Urbi@Orbi -
Fale-nos um pouco do Departamento de Física da
UBI.
João da Providência - É um
departamento que tem um corpo docente muito jovem, mas
também muito competente. O pessoal técnico
e de apoio é também muito bom. Uma das vantagens
que temos vindo a implementar neste departamento é
o funcionamento em equipa. Mas esta tarefa nem sempre
é fácil, visto que este é um dos
maiores departamentos da Universidade. Um número
que se deve ao facto dos muitos alunos que havia há
uns anos atrás. Hoje a situação mudou
completamente. Lembro-me dos estudantes quererem ingressar
em Física e não haver vagas. Agora acontece
exactamente o contrário, há vagas mas não
há estudantes.
U@O – Como vê essa falta de alunos
nos cursos de Física?
J.P.- O País sabe que tem de proporcionar
uma boa formação aos seus técnicos,
caso queria crescer e desenvolver-se. Essa formação
inclui e implica conhecimentos avançados de Matemática
e de Física que são as ciências que
estão na base da investigação. O
problema é que Portugal não é um
País exigente e os quadros técnicos não
estão bem distribuídos. Não entendo
o facto de existirem pessoas com doutoramentos em Matemática
e Física, com altos conhecimentos sobre estas disciplinas
e com grande aptidão pedagógica, que estão
desempregadas. Enquanto existem docentes que estão
a dar aulas nos ciclos de ensino básicos e secundário,
mas que não têm as mesmas habilitações.
A desmotivação dos alunos, nestas áreas,
é outro factor a ter em conta. De que serve a um
estudante uma licenciatura nesta área com a vertente
de ensino, se ele sabe que não vai ter emprego?
As pessoas começam a interrogar-se e acabam por
desistir. Mas até hoje houve a falta de alguém
com a coragem suficiente para questionar este sistema
de ensino e da carreira docente. Com o actual panorama,
há jovens que chegam ao Ensino Superior com falta
de capacidades para tal. Isso não é inteiramente
culpa deles, é culpa do sistema.
U@O - Acredita portanto que o problema da falta
de alunos não se deve às Universidades,
mas ao próprio sistema de Ensino.
J.P- Julgo que deveria ser feita uma melhor selecção
das pessoas. As mais competentes são as que devem
ensinar os nossos jovens. Infelizmente, isso não
acontece. Vivemos neste sistema e para este sistema. Claro
que para haver uma mudança profunda em tudo isto
é preciso alguma coragem política e pessoal.
"Um bom físico
tanto investiga em Portugal como noutro país
qualquer "
|
"Deveria haver uma melhor selecção
dos professores"
|
U@O - Como vê o futuro da Física
na UBI?
J.P- Na realidade actual a Física é
uma das mais importantes disciplinas para a investigação
e desenvolvimento de novas tecnologias. Uma das áreas
em forte crescimento e que tem de ter o apoio da Física,
é precisamente a área da Medicina. Nos cursos
de medicina lecciona-se pouca matéria relacionada
com a Física. Mas os profissionais de saúde
trabalham todos os dias com máquinas e com processos
que obedecem a leis físicas, as quais devem ser
minimamente compreendidas.
O departamento de Física analisou este e outros
problemas e decidiu propor soluções. Assim
nasceu um novo curso pensado para a Medicina, que vai
também ter uma base Física, trata-se da
licenciatura em Ciências Biomédicas. Este
foi o primeiro de muitos outros passos que esperamos dar
no sentido de fomentar ainda mais a importância
da Física na UBI e no panorama nacional.
U@O - Como vai ser esse curso em Ciências
Biomédicas?
J.P.- O curso vai integrar três departamentos
da UBI de forma a que exista uma ligação
entre os diversos saberes. Vai englobar a Física,
a Medicina e a Engenharia Electromecânica. Há
depois um ramo de especialização em Física
Médica que envolve mais o Departamento de Física
e outro em Engenharia Biomédica que estará
mais ligado ao Departamento de Engenharia Electromecânica.
Estamos também a criar um curso de pós-graduação
em Ciências Biomédicas, que vai abrir pela
primeira vez este ano lectivo e é destinado a enfermeiros,
técnicos de saúde, profissionais de diagnósticos,
entre outros.
U@O - Portugal não é um País
de “Einstein’s”?
J.P.- Uma das verdades que devia estar interiorizada
pelos portugueses é a de que nós não
somos piores do que os outros. Este era um bom ponto de
partida para tudo, não só para o melhoramento
das ciências exactas e das investigações
mas também para o próprio desenvolvimento
do Pais. Outra das coisas que se regista em Portugal é
o facto de sermos demasiadamente permissivos. Isto é,
o nível de exigência e de trabalho, de empenho
e de resultados é colocado, em certa medida, de
lado. Hoje regemo-nos, muitas vezes, por medidas eleitoralistas
e há outros interesses maiores que não deixam
modificar estes cenários.
