Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves




"Há um grande défice de educação cívica"

Urbi et Orbi - De que forma se tem trabalhado para que a biblioteca seja um ponto de referência para docentes, alunos e comunidade em geral?
Joana Dias -
Esse trabalho tem evoluído de várias formas. Por um lado, foram criados vários objectivos, cujas metas têm de ser alcançadas. Por outro lado, trabalhamos na base das sugestões que nos chegam através de alunos e docentes. Para que todos esses objectivos possam ser alcançados há muitas pessoas envolvidas. Costumo dizer que há muito trabalho feito neste piso escondido (menos 2) que permite que as coisas lá em cima funcionem. A nossa função passa, essencialmente, por melhorar os serviços e responder às necessidades de quem aqui vem.

U@O - Quais são as áreas em que mais se tem investido?
J. D. -
Sem qualquer sombra de dúvida, tem-se investido em novos livros. Apostamos também em coisas diferentes, como a formação dos utilizadores de software e outros.
Iniciativas que dão muito trabalho, porque estamos a enfrentar rotinas e para mudá-las, temos de introduzir novas funções. Neste momento estamos a preparar o novo software para que todos os serviços bibliotecários fiquem informatizados. Esta aposta requer um trabalho de base bastante demorado e continuado.

U@O - Há ainda muitas lacunas no que diz respeito à informática. Comparando com outras universidades o software existente deixa muito a desejar. Para quando uma biblioteca, com os seus serviços totalmente informatizados e com os seus conteúdos disponíveis on-line?
J. D. -
Essa é uma situação que vai ter novidades, vai ficar desbloqueada dentro de dois ou três meses. Até agora existiu um conjunto enorme de situações que têm vindo a adiar a implementação de um programa informático nas operações bibliotecárias da UBI. Está a ser preparado um software específico, mas que agora, por ter ficado centralizado numa só pessoa, ainda não está concluído e pronto a funcionar.




"Sem qualquer sombra de dúvida, tem-se investido em novos livros"


U@O - Mas ao que é que vamos assistir, em concreto?
J. D. -
Vamos passar uma fase muito complicada. Isto porque, o novo sistema de requisição de livros vai ser feito através de um código de barras que será colocado em todos os livros. Neste momento existem livros que já têm esse código, outros ainda não. Daí que vá existir uma fase em que vão estar os dois processos de requisição e consulta de livros, a funcionar em simultâneo. Vai ser complicado e, sobretudo, vai ser precisa paciência dos dois lados, tanto dos bibliotecários, como dos utilizadores deste espaço. Relativamente à utilização do software, vamos disponibilizar aulas de formação para que os alunos possam aprender a retirar todo o potencial do próprio programa.

U@O - Em várias bibliotecas universitárias portuguesas e não só os alunos têm já a possibilidade de aceder a publicações on-line ou então requisitarem os títulos que desejam através da Internet. A Biblioteca da UBI está a pensar em adoptar também este tipo de sistema?
J. D. -
Este novo sistema vai dotar os utilizadores de um cartão ao qual está associada uma password própria para entrar nos nossos serviços. Uma vez dentro do sistema, os alunos vão poder pesquisar os títulos existentes, ver sua disponibilidade, requisitá-los e renovar essa mesma requisição. Para além da normal consulta de artigos e revistas on-line. Este programa vai tornar o processo de requisição mais simples e eficaz. Os responsáveis podem saber os livros que estão requisitados, tal como os alunos, mas também, ver se para um determinado título existe uma lista de espera grande ou não. Outra das grandes vantagens deste mesmo programa é ter a possibilidade de penalizar os utilizadores que mais ultrapassam o tempo de requisição permitido para os livros. Sempre que este é excedido, o aluno é penalizado e alertado de imediato.

U@O - O livro de reclamações é muito utilizado ou nem por isso?
J. D. -
Existem queixas de todos os tipos e “para todos os gostos”. Lembro-me que a última reclamação escrita no livro para o efeito é de um aluno de mestrado, a quem os funcionários da biblioteca pediram para devolver um livro com 20 dias de atraso e ele não gostou.



"Existem queixas de todos os tipos e “para todos os gostos"

"Este programa vai tornar o processo de requisição mais simples e eficaz"

U@O - Qual a reclamação ou sugestão que mais se repete?
J. D. -
Nomeadamente duas. Por um lado, o utilizador tem uma ideia que é a seguinte, paga propinas logo quer, pode e manda. Mas, o pagar propinas não descompromete ninguém das suas obrigações.
Nas sugestões temos o problema do barulho. Esse é um ponto que parece ser consensual. Diz-se muito que se deve reduzir o barulho. Eu penso que o barulho na biblioteca já foi pior. Não se deve esquecer aqui um factor muito importante que é o da educação cívica. As pessoas começam agora a entender o que é e para que é aquele espaço. A solução deste problema passa por um esforço repartido entre aluno, professor e funcionário.
Outra das reclamações/sugestões prende-se com o horário. O período de funcionamento da biblioteca é sempre pouco. Os alunos querem a biblioteca aberta durante mais tempo. Este tipo de pedidos tem incidência na época de exames. Compreendo que nessas alturas os alunos estejam mais interessados em estudar, mas esquecem-se que a biblioteca e o estudo em geral estiveram no mesmo local durante todo o semestre, entre as 9 e as 23 horas. Nós temos obrigações, é um facto, mas os alunos também as têm e não podem ser os serviços técnicos, os responsáveis por aquilo que um aluno fez ou não durante um ano inteiro.

