João Canavilhas
|
Silêncio
ensurdecedor
O Governo de José Sócrates
cumpre hoje o seu primeiro mês de mandato. Com um
período de governação tão
curto, os socialistas vivem ainda em estado de graça,
situação para a qual concorrem dois factores:
a trégua inicial que a imprensa concede aos novos
governantes e a ocorrência de várias situações,
como a morte do Papa ou a corrida à liderança
do PSD.
De acordo com a imprensa, durante este tempo o Governo
limitou-se a estudar alguns processos em curso, a alterar
várias decisões do anterior elenco e a apresentar
meia-dúzia de medidas com grande impacto mediático,
como a liberalização da venda de alguns
medicamentos. Ou seja, aparentemente não aconteceu
nada de especial.
Mas será que a actividade deste Governo se resumiu
a estas acções meramente mediáticas?
Não acredito. Ministros, secretários de
Estado e directores-gerais têm certamente trabalhado
no sentido de pôr em prática as promessas
eleitorais socialistas. No entanto, tal como aconteceu
na formação do Governo, a informação
não está a chegar aos meios de comunicação
social. E esta é, quanto a mim, a marca distintiva
deste Governo. Na noite das eleições, António
Vitorino avisou que o relacionamento com a imprensa ia
mudar o que, até ao momento, se confirma.
No curto prazo, esta opção pode beneficiar
o Governo, defendendo-o de alguma agressividade mediática,
mas no longo prazo a estratégia deixará
de fazer sentido. É preciso não esquecer
que a imprensa está a dar uma folga ao Governo,
limitando-se a esperar que a informação
oficial lhe chegue. Até porque nesta fase inicial
chegam-lhes relatos de erros imputados ao anterior Governo
e isso serve os propósitos da imprensa. Mas a fonte
vai secar e a imprensa não pode ficar dependente
daquilo que os assessores de comunicação
deixam sair a conta-gotas. O controlo da informação
é uma boa estratégia, mas a partir de certo
ponto torna-se contraproducente.
Veja-se o caso da Igreja: Depois de muitos séculos
de desconfiança, a Igreja abriu-se à comunicação
social como forma de solucionar a dificuldade de conseguir
fazer chegar a mensagem a fiéis cada vez mais habituados
à comunicação mediatizada. E os resultados
estão à vista: o sucesso do papado de João
Paulo II assenta na sua mensagem, mas também na
forma como essa mensagem foi mediatizada. O Papa peregrino
foi também o Papa mais mediático de sempre,
com os últimos dias da sua vida a tocarem profundamente
as pessoas, independentemente da sua religião.
A sua última aparição pública
ficou marcada por um silêncio ensurdecedor e a mediatização
da sua agonia e morte criaram um novo ícone mundial.
Porém, esta máquina informativa que cria
ícones é igualmente capaz de trucidar personalidades
e os políticos sabem-no bem.
O último Governo social-democrata é um exemplo
disso mesmo e os socialistas estão avisados. Refugiado
no silêncio, o Governo sente-se protegido dos ataques,
mas não deve esquecer que só a exposição
mediática permite gerar empatia e criar o carisma
necessário à manutenção do
poder. Por isso, o acolhedor silêncio dos primeiros
dias pode vir a tornar-se ensurdecedor assim que acabar
o actual estado de graça.
|