"Portugal não é um País
exigente e os quadros técnicos não
estão bem distribuídos" |
"A Física é uma das mais importantes
disciplinas para a investigação e
desenvolvimento de novas tecnologias" |
U@O - Em 2005 assinala-se o ano Internacional da Física.
De uma forma geral como analisa o papel desta ciência
na actualidade?
J.P.- Hoje fala-se muito da aldeia global. Estamos
cada vez menos isolados, aquilo que é descoberto
numa ponto do globo, depressa chega ao outro extremo.
Mas para que isto aconteça é necessário
que os povos e as entidades não se isolem do resto
do mundo, e Portugal esteve algo afastado, manteve-se
num estado periférico. Actualmente isso está
a mudar.
Na ciência passa-se exactamente o mesmo e daí
que não faça sentido e seja quase impossível
estar-se a trabalhar sozinho. Na Física há
grandes ligações internacionais, como é
o exemplo da Agência Espacial Europeia (ESA) da
qual Portugal também é sócio, ou
de uma outra agência ligada à fusão
nuclear. No mundo da física desenvolvem-se hoje
investigações muito grandes que têm
forçosamente de envolver muitos países.
Daí que não se possa pensar só no
nosso espaço, em nós próprios, mas
sim no global.
U@O - E como vê o futuro da Física
na UBI?
J.P.- Eu sou um optimista. Esta Universidade
é relativamente pequena e isso pode ser um ponto
positivo a explorar. Devem atrair-se os futuros estudantes
com a qualidade de vida que aqui se tem, com os meios
e com o tratamento mais personalizado relativamente a
outras universidades. Isto passa pela cidade, pelas estruturas
da Universidade, pelas ligações às
principais cidades, entre outras. Os físicos da
Universidade da Beira Interior estão em ligação
com muitos outros.
U@O - Numa altura em que o “choque tecnológico”
está em voga, considera que a Física e todos
os projectos que esta área envolve deveriam ter
um maior apoio por parte do Governo e de outras instituições?
J.P.- Não podemos queixar-nos nesse aspecto,
até porque não nos têm faltado meios.
Penso sim que deveria de existir uma maior preparação
dos alunos e predisposição para a investigação.
Muitos dos membros deste departamento trabalham no domínio
da Física Teórica. E muitos deles estão
ligados a investigações conjuntas com várias
Universidades portuguesas e estrangeiras. Estas ligações
são muito importantes, tal como a partilha de conhecimentos,
mas implicam custos. Até aqui, o apoio das entidades
oficiais tem-se mantido, daí estarmos contentes.
"Portugal está
a torna-se num País de serviços,
com as consequências que isso acarreta"
|
"As ligações e partilhas de conhecimentos
são de importância vital"
|
U@O - No âmbito da investigação e
da abertura de novas estruturas, pode avançar algumas
novidades?
J.P- Um dos projectos que está em desenvolvimento
é relacionado com um Observatório de Ciência
que pode vir a ser instalado na região. Este projecto
foi mesmo proposto à Fundação para
a Ciência e Tecnologia, foi bem classificada, mas
acabou por não ser aprovado. É um projecto
muito importante e necessário que, se aprovado,
pode envolver a Universidade, os alunos do curso de Física
e não só, que poderiam fazer módulos
e diversas cadeiras da sua licenciatura, nesse mesmo projecto
e poderia também desenvolver trabalhos, ao abrigo
de tudo quanto é leccionado que se prende com o
desenvolvimento de máquinas, de experiências
mecânicas de observações de fenómenos
físicos, e muitas outras actividades. As escolas
da região têm, nesta iniciativa, um papel
preponderante, pois os alunos do secundário teriam
neste observatório uma base de apoio às
suas aulas teóricas e às matérias
que são dadas no secundário, com o intuito
de motivar os alunos e despertar-lhes o gosto pela física.
U@O - Quais vão ser as principais incentivos
para chamar alunos a esta área?
J.P.- Os alunos da UBI são tão
bons como os das outras Universidades. Esta ideia deve
ser sublinhada, até porque existe muito a convicção
de que as melhores escolas são em Coimbra, Lisboa
e Porto. Mas o problema da Física é que
se restringe, em grande maioria, ao ensino, que por sua
vez está lotado. Em países como a Alemanha,
isso não funciona assim. Um licenciado em Física
pode desenvolver a sua actividades em diversos campos.
É preciso que as indústrias portuguesas
comecem a olhar para isto e a empregar as pessoas. Portugal
está a torna-se num País de serviços,
com as consequências que isso acarreta. As pessoas
que são boas nas suas áreas acabam por sair
do País. Um bom físico tanto investiga em
Portugal como noutro país qualquer e isso é
o que hoje se verifica no panorama português.
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