José Geraldes
|
Ditadura
do vazio e da mediocridade
Vivemos uma época
que o filósofo francês Gilles Lipovestsky
caracterizou, com muita propriedade, em título
de um livro de significado histórico: A Era do
Vazio. As tendências deste tempo são bem
expressas numa síntese do próprio filósofo:
“Já nenhuma ideologia política é
capaz de inflamar as multidões, a sociedade pós-moderna
já não tem ídolos nem tabus, já
não possui qualquer imagem gloriosa de si própria
ou projecto histórico mobilizador. Doravante é
o vazio que nos governa, um vazio sem trágico nem
apocalipse”. O diagnóstico parece pessimista
mas traduz uma realidade inquestionável.
Mesmo no âmbito religioso o panorama apresenta sinais
semelhantes. Sem cairmos numa análise radical,
há por aí muitos sintomas para quem a religião
é apenas um hábito sociológico em
vez de uma opção de fé vivida com
empenhamento de missão. Muita religiosidade que
se manifesta, não se coaduna com os princípios
evangélicos. Pratica-se a religião conforme
o que convém no momento imediato.
Vêem-se cristãos a viver com critérios
do mais refinado paganismo construindo uma moral de conveniência.
Os cultos esotéricos medram por todo o lado a tentar
ocupar o vazio da vida.
O cardeal Ratzinger antes de ser eleito papa, exactamente
na homilia da missa do início do Conclave, descreveu
com mão de mestre, toda esta situação.
Assim: “Quantos ventos de doutrina conhecemos nestas
últimas décadas, quantas correntes ideológicas,
quantas modas de pensamento. A pequena barca do pensamento
de muitos cristãos ficou, com frequência,
agitada pelas ondas levadas de um extremo a outro: do
marxismo ao liberalismo, até ao libertinismo. Do
colectivismo ao individualismo radical. Do ateísmo
a um vago misticismo religioso. Do agnosticismo a um vago
ao sincretismo. Cada dia nascem novas seitas e se realiza
o que diz S. Paulo sobre o engano dos homens, sobre a
astúcia que tende a induzir em erro.
Ter uma fé clara, segundo o credo da Igreja, é
etiquetado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo,
ou seja, o deixar-se levar “guiados por qualquer
vento de doutrina”, parece ser a única atitude
que está na moda. Vai-se construindo uma ditadura
do relativismo que não reconhece nada como definitivo
e que só deixa como última medida o próprio
eu e as sua vontades”.
Como também já referia o filósofo
francês, o individualismo arma-se em campeão
de arrogância inaudita. Mas o futuro Bento XVI traço
a caminho : “ Nós temos outra medida : a
do Filho de Deus, o verdadeiro homem. Ele é a medida
do verdadeiro humanismo”.
A expressão “ditadura do relativismo”
teve uma grande exposição mediática
e causou muitos engulhos aos que tinham como norma de
culto o politicamente correcto. E atingiu em cheio os
comodistas dos tempos modernos que navegam ao sabor das
ondas, ou seja das modas. E para quem a mediocridade comanda
a sua maneira de estar na vida.
Todos nos damos conta de que, no Ocidente, em sectores
cruciais como por exemplo na educação, na
política, na economia e nas ciências da vida,
se verifica uma sementeira de relativismo.
Há princípios perenes que balizam a existência
humana. Por isso, importa clarificar que Bento XVI ao
falar da ditadura do relativismo não o faz baseado
na religiosidade mas no consenso comum de que a sociedade
não pode viver sem valores universais que são
património da humanidade.
Este mal vem já da Antiguidade. Os sofistas gregos
não queriam saber da verdade. No séc. XVII,
filósofos advogavam que a moral não tinha
quaisquer fundamentos.
A denúncia da ditadura do relativismo é
um serviço prestado à dignidade humana e
aos valores que a integram.
|