Universidade ou no centro da cidade, como às vezes fazem com o sangue”, sugere Pedro Nascimento. “Talvez assim menos gente acabe por morrer por não encontrar um dador”, acrescenta, convicto do que se tornou uma causa para si. |