U@O - Em relação ao horário de funcionamento não vai haver alterações?
J. D. -
Acho difícil, pelo menos neste momento. Encontrar recursos humanos para cumprirem esse mesmo alargamento é complicado. O Estado tem vindo a cortar nas despesas, nos recursos humanos e no material técnico e as pessoas que estão, também já têm a sua vida estruturada de uma determinada forma que não comporta estarem a trabalhar fora de certos horários. Esta estrutura, como todas as outras, tem custos de manutenção, de limpeza e de conservação. Despesas que se agravam consoante o alargamento do horário de funcionamento.

U@O - Ainda em relação ao ruído, não se coloca a possibilidade de separar os computadores das salas de leitura e consulta bibliográfica?
J. D. -
Eu sei que é essa a ideia que as pessoas têm, mas de uma maneira geral, o que provoca mais ruído são os sofás onde as pessoas se sentam em grupo e falam como se estivessem no café. Para além disso, julgo que existe um grande défice de educação cívica. Isto porque neste caso, quando é pedido às pessoas para se deslocarem ao bar ou coisa parecida, elas ficam muito ofendidas. Geralmente, as pessoas que estão nos computadores estão isoladas, ou então, em grupos de duas pessoas. Se o conjunto de alunos é maior, como é o caso dos estudantes das áreas de ciências, com a acústica do próprio edifício, o barulho torna-se incómodo.




"O utilizador tem uma ideia que é a seguinte, paga propinas logo quer, pode e manda"

U@O - A resolução do problema passa então por uma maior educação cívica?
J. D. -
E por uma maior frequência, ao longo da vida, de espaços como a biblioteca. Fico chocada ao constatar que grande parte dos alunos da UBI se torna utilizador da biblioteca no último ano do curso. A percentagem deste tipo de utilizadores é muito elevada.

U@O - A Biblioteca está também aberta à comunidade exterior à universidade, como tem sido a adesão das pessoas a este espaço?
J. D. -
Quem vem à Biblioteca da UBI, do exterior, são antigos alunos ou pessoas que querem ter acesso à Internet e não conseguem a partir da sua casa ou do seu local de trabalho. Neste ponto há que frisar um aspecto importante. Os utilizadores das bibliotecas públicas, do circuito normal, procuram uma leitura mais virada para o lazer, nós aqui na UBI, temos uma leitura para o saber. Há ainda uma outra barreira que se prende com o facto das pessoas olharem para a Universidade como um local privado, onde só podem entrar os alunos. Mas é claro que abrimos as portas, com muito gosto, a toda a gente.

U@O - Para além de livros existem também jornais e revistas. Há alguma atenção especial destinada a estes títulos?
J. D. -
São um sorvedouro enorme de dinheiro (risos) … O que acontece é que nós trabalhamos com diversas revistas, jornais e publicações técnicas e especializadas. De há algum tempo a esta parte, o preço das revistas subiu na ordem dos 30 por cento. As bibliotecas, e não só, referiram que os editores não podem estar a subir os preços de forma permanente. No circuito nacional começaram a aparecer consórcios como a “B-On” para fazer face às despesas que as instituições têm, de forma isolada, e devido às quais não conseguem acompanhar o número desejado de publicações e o crescimento abrupto dos editores.



"Fico chocada ao constatar que grande parte dos alunos da UBI se torna utilizador da biblioteca no último ano do curso"

"Quem vem à Biblioteca da UBI, do exterior, são antigos alunos ou pessoas que querem ter acesso à Internet"

U@O - Está acessível, há já algum tempo, o portal que permite a pesquisa simultânea a 3500 revistas científicas de seis editoras (Elsevier, Wiley, Sage, Kluwer, Springer, IEEE). Qual tem sido o feedback que têm recebido a este respeito.
J. D. -
Quando começaram a aparecer estas ferramentas e a ser dado um maior destaque noticioso e publicitário às mesmas, a utilização e o feedback eram bons, depois decresceram. Penso que são recursos que pela sua natureza requerem uma utilização em crescendo, assim como um melhoramento, sobretudo ao nível do software de pesquisa. Mas julgo que depois das pessoas estarem adaptadas, a adesão vai ser boa. Isso viu-se nas formações que nós promovemos no semestre passado. O número de participantes foi sempre crescendo, o que mostra o interesse por este tipo de ferramentas e pela utilização das novas tecnologias.

