Anabela Gradim
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O fim das férias
«Ali estavam a Roças,
o Fistor, a Ramboia, o Parrulo, a Galega, o Farinhota,
a Descalça, a Sapata, o Goicho, a Ferrugem, o Perneta,
a Castanheira, o Cervos, tantos, tantíssimos outros,
antigos maltrapilhos, antigos famintos, antigos tristonhos,
hoje bem trajados, tripa forra, carteira recheada, sorridentes,
em gozo de vacanças…
Vacanças… repetia Picholeta no âmago
do seu coração fatigado. Vacanças…
Ela, em oitenta anos de trabalho, nunca tivera, a bem
dizer, um dia de folga…» (1).
Agosto está no fim, e as férias de muitos
portugueses também. Enquanto nas grandes cidades,
como Lisboa e Porto, este é um mês em que
se circula com algum desafogo, pois uma massa significativa
de conterrâneos vai a banhos, e muitos serviços
estão encerrados ou a laborar a meio gás,
nas aldeias e do interior dá-se o fenómeno
inverso: enchem-se de gente e de vida, a população
duplica ou triplica pela chegada dos emigrantes. Naquelas
onde já quase só resistem idosos, é
em Agosto que se percebe onde param os moços da
terra, e para onde se fez a renovação geracional.
Fosse a história outra e estes mesmos todos que
regressam poderiam nunca ter partido.
«Emigrantes acham que Portugal não os recebe
bem», titulava o Público de 15 de
Agosto, e será verdade. A emigração
portuguesa tem raízes fundas na história,
e tem aumentado nos últimos anos. Começou
no séc. XV, sobretudo dirigida ao Norte de África,
ilhas, e mais tarde, com a descoberta do caminho marítimo
para a Índia, expande-se a Oriente. A partir do
século XVI o Brasil torna-se o principal destino
dos emigrantes portugueses, prolongando-se nessa qualidade
até aos anos 30 do século XX. Entretanto,
os destinos escolhidos diversificam-se: apontam agora
quer à Europa, quer a África (ex-colónias,
África do Sul, Zimbabwe); e ainda EUA, Argentina,
Venezuela, Canadá, Austrália, etc. (2)
De tal modo que não deve haver um português,
um só, que não tenha um emigrado na família.
A partir de meados dos anos 50, a emigração
portuguesa ruma à Europa: França, Espanha,
Alemanha, Luxemburgo, Suíça, são
os destinos preferenciais. Sabe-se que a guerra colonial
impulsionou parte da emigração da década
de 60; mas o despovoamento das aldeias do interior e do
Portugal rural, em minha opinião, ficou simplesmente
a dever-se à miséria. Entre 1958 e 1974,
1,5 milhões de pessoas abandonaram o País.
Hoje que Portugal se tornou num destino de imigração,
continuam a sair: 20.500 em 2001, 27.358 em 2002, 27.008
em 2003, (3) com uma nuance:
parte desta emigração é sazonal,
cumpre-se durante alguns meses do ano, enquanto os restantes
são passados no país de origem.
O mistério do português produtivo no Luxemburgo
talvez explique que aqui se sintam mal recebidos, inclusive
em termos institucionais. É a culpa. "….A
emigração é uma carga pesada, é
uma prova da incapacidade que eles têm [os políticos]
de gerir o país." (4)
A diáspora portuguesa no mundo está estimada
em cinco milhões de almas, isto é, mais
de um terço da população do País.
Um número a ter em conta – por razões
estritamente utilitárias e pragmáticas,
que não ideológicas – quando ressurge
o registo xenófobo acerca da imigração.
E embora tenham vindo a diminuir, as remessas dos emigrantes
contabilizaram no último ano 1,8 do PIB. Agora
que partem e que as aldeias regressam à sua paz,
queria lembrar o seu protagonismo, não nos feitos
económicos, mas na revolução social
e de mentalidades que empreenderam, malgré-soi,
no Portugal feudal e salazarista que abandonaram, e que
Bento da Cruz magistralmente retrata. Esse Portugal de
toiros e marialvas, de fidalgotes e lavradores e morgados
e servos da gleba, está morto e enterrado, e para
a extinção dessa mentalidade contribuiu
primeiro a emigração.
«Nos negregados tempos em que ela se criara, os
rapazes olhavam mais para a família e o dote do
que para as qualidades e a beleza das cachopas. Qualquer
cigana podia ler, sem grande margem de erro, a buena-dicha
a uma rapariga cabaneira: criada de servir ou barregã
de lavrador. Felizmente, a emigração acabou
com essa injustiça. As terras deixaram de ser olhadas
como fonte de riqueza, já ninguém as quer.
Esta desvalorização das terras colocou as
filhas dos cabaneiros em pé de igualdade com as
dos lavradores. Todas se casam. Desapareceram as raparigas
namoradeiras, desapareceram os zorros (..) Agora Gostofrio
é uma aldeia cosmopolita – pelo menos em
Agosto. Bate aí gente de todas as cores, raças
e nacionalidades.» (5)
Por isso, sem dúvida, mais que pelas «remessas»,
há que estarmos gratos.
(1) Bento da Cruz,
«O Retábulo das Virgens Loucas», Editorial
Notícias
(2) http://imigrantes.no.sapo.pt/
(3) http://imigrantes.no.sapo.pt/
(4) José Machado, presidente da
Federação das Associações
Portuguesas de França (FAPF), ao Público
(5) Bento da Cruz, «O
Retábulo das Virgens Loucas», Editorial Notícias
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