Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves



"A Física é uma das mais importantes disciplinas para a investigação"

Urbi@Orbi - Fale-nos um pouco do Departamento de Física da UBI.
João da Providência -
É um departamento que tem um corpo docente muito jovem, mas também muito competente. O pessoal técnico e de apoio é também muito bom. Uma das vantagens que temos vindo a implementar neste departamento é o funcionamento em equipa. Mas esta tarefa nem sempre é fácil, visto que este é um dos maiores departamentos da Universidade. Um número que se deve ao facto dos muitos alunos que havia há uns anos atrás. Hoje a situação mudou completamente. Lembro-me dos estudantes quererem ingressar em Física e não haver vagas. Agora acontece exactamente o contrário, há vagas mas não há estudantes.

U@O – Como vê essa falta de alunos nos cursos de Física?
J.P.-
O País sabe que tem de proporcionar uma boa formação aos seus técnicos, caso queria crescer e desenvolver-se. Essa formação inclui e implica conhecimentos avançados de Matemática e de Física que são as ciências que estão na base da investigação. O problema é que Portugal não é um País exigente e os quadros técnicos não estão bem distribuídos. Não entendo o facto de existirem pessoas com doutoramentos em Matemática e Física, com altos conhecimentos sobre estas disciplinas e com grande aptidão pedagógica, que estão desempregadas. Enquanto existem docentes que estão a dar aulas nos ciclos de ensino básicos e secundário, mas que não têm as mesmas habilitações.
A desmotivação dos alunos, nestas áreas, é outro factor a ter em conta. De que serve a um estudante uma licenciatura nesta área com a vertente de ensino, se ele sabe que não vai ter emprego? As pessoas começam a interrogar-se e acabam por desistir. Mas até hoje houve a falta de alguém com a coragem suficiente para questionar este sistema de ensino e da carreira docente. Com o actual panorama, há jovens que chegam ao Ensino Superior com falta de capacidades para tal. Isso não é inteiramente culpa deles, é culpa do sistema.

U@O - Acredita portanto que o problema da falta de alunos não se deve às Universidades, mas ao próprio sistema de Ensino.
J.P-
Julgo que deveria ser feita uma melhor selecção das pessoas. As mais competentes são as que devem ensinar os nossos jovens. Infelizmente, isso não acontece. Vivemos neste sistema e para este sistema. Claro que para haver uma mudança profunda em tudo isto é preciso alguma coragem política e pessoal.




"Deveria haver uma melhor selecção dos professores"


U@O - Como vê o futuro da Física na UBI?
J.P-
Na realidade actual a Física é uma das mais importantes disciplinas para a investigação e desenvolvimento de novas tecnologias. Uma das áreas em forte crescimento e que tem de ter o apoio da Física, é precisamente a área da Medicina. Nos cursos de medicina lecciona-se pouca matéria relacionada com a Física. Mas os profissionais de saúde trabalham todos os dias com máquinas e com processos que obedecem a leis físicas, as quais devem ser minimamente compreendidas.
O departamento de Física analisou este e outros problemas e decidiu propor soluções. Assim nasceu um novo curso pensado para a Medicina, que vai também ter uma base Física, trata-se da licenciatura em Ciências Biomédicas. Este foi o primeiro de muitos outros passos que esperamos dar no sentido de fomentar ainda mais a importância da Física na UBI e no panorama nacional.

U@O - Como vai ser esse curso em Ciências Biomédicas?
J.P.-
O curso vai integrar três departamentos da UBI de forma a que exista uma ligação entre os diversos saberes. Vai englobar a Física, a Medicina e a Engenharia Electromecânica. Há depois um ramo de especialização em Física Médica que envolve mais o Departamento de Física e outro em Engenharia Biomédica que estará mais ligado ao Departamento de Engenharia Electromecânica.
Estamos também a criar um curso de pós-graduação em Ciências Biomédicas, que vai abrir pela primeira vez este ano lectivo e é destinado a enfermeiros, técnicos de saúde, profissionais de diagnósticos, entre outros.