U@O - Tem existido alguma preocupação especial com a profissionalização dos quadros técnicos da Biblioteca?
J. D. -
Há uma preocupação em manter os funcionários motivados e interessados. A formação tem desempenhado, também aqui, um papel importante. Contudo há que ressalvar que existem diversas rotinas. E não é num curto espaço de tempo que se mudam rotinas de 20 anos. A rapidez com que agora introduzem um livro não vai ser mesma quando essa acção for feita recorrendo a um programa informático. Será depois de algum tempo.

U@O – Como define o conceito de “aluno universitário”?
J. D. -
Pessoas jovens e muito irreverentes. Qualidades que os fazem bastante reivindicativos, o que é bom. Mas devo acrescentar que os vejo, de um modo geral, como pouco razoáveis nas críticas que fazem. No caso do software e da informatização da Biblioteca Central da UBI, são coisas que ainda não estão a funcionar, não porque as pessoas não querem, mas sim porque são coisas que demoram a fazer, levam o seu tempo a estar concluídas e prontas a utilizar. Na vida real não há varinhas de condão. É preciso trabalhar para que as coisas aconteçam.

U@O - Em termos gerais, pode dizer-se que a Biblioteca da UBI acompanha as necessidades dos docentes e alunos?
J. D. -
Posso dizer que sim, mas há ainda muito por fazer. Aqui entra a história das minorias que não podem ser ditaduras das maiorias. A maioria dos alunos faz barulho, mas é uma minoria que reclama. Temos de saber olhar para o todo e ver se as reclamações são legítimas ou não. Mas de uma maneira geral, estou convicta de que a biblioteca desempenha as suas funções. Também estamos atentos aos problemas do Ernesto Cruz, onde as estruturas são manifestamente escassas. Costumo brincar com o senhor reitor sobre o assunto dizendo-lhe que aquele espaço já rebentou. Claro que estas situações estão a ser tratadas. Como o caso do novo pólo da Universidade, onde vai ser instalada a Faculdade de Medicina, para onde temos projectado um espaço que servirá de biblioteca.





Perfil



Joana Dias nasceu no Fundão onde viveu e estudou até ingressar na Universidade em Lisboa onde se licenciou em História. “Nunca fui boa aluna, fui sempre uma daquelas alunas cábulas”, conta. No final da licenciatura tirou uma especialização na Faculdade de Letras de Universidade Nova de Lisboa. Foi na capital que começou a trabalhar, mas ainda antes de chegar à Covilhã, passou por Castro Verde. “A minha vinda para a UBI é simples de explicar”, refere Joana Dias. A bibliotecária sentia necessidade de voltar para a zona de onde era originária e o queria mesmo era regressar ao Fundão. Mas na sua área não havia grandes perspectivas até porque a Biblioteca Municipal ainda nem sequer funcionava em pleno e não estava nos planos dos responsáveis contratar técnicos especializados. “Continuei em Castro Verde, localidade onde gostei de trabalhar, mas na qual sufocava. Era uma terra com cerca de 4 mil habitantes, é muito complicado viver lá, pelo menos para uma pessoa como eu”, acrescenta.
A oportunidade de vir para a UBI chegou finalmente e Joana Dias começou o seu trabalho nesta instituição a 1 de Junho de 1999, “um dia de imensa trovoada”, recorda.
Nessa altura ainda funcionava a biblioteca antiga, onde hoje esta localizado o Centro de Recursos de Ensino e Aprendizagem (CREA).
Nos tempos livres, a responsável pelos Serviços de Documentação da Biblioteca da UBI, que se define como “solteira convicta”, gosta de andar a pé, de sair, “não importa para onde, sair sem destino, mas sair”. Como não podia deixar de ser gosta muito de ler. Foram várias as obras que a marcaram ao longo da vida, como “A lã e a neve”, de Ferreira de Castro, “que li pouco antes de vir trabalhar para a Covilhã. Este livro, em especial, encerra em si, ainda que de uma maneira muito discreta, as lutas laborais e tudo o que gira em torno dos lanifícios da Covilhã”. Joana Dias aprecia ainda autores como Eça de Queiroz e Gabriel Garcia Marquez. “Em casa, os livros estão empilhados, nada de catalogação. Apenas uma separação entre os que já li e os que ainda estão por ler”, diz entre alguns risos.
Joana Dias confidencia ainda que no fundo a sua perdição são os museus. “Sou uma apaixonada pela cultura dos museus e das exposições. Percorro tudo o que é museu. Gosto muito de ir ver as coisas que estão preservadas”.