Carlos Cabrita
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Relembrar Sempre
Em 2005 decorrem exactamente
60 anos sobre o términus da Segunda Guerra Mundial
(em Maio na Europa e em Agosto no Extremo Oriente, com
a rendição dos beligerantes responsáveis,
Alemanha e Japão). Foi o mais mortífero
e bárbaro de todos os conflitos da História
da Humanidade, com nações completamente
destruídas, cerca de 70 milhões de mortos,
e um número incomensuravelmente superior de estropiados,
desalojados e apátridas, cujas consequências
ainda hoje se fazem sentir. Se justificações
há para tal barbaridade, talvez tudo se tenha precipitado
com a humilhação da nação
alemã em 1919, por via das indemnizações
de guerra impostas pelo Tratado de Versalhes, o que permitiu
que o maior assassino de massas da História –
Adolf Hitler –, e os seus sequazes do partido nacional
socialista dos trabalhadores alemães (nazi) pudessem
ter atingido o poder absoluto em Janeiro de 1933.
Um dos aspectos mais chocantes e inimagináveis
deste conflito foi, como todos nós sabemos ou deveríamos
saber, o extermínio sistemático em campos
de concentração, como se a morte fosse uma
produção industrial em série, de
prisioneiros de guerra soviéticos, de membros das
resistências à ocupação, de
homossexuais, de políticos alemães dissidentes,
de católicos, de comunistas, de testemunhas de
Jeová, de ciganos, e de judeus. Todavia, o povo
judaico foi o mais martirizado apesar da sua perseguição
e extermínio sistemáticos, terem sido de
fácil previsão – bastaria ter-se lido
atentamente o tratado racista de Hitler (Mein Kampf, A
Minha Luta), logo na década de 1920; a publicação
das Leis de Nuremberga em Setembro de 1935; a Noite de
Cristal, de 9 para 10 de Novembro de 1938, que causou
91 mortos, centenas de feridos, 30 mil detidos, e mil
milhões de marcos de prejuízo.
Já no decorrer da guerra, em Janeiro de 1942, numa
localidade dos arredores de Berlim – Wannsee –
os principais dirigentes da repressão nazi decidiram,
de “forma científica”, a solução
final do problema judaico (o Protocolo de Wannsee), tendo
assim dado origem ao Holocausto (a Shoah), cuja finalidade
teria sido o extermínio completo de toda a vida
hebraica existente nos territórios ocupados, contando
para isso com a colaboração dos dirigentes
fantoches de algumas nações: Pétain
e Laval (França), Quisling (Noruega), Horthy (Hungria),
Pavelic (Croácia), Antonescu (Roménia),
e o monsenhor-presidente Josef Tiso (Eslováquia).
Este último, padre católico, julgado e executado
no final da guerra por crimes contra a humanidade, foi
um dos mais activos colaboradores de Hitler, tendo sido
o responsável directo pelo extermínio de
80% dos 75.000 judeus residentes na Eslováquia.
Nos campos de extermínio de Auschwitz-Birkenau,
Dachau, Majdanek, Sobibor, Bergen-Belsen e Treblinka,
entre outros, foram chacinados cerca de 6 milhões
de judeus (Lord Russell of Liverpool, O Flagelo da Suástica,
Europa-América, 1956). Como se tornou possível
seres humanos tratarem o seu semelhante desta forma brutal
e animalesca? Como se explica que uma nação
industrializada e culta, e que deu à humanidade
figuras intemporais como Goethe, Dürer e Bethoven,
tenha dado origem a toda uma geração de
monstros acéfalos, desumanos, sádicos e
assassinos? Que culpa arrastava o martirizado povo judaico,
já barbaramente perseguido durante séculos?
Teria sido o estigma, injustamente inventado, de que crucificaram
Jesus Cristo? Ao lermos o comovente Diário, de
Anne Frank (a obra mais vendida durante o século
passado), perguntamos: que culpa é que esta criança,
assim como a sua irmã, carregavam consigo, para
que tivessem sido deportadas e deixadas morrer num campo
de concentração? Eram apenas e somente duas
crianças inocentes, todavia com o estigma de terem
nascido judias.
Sem dúvida que o anti-semitismo secular e primário
representou o caldo de cultura que originou o vírus
que foi a loucura genocida do Terceiro Reich. Desde tempos
imemoriais que se tem vindo a conotar depreciativamente
o judaísmo com determinadas atitudes – recordo-me
perfeitamente nos meus tempos de infância quando
cometia traquinices, de ouvir reprimendas na própria
escola como «não sejas judeu», «és
mesmo rabino», «não faças judiarias».
Quantas vezes não ouvimos já, publicamente,
apelidar de cabalas as maquinações e manobras
secretas concertadas contra alguém (note-se que
a cabala representa o conjunto das doutrinas e preceitos
do misticismo judaico!).
