José Geraldes

Bento XVI, o continuador


O velho provérbio romano – quem entra papa no conclave, sai cardeal – desta vez não funcionou. O cardeal Joseph Ratzinger era considerado um dos candidatos fortes e foi eleito, escolhendo o nome de Bento XVI.
O facto de terem sido apenas necessárias quatro votações mostra claramente que o seu nome era consensual entre os cardeais, dado serem exigidos dois terços dos votos.
Para esta eleição, bastaram dois dias. Paulo VI também foi eleito em dois dias e João XXIII e João Paulo II em três dias.
Comentadores, editorialistas e analistas fizeram muitas previsões citando candidatos na suposição de que, na era mediática, os cardeais se deixariam influenciar. Puro engano.
Se bem que se trata de uma eleição em que o humano está presente, houve o esquecimento de que a eleição de um papa escapa à lógica dos partidos políticos e às suas moções de estratégia. E aos interesses dos países.
A lógica de Deus que inspira os cardeais, baralha todas as previsões e escolhas antecipadas. Daí as surpresas dos conclaves. Recorde-se a eleição de João Paulo II que ninguém, de forma nenhuma, esperava.
Agora, de novo, um não italiano vai ocupar a cátedra de Pedro. Os 78 anos não têm importância, pois como o próprio Ratzinguer, há pouco tempo, declarou, “a juventude não é uma questão de idade”.
Muito menos se pode dizer taxativamente que Bento XVI será um “papa de transição”. Veja-se que João XXIII foi eleito aos 77 anos. Também na altura se considerou que os cardeais tinham optado por escolher um “papa de transição”. Depois viu-se a revolução que o bom papa João operou na Igreja ao convocar, para surpresa de todo o mundo, o concílio Vaticano II.
Não há, pois, papas de transição, pois cada papa tem a sua forma específica de se afirmar, o que a história comprova abundantemente.
Bento XVI vai deixar imprimir a sua marca própria no pontificado. Os papas não se copiam uns aos outros embora muitas vezes sejam complementares. Nem se comparam, pois cada um deixa o seu legado específico.
As primeiras palavras de Bento XVI fazem-nos crer que será um papa de continuidade. Depois de invocar João Paulo II como “grande”, apresenta-se modestamente como “um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor”. Aliás, a sua humildade é sublinhada por todos os que o conheceram, ele cuja inteligência e brilho juntava centenas de estudantes nas universidades onde ensinou.
A sua primeira mensagem que é um programa do pontificado, tem como inspirador João Paulo II. Dirigindo-se aos cardeais na missa final do conclave, diz : “Parece-me sentir a sua mão forte a apertar a minha. Parece-me ver os seus olhos sorridentes e ouvir as suas palavras dirigidas a mim neste momento : “Não tenhas medo”. Depois vem o querer governar a Igreja “ com a constante, activa e sábia colaboração” dos cardeais e o “conselho” dos bispos de todo o mundo”.
O concílio Vaticano II surge como a bússola do seu pontificado, á semelhança do seu Predecessor. Concílio em que Joseph Ratzinguer, então, jovem teólogo de 35 anos, colaborou activamente sobretudo na Constituição sobre a Igreja e no famoso Esquema XXIII, sobre a presença da Igreja no mundo contemporâneo. Referindo que João Paulo II “deixa uma Igreja mais corajosa, mais livre, mais jovem”, assume o compromisso de seguir o Vaticano II, com as mesmas linhas de força.
Aos jovens, “futuro e esperança da Igreja e da humanidade” promete encontro em Colónia na Jornada Mundial da Juventude.
O diálogo inter-religioso vai ser prosseguido com o “necessário debate teológico”. E tendo como pano de fundo “a purificação da memória”. Bento XVI considera este diálogo uma “causa fundamental”.
A procura da paz tornar-se-á “ a consciência da missão”. Em “diálogo aberto e sincero” “com os que seguem outras religiões ou que simplesmente procuram uma resposta às perguntas fundamentais da existência e ainda a não encontraram”.
A “cooperação para um autêntico desenvolvimento social que respeite a dignidade de cada ser humano” aparece como uma das suas prioridades.
Nesta primeira mensagem, não há ímpeto centralizador. A colegialidade e o estar à escuta do mundo constituem linhas centrais de actuação. Os direitos do homem e as preocupações sociais estão de mãos dadas. A paz é elemento mobilizador.
A fé comanda a sucessão dos papas. Na fé, a Igreja cresce e comunica. Bento XVI quer continuar a herança de João Paulo II. As causas continuam a ser as mesmas, abordadas a sem modo.
Bento XVI já começou a surpreender.