U@O - Portugal não é um País de “Einstein’s”?
J.P.-
Uma das verdades que devia estar interiorizada pelos portugueses é a de que nós não somos piores do que os outros. Este era um bom ponto de partida para tudo, não só para o melhoramento das ciências exactas e das investigações mas também para o próprio desenvolvimento do Pais. Outra das coisas que se regista em Portugal é o facto de sermos demasiadamente permissivos. Isto é, o nível de exigência e de trabalho, de empenho e de resultados é colocado, em certa medida, de lado. Hoje regemo-nos, muitas vezes, por medidas eleitoralistas e há outros interesses maiores que não deixam modificar estes cenários.



"Portugal não é um País exigente e os quadros técnicos não estão bem distribuídos"

"A Física é uma das mais importantes disciplinas para a investigação e desenvolvimento de novas tecnologias"


U@O - Em 2005 assinala-se o ano Internacional da Física. De uma forma geral como analisa o papel desta ciência na actualidade?
J.P.-
Hoje fala-se muito da aldeia global. Estamos cada vez menos isolados, aquilo que é descoberto numa ponto do globo, depressa chega ao outro extremo. Mas para que isto aconteça é necessário que os povos e as entidades não se isolem do resto do mundo, e Portugal esteve algo afastado, manteve-se num estado periférico. Actualmente isso está a mudar.
Na ciência passa-se exactamente o mesmo e daí que não faça sentido e seja quase impossível estar-se a trabalhar sozinho. Na Física há grandes ligações internacionais, como é o exemplo da Agência Espacial Europeia (ESA) da qual Portugal também é sócio, ou de uma outra agência ligada à fusão nuclear. No mundo da física desenvolvem-se hoje investigações muito grandes que têm forçosamente de envolver muitos países. Daí que não se possa pensar só no nosso espaço, em nós próprios, mas sim no global.

U@O - E como vê o futuro da Física na UBI?
J.P.-
Eu sou um optimista. Esta Universidade é relativamente pequena e isso pode ser um ponto positivo a explorar. Devem atrair-se os futuros estudantes com a qualidade de vida que aqui se tem, com os meios e com o tratamento mais personalizado relativamente a outras universidades. Isto passa pela cidade, pelas estruturas da Universidade, pelas ligações às principais cidades, entre outras. Os físicos da Universidade da Beira Interior estão em ligação com muitos outros.

U@O - Numa altura em que o “choque tecnológico” está em voga, considera que a Física e todos os projectos que esta área envolve deveriam ter um maior apoio por parte do Governo e de outras instituições?
J.P.-
Não podemos queixar-nos nesse aspecto, até porque não nos têm faltado meios. Penso sim que deveria de existir uma maior preparação dos alunos e predisposição para a investigação. Muitos dos membros deste departamento trabalham no domínio da Física Teórica. E muitos deles estão ligados a investigações conjuntas com várias Universidades portuguesas e estrangeiras. Estas ligações são muito importantes, tal como a partilha de conhecimentos, mas implicam custos. Até aqui, o apoio das entidades oficiais tem-se mantido, daí estarmos contentes.




"As ligações e partilhas de conhecimentos são de importância vital"


U@O - No âmbito da investigação e da abertura de novas estruturas, pode avançar algumas novidades?
J.P-
Um dos projectos que está em desenvolvimento é relacionado com um Observatório de Ciência que pode vir a ser instalado na região. Este projecto foi mesmo proposto à Fundação para a Ciência e Tecnologia, foi bem classificada, mas acabou por não ser aprovado. É um projecto muito importante e necessário que, se aprovado, pode envolver a Universidade, os alunos do curso de Física e não só, que poderiam fazer módulos e diversas cadeiras da sua licenciatura, nesse mesmo projecto e poderia também desenvolver trabalhos, ao abrigo de tudo quanto é leccionado que se prende com o desenvolvimento de máquinas, de experiências mecânicas de observações de fenómenos físicos, e muitas outras actividades. As escolas da região têm, nesta iniciativa, um papel preponderante, pois os alunos do secundário teriam neste observatório uma base de apoio às suas aulas teóricas e às matérias que são dadas no secundário, com o intuito de motivar os alunos e despertar-lhes o gosto pela física.

