Carlos Cabrita*
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Força,
Juventude
Em Janeiro do corrente
ano, a editora Relógio de Água resolveu,
em boa hora, publicar a obra do conceituado filósofo
e sociólogo José Gil, “Portugal Hoje.
O Medo de Existir”, que se tem revelado um enorme
sucesso, actualmente na sua 5ª edição,
e cuja leitura aconselhamos vivamente. Este pensador,
que utiliza uma escrita bastante densa e criativa recorrendo
a um vocabulário extremamente rico e variado, fruto
da sua elevada estatura intelectual, conseguiu, como ninguém,
através deste pequeno livro quase de bolso, registar
em linguagem escrita o estado da alma deste país.
Para que meditemos sobre esse estado, aqui ficam algumas
passagens, que consideramos bastante significativas:
“«É a vida.» Esta frase com que
o apresentador da RTP termina amiúde o Jornal da
Noite dá o tema do ambiente mental em que vivemos.”
“Em Portugal nada acontece, «não há
drama, tudo é intriga e trama», escreveu
alguém num graffiti ao longo da parede de uma escadaria
de Santa Catarina que desce para o elevador da Bica.”
“É o que explica ao mesmo tempo a esperteza
e a estupidez propriamente lusitanas, a coexistência
do chico esperto e do burgesso (muito próximos
um do outro como dois extremos que se tocam e quase se
confundem) como o mostram bem as expressões populares
«carapau de corrida» ou «esperteza saloia».”
“Trinta anos depois do estabelecimento da democracia,
como funciona o espaço público em Portugal?
A constatação imediata é a de que
não existe.” “Em Portugal, o nível
de conhecimento geral é extremamente baixo. As
razões, mais uma vez, são múltiplas,
das quais destacamos a falta de uma comunidade científica
que se imponha à comunidade em geral. O eco dos
trabalhos académicos não ultrapassa os círculos
especializados, não existindo planos mediadores
que levem esses conhecimentos até ao homem comum.”
“O português revê-se no pequeno, vive
no pequeno, abriga-se e reconforta-se no pequeno: pequenos
prazeres, pequenos amores, pequenas viagens, pequenas
ideias…” “Não operámos
nem revoluções radicais na educação
(condição primeira do desenvolvimento),
nem criámos planos de reorganização
da economia, da administração, de reforma
fiscal, de investigação científica
ou da saúde. Perdemos – estamos a perder
– uma oportunidade única. E o nosso frágil
tecido económico esboroa-se dia após dia.
Portugal arrisca-se a desaparecer.” “Um escritor
italiano que conhece muito bem Portugal dizia há
uns anos: «uma estranha semiótica rege este
país. Um português pergunta a outro: ”Aonde
vais este fim-de-semana?” O outro responde: “Fico
por aí…”» «Por aqui»,
«por aí» designam lugares indeterminados,
trajectos aleatórios, sem direcção
nem fronteiras…” “O medo do rival, do
colega, dos outros candidatos ao mesmo lugar, à
carreira, ao emprego, quer dizer, o medo de todos os outros.”
“Eis porque as avaliações –
e quer-se agora tudo avaliar: as escolas, as universidades,
as empresas, os hospitais, as rentabilidades de toda a
espécie – não vão transformar
a sociedade portuguesa. Longe de lhe insuflar força
anímica, retiram-lhe energia, envergonham-na sem
a estimular.” “Num tal sistema, em que a não-acção
é a regra, não se imagina um Estado e uma
administração sem burocracia. Porque esta
constitui o melhor meio de adiamento e paralização
da acção.”
Muitos outros casos existem, no quotidiano diário
da nossa sociedade, que ilustram bem as atitudes não
só de medo, mas também de esperteza saloia
e de burgessismo. Eis alguns exemplos emblemáticos:
O medo de ter medo, que inibe totalmente a mínima
ideia que se possa ter em arriscar seja o que for. O modo
como se cumprimenta em Portugal: «Como estás?»
