António Fidalgo
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Da falta de
dinheiro
A necessidade aguça o
engenho ou quem não tem cão caça
com gato. Convém lembrar estes aforismos agora
que Portugal se debate com um défice orçamental
superior ao dobro permitido pela Comissão Europeia.
Até porque quem não tem dinheiro não
tem vícios. Ora o Estado português encheu-se
de vícios, não raras vezes gastando mal,
e mesmo esbanjando, o que recebia de ajudas comunitárias.
O emagrecimento compulsivo do Estado será então
um benefício decorrente da falta de dinheiro.
É claro como água que muitas despesas públicas
não se justificam. Os estádios de futebol
que serviram para dois ou três jogos no Campeonato
Europeu de futebol do ano passado e que agora estão
às moscas são um exemplo crasso de como
se esbanjaram dinheiros. As verbas astronómicas
gastas na agricultura e na formação profissional
são outros casos ilustrativos de como em Portugal
houve dinheiro muito mal gasto nos últimos anos.
Pois bem, a falta de dinheiro é uma solução
radical mas que funciona inevitavelmente. Assim, em vez
do lamento crónico de que não há
dinheiro, encare-se a situação como uma
oportunidade para eliminar o que é supérfluo,
para cortar nas despesas inúteis de pompa e circunstância,
para gastar com critério, com conta e medida.
O ensino não foge à regra das despesas onde
também se gastou muito mal em Portugal. Sem prejuízo
das coisas bem feitas nas últimas duas décadas,
que importa referir e de que nos devemos orgulhar, nomeadamente
uma rede completa do ensino pré-primário
ao ensino superior, cobrindo todo o país, há
que reconhecer o quanto se desperdiçou em imóveis,
equipamentos e cursos supérfluos. Há salas
de aula com taxas de frequência baixíssimas,
há laboratórios e equipamentos que mal chegaram
a ser utilizados e que passados poucos anos se tornaram
obsoletos sem que ninguém tivesse trabalhado neles,
há máquinas que eram o último grito
da tecnologia quando foram adquiridas e que depois nunca
chegaram a funcionar. O mal é que havia dinheiro
a mais e que era preciso gastá-lo, tanto melhor
quanto mais facilmente se gastasse e quanto mais enchesse
o olho.
No caso das roupas há um critério muito
simples e muito útil para saber se a sua compra
valeu a pena: é dividir o seu preço pelo
número de vezes que as vestimos. Uma peça
de roupa barata ficará muito cara se apenas for
vestida uma vez, ao passo que uma mais cara na aquisição
ficará no fim muito mais barata se for usada muito
frequentemente. Verificamos que vale mais ter bom e pouco,
do que muito e mau. Com as devidas modificações
o mesmo critério pode ser aplicado às estruturas
e equipamentos pagos pelo Estado. Muito mais importante
do que ter muito é usar muito o que se tem. É
uma regra simples que importa consciencializar. Se a consciência
não chegar a tanto para a cumprir, então
que a falta de dinheiro a imponha.
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