José Geraldes
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Incêndios: incúria geral
Passado um mês, estava longe o cronista de ter ainda como tema forte da actualidade os incêndios sobre os quais escrevera o último texto antes das férias.
De facto, é extremamente triste, doloroso e trágico partir para férias com o País a arder, passar por entre chamas e paisagens calcinadas a relembrar descrições bíblicas, ver na televisão o desastre do Vale Glaciar da Serra da Estrela reduzido a cinzas e o inferno da Pampilhosa da Serra e depois regressar e Portugal em chamas nas televisões de todo o mundo.
O mês de Agosto de cada ano vai dizimando a floresta com todas as consequências de ordem ambiental e económica daí decorrentes. Multiplicam-se os dramas pessoais de quem ficou sem nada. Choram-se mortos e perda de haveres. E este ano até as chamas galgaram o Mondego e entraram na cidade de Coimbra. E já lá vão quase 200 mil hectares de floresta ardida. Somando os últimos três anos podemos contabilizar 700 hectares .
As verbas investidas na prevenção não deram os resultados que se esperavam. Para avaliarmos a grandeza dos montantes, em dois anos, gastaram-se 342 milhões de euros que se transformaram num autêntico desperdício. Não se notam progressos no ataque às causas que originam esta hecatombe que invadiu Portugal.
A observação de jornalistas estrangeiros dá que pensar: “Como é que um País consegue em tempo recorde construir dez estádios de futebol para o Euro 2004 e não é capaz de encontrar uma estratégia para prevenir os incêndios?”
A resposta obviamente surge rápida. O império do futebol pesa muito mais na vida colectiva. Mas toda a gente fala, critica, protesta. E os portugueses transformam-se em treinadores de bancada. Que dão opiniões mas que não se empenham na verdadeira solução dos problemas.
Nunca tanto se escreveu sobre os incêndios. Nunca se fizeram tantos debates, fóruns e mesas-redondas. Conclui-se que o País está consciente do problema mas não aplica o que está legislado.
Há leis aprovadas que se fossem cumpridas, evitariam muitos incêndios. Já não falamos do modelo de desenvolvimento e do ordenamento do território das últimas décadas que se agudizou com o fenómeno da emigração. Os campos foram abandonados e não houve mais cuidado na floresta. E depois o só haver a monocultura de eucaliptos e pinheiros piora a situação. Este tipo de florestação facilita a propagação do fogo.
A maioria dos proprietários não cumpre a obrigação legal de limpeza do terreno em 50 metros à volta das habitações.
As autarquias não estão também isentas. A lei de 2004 obriga os municípios a limpar os terrenos num raio de cem metros à volta das zonas industriais e perímetros urbanos.
Depois é preciso contar com os incendiários. E madeireiros de quem se suspeita sempre. Como não há testemunhas, é difícil provar a sua culpa.
Segundo a PJ, os incendiários agem por vingança, divertimento e vandalismo. Gostam do espectáculo das chamas nas reportagens televisivas. Aqui o problema é de difícil solução, pois trata-se de personalidades com desvios psíquicos.
Mesmo assim e com a seca que teima em ficar, não se compreende o elevado número de incêndios em Portugal. Possivelmente devido à incúria de todos e à inércia em fazer cumprir, custe o custar, as leis em vigor. |