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Covilhã e o Cinema
A relação
da Covilhã com o cinema ficará para sempre
marcada pelo surgimento, há dois anos, da respectiva
licenciatura na Universidade da Beira Interior. As consequências
dessa aposta ao nível da academia e ao nível
da região só a prazo, obviamente, poderão
ser avaliadas. Mas as estratégias e as expectativas
podem ser desde já definidas: o que se pretende
que o curso seja e como consegui-lo.
Se de globalização se fala a toda a hora,
e se nada nem ninguém desse fenómeno se
pode alhear, premente se torna que o curso de Cinema tenha
no cosmopolitismo um dos seus propósitos. Com cosmopolitismo
quer significar-se uma abertura ao mundo, uma plena assunção
do carácter universal das ideias e das práticas
cinematográficas. Ainda assim – e de outro
modo não poderia ser –, que de forma alguma
se ignore a especificidade e o contexto em que o curso
existe: numa instituição sedeada na Covilhã,
num país chamado Portugal. Assim sendo, deve pensar-se
na licenciatura em Cinema como uma janela de oportunidades
para a cidade e para o País.
Para a cidade, na medida em que seja possível recolher
e estimular dos alunos as suas ideias e sensibilidades
e com eles enriquecer as práticas culturais da
mesma – saiba a cidade responder com estruturas
e iniciativas em que aqueles se revejam e se empenhem.
Para o país, na medida em que seja possível
assegurar um contributo decisivo para a renovação
de uma cinematografia que, há demasiadas décadas,
reconhece um preocupante divórcio entre as suas
obras e o público.
Do ponto de vista do ensino, conseguir cumprir tais expectativas
implica dotar a academia de indispensáveis recursos
técnicos e humanos que assegure aos alunos, quer
a consolidação de uma cultura cinematográfica
quer a experimentação criativa quer o aprofundamento
das faculdades críticas e teóricas –
investimento que, para a comunidade, deve ter o devido
retorno e repercussão através da prestação
de serviços diversos à comunidade.
Mas, sabemo-lo bem e cada vez mais, o ensino formal é
apenas uma das partes da formação pessoal
dos alunos. Paralelamente à formação
académica convencional, importa incrementar a exibição
cinematográfica. Por estes dias, realiza-se o 2º
Festival de Cinema da Covilhã, iniciativa meritória,
indubitavelmente, à qual se pode apenas desejar
a consolidação do evento e do conceito.
A juntar a esta iniciativa há que referir o Imago
e o Novidad, acontecimentos de modelo, envergadura e ambição
diferentes, mas inegavelmente necessárias. Desnecessário
se torna sublinhar a importância destas iniciativas.
Mas, como tem sido fácil notar, torna-se indispensável
o reavivar de uma exibição regular de qualidade
que permita o contacto com as mais diversas cinematografias
e, de algum modo, faça justiça à
notável tradição cineclubística
da cidade. Neste aspecto, uma palavra importante cabe
às diversas instituições locais e
ao apoio e investimento – consciencioso, mas imprescindível
– que inevitavelmente devem assumir. Todos sabemos
que uma oferta cultural estimulante é fulcral para
exponenciar sensibilidades e ideias, no fundo para assegurar
inventividade e inovação. É pela
relevância e adesão às práticas
culturais que melhor se pode avaliar o capital de conhecimento
existente numa comunidade. Estrategicamente, nunca é
demais reforçar a necessidade de políticas
culturais devidamente reflectidas, planeadas e abrangentes
– e nesse aspecto não é abusivo afirmar
que a Covilhã se apresenta nitidamente deficitária.
Estimular a crítica e a inovação
é a única estratégia conducente à
formação de pessoas capazes de pensar e
produzir obras de relevo e oferecer o contributo decisivo
atrás enunciado para a renovação
do cinema português. Se pensarmos especificamente
na Universidade da Beira Interior, não é
necessária uma perspicácia desmedida para
identificarmos uma situação de privilégio.
A saber: a existência de um conjunto de licenciaturas
com forte propensão artística, das áreas
do design e do audiovisual, atentos àquilo que
são as mais relevantes e pertinentes tendências
da comunicação artística e mediática
contemporâneas, capazes de mutuamente se influenciar
e enriquecer. Quer isto dizer que estão reunidas
as condições para a existência de
uma verdadeira cultura da inovação e da
criatividade num sector – o de conteúdos
– que cada vez mais tende a fundir dois conceitos
nem sempre facilmente conciliáveis: o mercado e
a cultura. E é essa atenção ao mercado
que – ainda que resistindo cuidadosamente ao exagerado
e pernicioso mercantilismo – deve ser também
repensada. No fundo, trata-se de reconhecer que o saber
deve estar consciente do seu território e das suas
incumbências, mas também das suas consequências
e implicações na sociedade que o promove
e o reivindica.
Em jeito de conclusão importa então enlaçar
as linhas sobre as quais eventualmente se deve pautar
a relação futura entre o cinema e a Covilhã:
consolidar as estruturas e os recursos indispensáveis
a uma formação académica adequada
e diversamente orientada; incrementar a exibição
cinematográfica de modo a assegurar a densidade
histórica da cultura cinematográfica e estimular
a lucidez e profundidade crítica quer dos estudantes
quer dos cidadãos em geral; criar condições
para a concepção, planificação
e produção de obras que projectem a nível
regional, nacional e internacional competências
reconhecidas.
* Docente no Departamento de Comunicação
e Artes
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