«Cá se vai andando, com a graça de
Deus, o que é preciso é ter saúde,
o resto logo se verá» – esta postura
denota uma completa ausência de objectivos no horizonte
temporal da existência, como se durante toda a vida
a única atitude viável consista no arrastamento
de uma cruz sobre as costas, que tolhe toda e qualquer
acção. O comportamento fraticida dos condutores,
que transformam as nossas estradas em campos de batalha
de uma guerra civil, quando deveriam ser um espaço
de convívio cívico. A condução
nas rotundas, em que a utilização dos “piscas”
é letra morta. A fuga sistemática às
multas de trânsito e ao dever societal de pagamento
de impostos, com a habitual gabarolice de que quem cumpre
é “tanso” (em nações
como o Reino Unido e a Suécia, os próprios
monarcas já viram as suas cartas de condução
cassadas – imagine-se, nós por cá,
se o agente da GNR do posto de Alguidares do Sol Posto
tivesse a ousadia de autuar o seu presidente de câmara,
por condução perigosa ou excesso de álcool…).
Não investir nem tomar iniciativas, aguardando
que sejam as forças divinas a fazê-lo. Levar
uma existência modesta, sem usufruir do que quer
que seja, e, ao mesmo tempo, aferrolhar bens materiais
e dinheiro para deixar em herança aos descendentes.
O bairrismo bacoco que não tem em consideração
o desenvolvimento regional sustentado – veja-se
o que tem vindo a suceder com o TGV. Atirar objectos da
janela da viatura ou do comboio para a via pública.
Levar o cãozinho a passear e sorrir, de forma imbecil,
porque o vizinho pisou os respectivos dejectos e ficou
com os pneus da sua viatura bem regados. O espertalhão
que chega ao fim da fila na repartição pública
e que salta imediatamente para o primeiro lugar, argumentando
que carece apenas de uma simples informação.
O carapau de corrida que, ao manobrar no estacionamento
amolga o carro mais próximo, olha para todas as
direcções, não vê ninguém,
e retira-se imediatamente com o sentimento na alma de
que é um herói, pois conseguiu escapar sem
ser visto. O endividamento familiar (que se está
a transformar em instituição nacional),
devido sobretudo à compra de automóveis
de alta cilindrada que se não podem pagar, somente
para mostrar ao vizinho como se vive “na maior e
à grande”. Criticar tudo e todos porque nada
se faz, todavia quando alguém quer fazer imediatamente
criticam dizendo que não é ainda a altura
oportuna. A inveja e a maledicência – é
um mal que nos afecta, infelizmente, desde tempos imemoriais;
o rei Filipe I, há cinco séculos atrás,
deixou escrito: «estranha coisa esta que afecta
este povo, a quem dói mais o bem alheio que o mal
próprio.»
Negar ou ignorar estas posturas comportamentais seria
adoptar a atitude da avestruz, que bem conhecemos, e fugir
completamente à sua irradicação.
O fundamental, para que possamos ombrear lado a lado com
as sociedades mais desenvolvidas, é acabar com
essas atitudes, competindo sobretudo às novas gerações
fazê-lo, gerações em quem deposito
grandes esperanças devido, e perdoem-me a falsa
modéstia, a possuir um espírito jovem e
totalmente aberto à mudança, apesar dos
meus 54 anos de idade. Contudo, não tenhamos dúvidas,
tudo deverá ter início em casa e na própria
escola pré-primária, daí que o nosso
sistema educativo deva ser radicalmente alterado. A educação,
a cultura, a inovação e a ciência
representam a base moral de uma nação, e
são os pilares essenciais onde assentam o seu desenvolvimento
sustentado.
Por tudo isto, termino com uma mensagem de alento: Força,
juventude, vamos acabar de vez com estes estados de alma.
Não tenham medos nem receios, não se acomodem,
sejam empreendedores, porque o futuro é vosso e
serão vocês a fazê-lo. Sabem que podem
contar com “velhos” como eu, de espírito
universalista e mente aberta, e com o olhar direccionado
para o horizonte do futuro – estaremos convosco,
ao vosso lado, na primeira linha da mudança. Bem
Hajam e Boa Sorte.
*Professor Catedrático e Presidente da
UCP de Ciências de Engenharia
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