U@O - Quais vão ser as principais incentivos para chamar alunos a esta área?
J.P.-
Os alunos da UBI são tão bons como os das outras Universidades. Esta ideia deve ser sublinhada, até porque existe muito a convicção de que as melhores escolas são em Coimbra, Lisboa e Porto. Mas o problema da Física é que se restringe, em grande maioria, ao ensino, que por sua vez está lotado. Em países como a Alemanha, isso não funciona assim. Um licenciado em Física pode desenvolver a sua actividades em diversos campos. É preciso que as indústrias portuguesas comecem a olhar para isto e a empregar as pessoas. Portugal está a torna-se num País de serviços, com as consequências que isso acarreta. As pessoas que são boas nas suas áreas acabam por sair do País. Um bom físico tanto investiga em Portugal como noutro país qualquer e isso é o que hoje se verifica no panorama português.





Perfil



João da Providência nasceu em Coimbra em 1956 Formou-se em Física, pela Universidade de Coimbra, e aí começou a leccionar algumas cadeiras do curso. Os contactos no âmbito da investigação mantidos com algumas universidades europeias levam-no até à Alemanha para realizar o seu doutoramento. Uma investigação “apoiada por uma bolsa patrocinada pelo Governo Alemão”. O actual presidente do Departamento de Física da UBI lembra que “na altura não falava alemão”, e teve de aprender “desde o zero”. Uma experiência que o marcou para sempre. Segundo João Providência, “não se aprende só a fala, mas também a cultura, os hábitos de trabalho e outros pormenores”.
O contacto com uma nova cultura fascinou-o a tal ponto que ainda hoje se confessa um apaixonado por tudo o que diga respeito à Alemanha.
Este docente da UBI refere que “as pessoas têm uma actividade cultural e um empenho que não se verifica no povo português”. Factores que “marcam bastante as pessoas que ali se deslocam”. Este professor explica também que uma das coisas que mais o fascinou nos alemães foi o seu sentido de pátria. “Tal como os portugueses, também os alemães estão espalhados por todo o mundo, mas ao contrário de nós, eles cuidam da língua deles e de todo um vasto conjunto de situações que se prende com o seu País. Em Portugal tende-se a ser mais benevolente e descuidado”, refere.
Ainda assim, regressa a Portugal onde tem a família, o emprego e as suas investigações.
“Depois do doutoramento continuei em Coimbra a dar aulas e fazer algumas investigações”, acrescenta. Entretanto surgiu a oportunidade de vir para a UBI, com a abertura de um lugar para professor catedrático na área da Física. “Concorri e fui colocado. Agora estou aqui e gosto de dar aulas na Covilhã”, refere João da Providência que apostou em vir para a Covilhã logo que o desafio se tornou real. Isto porque “sempre fui muito de conhecer novas pessoas e novos lugares, daí que a vinda para a UBI também tenha a ver com esse espírito”. Embora esta deslocação roube algum tempo à família, “o balanço que faço é bastante positivo”.
Os computadores são outra das grandes paixões de João da Providência. Para este físico, “as máquinas que hoje existem são instrumentos preciosos para o homem”. O docente da UBI refere que tem um gosto especial pela linguagem informática “e pela capacidade do homem poder comunicar com a máquina e tentar adaptar esta às suas necessidades”. Para além de tudo isso, Providência vê também nos computadores actuais, “ferramentas importantíssimas para as investigações do homem”.
No que diz respeito aos tempos livres, “passam acima de tudo por estar com a família e passear”. A natação é uma das actividades de lazer que mais aprecia, assim como a leitura de livros em alemão e “ouvir rádio”.