Seis horas da tarde. Na
sala 2.5 do pólo do Ernesto Cruz começa mais
uma aula de segundo nível de Português para
os alunos de Erasmus. Os seis alunos entram de forma ordenada,
em silêncio. A professora Ana Carrilho começa
a sétima lição com a correcção
dos trabalhos de casa. De uma forma vagarosa, mas com uma
dicção perfeita, um dos alunos cita uma frase
daquilo que foi o seu fim-de-semana: “O Pedro foi
no Porto na semana passada”. Por vezes, os artigos
femininos são confundidos com os masculinos, assim
como o plural e o singular. Esta é uma das principais
dificuldades que os alunos polacos enfrentam “na aprendizagem
da elaborada língua de Camões”, refere
a docente. Por isso mesmo, hoje a aula foi totalmente dedicada
aos artigos que precedem os vocábulos no feminino
ou masculino.
A vontade de aprender, estampada no olhar vidrado para os
contornos que o giz branco vai desenhando no fundo preto
do quadro, são reveladores de um espírito
sempre aberto para saber mais e mais. As frases simples,
mas com uma extensa variedade de vocabulário enriquecem
as suas composições e provam o seu esforço,
dedicação e capacidade de trabalho. “São
pessoas bastante interessadas e que se aplicam em tudo o
que fazem. Estão sempre preocupadas em resolver as
suas dúvidas”, salienta Ana Carrilho.
Na sala ao lado, o professor André Costa está
a dar uma aula de iniciação aos estudantes
que apenas vieram no segundo semestre para a UBI. Aqui,
a muleta de comunicação é o inglês,
pois o português dos alunos é ainda muito rudimentar.
Com a ajuda de fichas de apoio, o docente ensina a diferença
entre o verbo ser e estar. Tarefa algo complicada, pois
nas línguas de origem destes estudantes não
existe essa diferença.
Neste nível, apenas se dão os princípios
básicos da língua portuguesa, como por exemplo,
cumprimentar as pessoas ou saber pedir o prato do dia no
restaurante. Nesta fase, a evolução dos alunos
é notória “até certo ponto”.
A produção de sons e a utilização
de algumas frases-chave, como por exemplo “Bom dia”
ou “Adeus” é algo que se adquire rapidamente.
No entanto, quando se aumenta o grau de complexidade, “os
alunos não conseguem acompanhar essa mesma evolução”.
André Costa refere que “as situações
de laboratório dadas na aula são facilmente
acompanhadas, mas no quotidiano é mais difícil
para eles”. As três horas semanais não
chegam para aprofundar em demasia a língua de chegada.
Ana Carrilho revela que o curso de Língua Portuguesa
“consiste em dar as ferramentas suficientes aos alunos
estrangeiros para poderem estabelecer comunicação
em português”.
Os sons nasais, a distinção entre vogais abertas
e fechadas, e as palavras com ‘J’ são
as principais «dores de cabeça» para
os alunos de Erasmus, visto serem características
típicas do português que as suas línguas
nativas não possuem. Após muito treino e exercícios
específicos, lá conseguem, com algum custo,
pronunciar aquilo que parece tão simples, como por
exemplo “cão”.
Este tipo de ensino exige aos docentes muita paciência
e persistência. Falar devagar e soletrar todas as
sílabas são os principais trunfos para o sucesso
na aprendizagem de uma língua totalmente desconhecida.
Ana Carrilho é professora de alunos de Erasmus há
três anos. Domina as línguas inglesa, francesa
e espanhola, mas também vai adquirindo algum conhecimento
com os alunos polacos. “Aprendi a dizer bacalhau –
“dorsha” – e quiosque – “kioska”.
Para a docente “é um trabalho muito interessante
e aliciante que, de alguma forma, nos preenche, dá
força para continuar e querer fazer ainda melhor”.
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"A UBI tem óptimas condições
para estudar", diz a jovem polaca |
O curso de português para alunos estrangeiros é
dirigido pelo Departamento de Letras da UBI, de forma a
facilitar “o intercâmbio universitário
e a aprendizagem das disciplinas na sua área de especialidade”,
salienta Malaca Casteleiro, um dos professores responsáveis
pela fundação do Departamento de Letras.
Mais do que ensinar a língua portuguesa, este curso
pretende ainda revelar aos visitantes a cultura do “nobre
povo” lusitano. Visitas de estudo guiadas às
aldeias históricas da região também
fazem parte do “roteiro” do curso, “de
modo a que os alunos fiquem com uma visão mais completa
deste País, para mais tarde cá voltarem”,
refere Malaca Casteleiro.
Para não sobrecarregar em demasia o currículo
dos estudantes estrangeiros, a aprendizagem da língua
portuguesa é feita apenas em dois níveis.