Outro exemplo importante consistiu no mais famoso panfleto
anti-semita, Os Protocolos dos Sábios de Sião,
surgido premeditadamente no início do século
passado e que, apesar de ter sido uma gigantesca fraude,
não deixou de acirrar ainda mais os ânimos
contra o povo judaico, na medida em que afirmava a existência
de uma conspiração com a finalidade de destruir
a cristandade e de escravizar a humanidade (como se tal
fosse possível da parte de um povo disperso pelo
mundo, e que nem sequer possuía uma pátria).
O próprio Albert Einstein afirmou pragmaticamente
o seguinte em Dezembro de 1929, na Sorbonne: «se
a teoria da relatividade se revelar exacta, a Alemanha
afirmará que sou cidadão alemão e
a França declarar-me-á cidadão do
mundo. Mas se a teoria não se confirmar, então
a França dirá que sou alemão e os
alemães que sou judeu.» Enfim, os judeus
têm sido rotulados com inúmeros preconceitos,
inventados exactamente para fundamentar as perseguições
de que têm sido vítimas.
Vale a pena olharmos e meditarmos sobre os números
de vítimas do Holocausto e as respectivas percentagens
em relação ao total da população
judaica de cada país, que se apresentam no quadro
seguinte (La Aventura de La Historia, Março de
2005; Crónica del Holocausto, vários autores,
Libsa, Madrid, 2002; Sir Martin Gilbert, Atlas of the
Holocaust, Routledge, Londres, 2002.).
Polónia |
2.900.000 |
88% |
Ucrânia |
900.000 |
60% |
Hungria |
450.000 |
70% |
Roménia |
270.000 |
33% |
Bielorússia |
245.000 |
65% |
Lituânia |
220.000 |
94% |
Alemanha
|
130.000 |
55% |
Rússia |
107.000 |
11% |
Holanda |
106.000 |
76% |
França |
90.000 |
26% |
Boémia-Morávia |
80.000 |
89% |
Eslováquia |
71.000 |
80% |
Letónia |
70.000 |
77% |
Grécia |
65.000 |
80% |
Jugoslávia |
60.000 |
80% |
Áustria |
50.000 |
62% |
Bélgica |
25.000 |
60% |
Bulgária |
11.400 |
14% |
Itália |
7.500 |
20% |
Luxemburgo |
1.950 |
50% |
Estónia |
1.500 |
35% |
Noruega |
870 |
55% |
A nação alemã
tem vindo a desenvolver um esforço notável
na assunção da sua culpa colectiva, como
ficou mais uma vez demonstrado nas cerimónias oficiais
do passado dia 8 de Maio e na inauguração
em Berlim do grandioso monumento de homenagem às
vítimas do Holocausto. Todavia, muitos países
directamente envolvidos nunca o fizeram, como é
o caso da Áustria, que foi dos que mais colaborou
com os projectos nazis, onde a legislação
anti-semita em muitos aspectos foi mais cruel que a da
própria Alemanha, e que nunca quis condenar o seu
passado. Uma situação emblemática
foi Kurt Waldheim, que teve a missão de capturar
judeus para os deportar para campos de concentração
e que soube muito bem esconder este seu passado nazi,
transformando-se no pós-guerra em grande democrata
a ponto de ter sido eleito secretário-geral da
ONU (1971-1981). Apesar das revelações posteriores
sobre o seu passado, os austríacos elegeram-no
presidente da república em 1986, o que provocou
o isolamento internacional do país durante o seu
mandato.
Em Junho de 1979, a grande figura da História da
Igreja e da Humanidade que foi o cidadão do mundo
Karol Josef Hubert Wojtyla, recentemente falecido como
Papa João Paulo II, visitou e celebrou missa em
Auschwitz, onde chorou comovidamente («Auschwitz
é uma cratera de sofrimento onde desapareceu toda
a humanidade»). Em 13 de Abril de 1986, visitou
a sinagoga de Roma, onde afirmou «eu, Papa da Igreja
de Roma, peço perdão, em nome de todos os
católicos, pelas injustiças infligidas ao
longo da História aos não católicos».
Em 27 de Outubro do mesmo ano, promoveu em Assis um grande
encontro interconfissões religiosas onde se rezou
pela Paz («todas as religiões devem colaborar
com a causa da Humanidade»). Em 26 de Março
de 2000 visitou Jerusalém e rezou no Muro das Lamentações,
tendo assumido a responsabilidade da Igreja no silêncio
passivo em relação aos crimes contra o povo
judaico. Mais recentemente, na mesma linha de justiça,
humanismo, e de diálogo inter-confissões,
Bento XVI declarou publicamente que o Holocausto deverá
ser sempre recordado.
Sem dúvida que o mundo mudou significativamente
após o Holocausto, contudo o Velho Continente ainda
não conseguiu exorcizar em definitivo esse terrível
fantasma do passado chamado anti-semitismo. Para a sua
irradicação muito contribuiu João
Paulo II, verdadeiro apóstolo da Paz e da Concórdia,
daí que devamos seguir o seu exemplo, dizendo não
e eliminando dos dicionários de todas as línguas
os vocábulos anti-semitismo, racismo, xenofobia,
genocídio, guerra, subdesenvolvimento, fome, terrorismo,
e fundamentalismo religioso.
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