Anabela Gradim

Incendiários


É uma fatalidade: em Portugal assim que o tempo aquece, o País arde como uma tocha. Segunda fatalidade a que nos vamos habituando: em época estival, de silly season e poucas notícias, é inevitável a extensa e aprofundada cobertura mediática dos fogos: 30 minutos de incêndio na abertura de um telejornal – com imagens suculentas, entrevistas aos bombeiros, ao cão e ao periquito, além de composições neo-realistas sobre o sofrimento das populações atingidas, com cenas de desespero em directo, são um menu mais do que previsível na televisão que temos.

Noto também que, no dia imediatamente a seguir aos atentados de Londres, possivelmente à falta de imagens de choque, um canal televisivo cobria em manchete, com destaque e grande dispêndio de tempo, os incêndios nacionais; para só depois passar então às notícias sobre a capital britânica. Imagino eu que a fleuma das imagens que chegavam de Londres tenha recomendado tal opção editorial. Ou que tenham sido outras as causas dela, pouco importa. Queria falar, sobretudo, dos efeitos.

Terá isto de ser sempre assim? Bem, certamente ajudaria quem constrói alinhamentos que Portugal não tivesse dos noticiários televisivos mais longos do mundo. Sessenta minutos, por vezes mais, só poderiam redundar em peças longuíssimas, atafulhadas de entrevistas de rua até à inanição, e de perguntas geniais tipo “como é que se sente”. O ponto é que ninguém fica mais ou melhor informado por causa disso, e os jornais se parecem com prolongamentos da novela das 7 – a novela da vida real entalada entre a novela das 7 e a das 8. Ora, a televisão portuguesa tem excelentes profissionais e excelentes jornalistas, e seria certamente possível apenas com o que há fazer muito melhor.

No caso da novela «Portugal a Arder» (sim, sim, se não me falha a memória nem sonhei isto já foi título para uma saison de incêndios numa estação televisiva) o peso da excessiva mediatização dos incêndios devia ser seriamente ponderado, atendendo à possibilidade de tal cobertura ser ela mesma potencialmente incendiária. Está estudado o modo como noticiar certos fenómenos pode intensificá-los por contágio – caso dos suicídios, por exemplo. Noticiar tão entusiasticamente os incêndios parece, pelas experiências dos últimos anos, que não contribui em nada para a sua diminuição, ou, em todo o caso, isso poderia ser estudado. O que sei é que, com o que tenho «ouvisto» distraidamente, já aprendi a fazer vários tipos de engenhos incendiários com os quais jamais sonhara. Só me fica a faltar a vontade de me vingar dos vizinhos ou de aparecer na televisão, ou, que as causas podem ser infinitamente variadas.

Talvez fosse tempo de na agenda mediática lusa se agendar precisamente este ponto, de se discutir e se chegar a um consenso – nunca heteronomamente imposto, note-se – sobre o que se pode e deve ou não fazer. A imprensa livre já tem 30 anos, já pode dar sinais da sua maturidade que ninguém se assusta. Antes que arda o último pinheiro.