José Geraldes
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E
se Attali tivesse razão?
Jacques Attali foi
conselheiro do presidente francês François
Mitterrand durante dez anos. Escreveu mais de 30 livros
e pertenceu ao Conselho de Estado. Esteve, há pouco
tempo, em Lisboa no âmbito de uma empresa que promove
o microcrédito para ajuda dos mais pobres.
Entrevistado pela revista Pública, o seu ar provocador
vem ao de cima, produzindo afirmações que
são de grande actualidade a propósito do
“não” da França à Constituição
Europeia.
A visão da globalização de Attali
apresenta-se com laivos de tragédia. A sua interpretação
do “não” leva-o a revisitar a história
dos últimos dois séculos sobre as tentativas
da mundialização. Para Attali, esta é
quarta tentativa, tendo falhado as três primeiras.
A primeira tentativa de globalização –
Attali prefere usar a palavra mundialização
– data dos finais do século XVIII “quando
surgiu a ideia da Europa”. As livres trocas de mercadorias
e ideias avançaram. Mas os nacionalismos e as guerras
napoleónicas medraram com força e as consequências
levaram ao encerramento das fronteiras.
A segunda tentativa dá-se na época em que
Júlio Verne escreve a “Volta ao Mundo em
80 dias”. Com o regresso do proteccionismo, a Europa
embrenha-se na I Guerra Mundial com milhões de
mortos.
A terceira tentativa acontece nos anos 20 com a criação
da Sociedade das Nações, para evitar outra
guerra semelhante. Mas a crise de 1929 leva ao fascismo
e ao nazismo com o aparecimento de um monstro chamado
Hitler. A II Guerra Mundial, para além de uma tragédia
em limites e uma barbárie para toda a Humanidade,
vai dividir mundo e a Europa em dois blocos que só
desaparecerão, em 1989, com a queda do Muro de
Berlim.
Conclusão: as tentativas de mundialização
desembocaram em guerras. Jacques Attali explica: “Estamos
pelo menos no início de uma guerra, e é
bom recordar como começou a guerra 1914-1918. Antes
delas, multiplicaram-se os atentados suicidas, tivemos
movimentos niilistas na Rússia, os ataques anarquistas
noutros países da Europa. Isso aconteceu a partir
de 1905, 1910 e, se bem que poucos associem estes atentados
ao clima que levou à I Guerra Mundial, a verdade
é que esta teve como origem fundamental um regresso
em força ao nacionalismo. É, por isso, que
defendo que, se não formos capazes de caminhar
na direcção de um verdadeiro governo mundial,
se disso não resultar menos pobreza e mais justiça,
os povos vão voltar-se a manifestar-se como nesses
períodos”.
Attali enquadra o “não” francês
por “50 razões diferentes, incluindo motivações
pró-europeias”. Mas coloca como essencial
a “questão social”.
Com ênfase diz: “O sucesso ou insucesso da
Europa vai depender de conseguir ou não resolver
os seus problemas sociais. Se falhar então as instituições
europeias serão culpabilizadas de todos os males
e dentro de uns 15 anos nem euro teremos”.
Claro que os países ricos da União Europeia
já não mostram a solidariedade de partilha
financeira de antes. E o voto francês como o da
Holanda é o regresso à defesa só
dos seus próprios interesses nacionais. Um voto
do medo dos imigrantes e do alargamento. O voltar aos
nacionalismos míopes e à manutenção
do seu modelo social como se o desafio da globalização,
de qualquer forma, não estivesse aí.
A falta dos grandes homens da estatura dos fundadores
cava um vazio entre os políticos e os cidadãos.
Attali escalpeliza a situação: “ Os
homens políticos europeus não são
europeístas. Ser europeísta significa que
quando se tem um problema procura-se a solução
na Europa. Hoje, em vez disso, procura-se na Europa o
problema, ou culpa-se a Europa do problema. Precisamos
de alguém que diga que a Europa é a solução,
e hoje não temos ninguém quem o faça”.
Eis o problema.
Attali exprime inquietações que nos obrigam
a pensar. E seria bem melhor não ter razão.
Pois a Europa não pode repetir os erros do passado
com o recurso à guerra.
Foi para evitar esta tragédia que homens como Monnet,
Schuman, De Gasperi, Khol, Adenauer, Mitterrand e Delors
sonharam com a União Europeia. Não apenas
como uma mera união económica mas como uma
união política. Para nunca mais permitir
a solução dos problemas pela tragédia
da guerra.
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