José Geraldes

Austeridade e “voto suicidário”


1. Para combater o “monstro”, ou seja, o défice, aí estão as medidas de austeridade. Ninguém duvida de que eram absolutamente necessárias. E só pecam por tardias.
Estamos em crer que talvez devessem ir mais longe. Um doente para ser tratado com eficiência tem de se submeter a um tratamento adequado. As medidas tomadas agora são, como diz Fernando Madrinha, uma aspirina. E conhecendo a maneira de ser portuguesa, vai ser difícil erradicar toda uma série de vícios instalados. E a mudança é sempre dolorosa. Mas seguindo o caminho do passado, mais tarde ou mais cedo a falência do Estado afigurava-se inevitável. Medina Carreira escreveu a este respeito um texto histórico que devia ser o manual de bordo de qualquer governo.
Claro que todos os governos foram culpados da actual situação. Para satisfazerem os seus objectivos eleitoralistas, tudo fizeram para engordar o Estado. No tempo das “vacas gordas”, ao contrário de outros países agora prósperos, nunca houve coragem de proceder às reformas que se impunham. Os fundos europeus que era suposto modernizarem o País sob o ponto de vista das infra-estruturas e do tecido empresarial, inundaram Portugal de automóveis de topo de gama. Pudesse haver um inquérito rigoroso sobre a aplicação concreta dos dinheiros de Bruxelas e veríamos como é que tinham concorrido para o progresso do País e para o enriquecimento súbito de uns tantos “chicos espertos” que assim hipotecaram o futuro de todos nós.
Neste espaço aqui se escreveu que na campanha eleitoral os partidos políticos falassem verdade ao povo português e tivessem a coragem de dizer que os tempos próximos eram de sacrifícios. Não o fizeram. Foi uma atitude que não os dignifica.
A palavra poupança desapareceu do vocabulário português. E o endividamento das famílias portuguesas atinge níveis que é urgente travar.
De acordo com o que aqui bastas vezes escrevemos, saudamos o fim do sigilo bancário. Já o fim do sigilo fiscal pode ter efeitos perversos. A cultura do povo português não é a dos suecos. E com o cruzamentos de dados informáticos, o Estado pode ficar a saber quem cumpre os seus deveres fiscais, caso haja dúvidas com base nos sinais exteriores de riqueza. A solidariedade nacional não pode ser só exigida à classe média. E as grandes fortunas?
Mas se cada português não interiorizar que tem de mudar de comportamentos na produtividade laboral, no consumo e no estado actual das finanças, não vamos lá. E mais uma vez a razão está do lado dos romanos: “Que raio de povo é este que não se governa nem se deixa governar”?
2. A França, membro fundador da União Europeia, disse, por maioria esmagadora, não à Constituição Europeia. O voto que aliou os comunistas à extrema-direita e dividiu os partidos políticos com maior incidência à esquerda, foi uma machadada na construção da Europa política. Em fórmula lapidar, Eduardo Lourenço, escreve que não foi um voto contra a Europa mas da França “contra si mesma num remake suicidário que só tem paralelo simbólico na “débacle” de 1940”.
Os franceses ainda sonham com a “grandeza da França” de De Gaulle. Numa Europa a 25, os franceses estão possuídos do medo da globalização e de perderem a sua influência imperial. Vingaram-se votando contra a política interna. Mas que se torna necessário uma aproximação maior entre as elites europeias e o cidadão comum, é uma evidência irrecusável.