António Tomé*

Alterações Climáticas e Cenários de Clima em Portugal


A tendência da temperatura global observada na última década do século XX, associada à continuada alteração antropogénica da composição da atmosfera desde o inicio da revolução industrial colocou a alteração climática na agenda internacional. Apesar das muitas incertezas e de algum cepticismo em vários quadrantes, incluindo científicos, é já amplamente aceite que se observa uma tendência de aquecimento, ainda moderada mas já acima do nível usual de variabilidade interanual, associado ao incremento do efeito de estufa. De facto, os 5 anos mais quentes dos últimos 150 anos (1998, 2003, 2002, 2001 e 1997) foram observados na última década. O Verão de 2003 foi classificado como o mais quente da Europa nos últimos 500 anos, tendo-se traduzido em graves impactos na saúde pública e, no caso de Portugal, também na ocorrência da maior vaga de incêndios florestais. Os sucessivos recordes da temperatura em diferentes regiões e a ocorrência de situações extremas de calor, com grande impacto económico e social, obrigou a generalidade da sociedade a olhar para o aquecimento global como um problema premente, a requerer estudo, monitorização e planeamento de medidas de mitigação e de adaptação.
Um trabalho recente (Miranda, Valente, Tomé, Trigo, Coelho e Aguiar, 2005) concluiu que o clima português sofreu, ao longo do século XX, uma evolução caracterizada por dois períodos de aquecimento, intercalados por um período de arrefecimento. Desde a década de 1970, a temperatura média subiu em todas as regiões de Portugal, a uma taxa de cerca de 0.5ºC/década, mais do dobro da taxa de aquecimento observada para a temperatura média mundial. Na generalidade das regiões portuguesas, observou-se uma subida mais intensa das temperaturas mínimas traduzida numa redução da amplitude térmica diária. Outras variáveis climáticas apresentam variações importantes, como é o caso da nebulosidade, da insolação e da humidade relativa, evidenciando o facto do processo de aquecimento global ser complexo na sua interacção com o ciclo da água.
A evolução do campo da precipitação apresenta grande irregularidade e não se observaram tendências significativas no seu valor médio anual. No entanto, a distribuição intra-anual sofreu alterações, verificando-se desde a década 1960 uma redução muito significativa da precipitação no fim do Inverno e início da Primavera, especialmente no mês de Março, em Portugal Continental.
O mesmo trabalho agrupa e regionaliza à escala Nacional resultados de vários modelos matemáticos globais de evolução climática. Os diversos cenários considerados apontam para uma subida acentuada na temperatura média em todas as regiões de Portugal até ao fim do século XXI. No continente, são estimados aumentos da temperatura máxima no Verão entre 3ºC na zona costeira e 7ºC no interior, acompanhados por um grande incremento da frequência e intensidade de ondas de calor. Este é um cenário muito mais gravoso do que os previstos para a generalidade da Europa, e resultam do facto de estarmos situados numa região fronteiriça entre tipos de clima, somos, portanto, mais vulneráveis a alterações.
A incerteza sobre a precipitação do clima futuro é substancialmente maior. No entanto, quase
todos os modelos prevêem redução da precipitação em Portugal continental durante a Primavera, Verão e Outono.
A mudança climática é um problema global. A sua mitigação só é possível com medidas globais, afectando e mobilizando a generalidade dos países, especialmente os grandes emissores de gases de estufa. Os impactos, no entanto, são locais e podem variar qualitativamente de região para região e de sector para sector. Logo, as medidas de adaptação a adoptar terão portanto uma componente local e sectorial e o seu planeamento depende de uma avaliação regional dos impactos.
Por muito empenho que possamos pôr na mitigação do problema as medidas de adaptação serão sempre indispensáveis. Mesmo num cenário utópico no qual os Estados Unidos reduziriam a suas emissões aceitando Kyoto e a China e Índia não se tornavam em grandes poluidores (o protocolo de Kyoto não estabelece limites às emissões destes dois gigantes industriais do futuro, e já do presente) as emissões de gases de estufa continuariam e os efeitos ainda que pudessem ser minorados far-se-iam sentir.
Informação adicional sobre evolução climática em Portugal e cenários futuros, incluindo efeito sobre Pescas, Saúde, Economia, Florestas, etc. pode ser encontrada no livro:
Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures - SIAM Project, Gradiva, Lisboa, Portugal.
O capítulo sobre a o clima encontra-se disponível no endereço www.dfisica.ubi.pt/~artome/Siam1_Clima_Completo.pdf. A versão actualizada, em Português, deste estudo está em publicação. Os resumos dos diversos subgrupos do trabalho actualizado podem ser consultados em http://www.siam.fc.ul.pt/ e o novo capítulo sobre o clima pode ser consultado em www.dfisica.ubi.pt/~artome/Siam2_Clima.pdf.


* Docente no Departamento de Física da UBI