O tempo de que dispõem entre as disciplinas para
as quais se inscreveram na UBI e as suas tarefas particulares
não permite uma extensão alargada do curso.
O Departamento de Letras auxilia ainda os alunos no contacto
com os serviços académicos, sociais e até
no próprio Departamento onde estão inscritos.
Malaca Casteleiro garante que a maior preocupação
é conduzir da melhor forma a vida académica
e lúdica dos alunos, procurando “contribuir
para que se sintam integrados”.
As relações sociais dos alunos de Erasmus
acabam por ser afectadas, no bom sentido da palavra, pela
instrução da língua portuguesa. A preocupação
sobre como devem abordar as pessoas é uma característica
que Ana Carrilho considera ser reveladora de um carácter
empreendedor. “Os alunos polacos são pessoas
bastante preocupadas em não serem agressivas, nem
mal-educadas. Querem sempre saber qual é a melhor
forma de começar uma conversa”. No entanto,
a tão característica “falta de paciência”
do cidadão português obriga à utilização
de uma língua universal. “Como falam bastante
devagar, procurando as palavras, os alunos portugueses acabam
por lhes pedir para falar em inglês. É uma
forma de praticar o seu inglês e tornar a compreensão
mais rápida”.
O frio e a adaptação a uma cidade desconhecida
são as principais dificuldades dos alunos de Erasmus
quando chegam à Covilhã. Contudo, Malaca Casteleiro
garante que “ao fim de duas semanas já estão
perfeitamente integrados, pois consideram a cidade bastante
acolhedora e com uma qualidade de vida muito boa”.
O número de estudantes que escolhem a UBI para participar
no Programa Sócrates Erasmus não pára
de aumentar. Para conseguir acolher todos os participantes
foi necessária a criação, em 2002,
de um curso intensivo de Português no Verão.
Ao longo do mês de Agosto, Ana Carrilho e André
Costa recebem na Covilhã alunos de vários
cantos da Europa, para, em cerca de 100 horas lectivas,
oferecerem uma iniciação à língua
portuguesa. No último inscreveram-se 60 alunos neste
curso. Contudo, para uma melhor qualidade do ensino, apenas
puderam participar 40. “Muitos destes alunos nem sequer
vinham para a UBI, mas escolheram a Covilhã para
frequentar este curso”, refere Malaca Casteleiro.
Na opinião do docente, este aspecto demonstra “a
projecção que a Universidade tem nos países
europeus”. Este docente considera que os estudantes
que vêm do estrangeiro estudar para a UBI, acabam
por se transformar “numa espécie de embaixadores
da nossa língua e cultura no respectivo país,
visto divulgarem a imagem que colheram de Portugal”.
As aulas decorrem no pólo do Ernesto Cruz
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O que é o Programa Sócrates-Erasmus?
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O programa Sócrates nasceu de um projecto de acção
comunitária no desenvolvimento da cooperação
transnacional a nível da educação.
Numa esfera mundial onde, cada vez mais, se assiste a constantes
transformações e mutações, eleva-se
a necessidade de aquisição de conhecimentos
e competências, não só para a obtenção
de emprego, como também para o crescimento pessoal.
O velho continente europeu caracteriza-se essencialmente
pela sua diversidade de culturas. Também os sistemas
educacionais europeus variam de país para país.
A Europa é uma fonte de conhecimento. Com ela podemos
enriquecer, inovar e fomentar o nosso espírito de
aprendizagem. O programa Sócrates vem então
proporcionar, aos 32 países que nele participam,
um maior desenvolvimento educacional. A aprendizagem ao
longo da vida, a facilidade no acesso de todos à
educação, a instrução de novas
línguas e ainda o incentivo à mobilidade e
à inovação são os principais
objectivos deste programa.
Desde o pré-escolar ao universitário, o programa
Sócrates abrange todos os domínios da educação,
estabelecendo a cooperação europeia. Isto
pode ser observado mediante a realização de
projectos conjuntos e na constituição de redes
europeias de ensino. Com a difusão de ideias e o
incremento de práticas sociais, o Programa Sócrates
proporciona a elaboração de estudos, através
do intercâmbio de experiências. A secção
dedicada ao Ensino Superior designa-se por Erasmus, daí
designarem os alunos universitários que frequentam
este programa como “estudantes de Erasmus”.
Para os estudantes se poderem candidatar a este programa,
basta preencherem as seguintes condições:
Ter a nacionalidade de um Estado-Membro da União
Europeia,
Ter a nacionalidade de um outro país, mas residir
de forma permanente em Portugal,
Apenas se podem inscrever no segundo ano de licenciatura
Antes de partir, devem realizar a sua inscrição
no curso de licenciatura que frequentam na sua universidade
de origem.
Para poderem suportar o diferencial de custo de vida entre
o país de origem e o de chegada, os alunos que participam
no Programa têm direito a uma bolsa. Luís Carrilho,
Vice-Reitor da UBI e dirigente do Gabinete das Relações
Internacionais, explica que “não é uma
bolsa de estudo. Apenas vai custear a despesa suplementar
que poderá encontrar no país para onde vai”.
Estas bolsas serão posteriormente distribuídas
pelos países aderentes, os quais farão a distribuição
pelo número de alunos inscritos.
Caso um aluno queira participar no Programa, mesmo sem ter
conseguido a bolsa, poderá fazê-lo, desde que
seja aceite pela Universidade à qual se candidatou.
A este tipo de candidatura independente, o aluno é
chamado de Free-Mover.
A UBI e o Programa Sócrates:
“Com o Programa Sócrates-Erasmus é
possível quebrar o receio do intercâmbio
universitário.” O medo inicial de ir para
uma nação completamente desconhecida e a
insegurança de não conseguirem fazer as
disciplinas às quais se candidataram são
alguns dos receios que os alunos levam nas suas bagagens.
No entanto, Luís Carrilho, defende que isso acaba
por ser indiferente face à satisfação
daquilo que foi experimentado. “Os alunos vêm
sempre motivados e com uma ideia comparativa daquilo que
se faz em Portugal e do que se faz na Universidade para
onde foram estudar”. O docente acrescenta que, “a
maioria das vezes, vêm com a sensação
de que a UBI tem melhores condições de estudo
e trabalho do que a instituição seleccionada
para fazer o Programa Sócrates”.
A oferta dos recursos de ensino e aprendizagem e o cultivo
da língua portuguesa são as regalias que
a UBI tem para oferecer aos estudantes de Erasmus. “Mais
do que fazer disciplinas, que concerteza são diferentes
da sua universidade, num ambiente internacional onde existem
colegas portugueses, têm a oportunidade de conhecer
um país com muito sol.”
Luís Carrilho afirma que este Programa poderá
abrir mais portas a futuros empregos. “Uma empresa
com um ramo, por exemplo, em França, ao olhar para
um plano curricular onde o aluno tenha participado nesse
país, concerteza que terá uma garantia que
o aluno não receia ir para lá”.
Espanha, França e Polónia são os
países que mais procuram a UBI e que mais são
procurados pelos estudantes deste estabelecimento de Ensino
Superior. Bulgária, Grécia, Finlândia,
Holanda, Noruega, Reino Unido, República Checa,
Suiça e Suécia são outras das variantes
de intercâmbio universitário.
A riqueza interior, o conhecimento de novas culturas,
a aprendizagem de novos métodos de trabalho, a
construção de novas amizades, são
as mais-valias deste intercâmbio internacional.
“Algumas destas amizades já se converteram
em casamentos!”
Experiência enriquecedora
Urszula Bleszynska veio estudar para a UBI no início
do segundo semestre deste ano lectivo. Embora a sua preferência
recaísse no país vizinho, Urszula confessa
que “Portugal é verdadeiramente um país
fantástico, não só para visitar,
mas também por ser quente”.
Decidiu concorrer ao Programa Sócrates pois o seu
principal sonho sempre foi “explorar e conhecer
outros lugares”, onde pudesse conviver com outras
culturas e pessoas. Para a jovem, estudar fora “enriquece
a vida. È também uma maneira de conhecer
os hábitos de outros povos “.
Conheceu a UBI precisamente através de alunos portugueses
que fizeram Erasmus na Polónia, a sua terra-natal.
“Foram eles que me disseram que a Covilhã
é uma óptima cidade para se estudar, por
isso a escolhi”. As infra-estruturas daquela Universidade
e a simpatia típica do povo português são
as qualidades que Urszula mais preza ter encontrado na
cidade-neve. “Todos os pólos têm excelentes
condições de estudo, a biblioteca é
enorme e temos facilidades no acesso aos computadores.
E depois os funcionários e os professores são
muito simpáticos, sempre prontos a ajudar!”
Da Covilhã apenas tem a apontar, em tom de brincadeira,
as “subidas íngremes da maioria das ruas”.
Apesar de estar em Portugal somente há três
meses, Urszula desabafa que as saudades que sente do seu
país já são algumas… “Sinto
falta dos meus amigos, família e… da comida!”
No entanto, os laços de amizade que já construiu
em Portugal ajudam-na a superar os milhares de quilómetros
que a separam da sua terra. A maioria dos seus amigos
são polacos portanto, não existe uma barreira
linguística para falar com eles. Com os colegas
portugueses e espanhóis, Urszula fala em inglês.
“È uma boa forma de praticar essa língua,
já que a língua portuguesa é difícil
de pronunciar e muito complicada!” |