Paulo Serra

João Paulo II


Sobre João Paulo II já praticamente tudo foi dito: o seu carácter mediático, as suas viagens pelo mundo, as suas encíclicas; o seu anti-comunismo mas também o seu anti-liberalismo, a sua denúncia da “cultura da morte” mas também da cultura do consumo, o seu “progressismo” em matéria dos direitos da pessoa mas também o seu “conservadorismo” em matéria de sexualidade. Tudo isso é mais ou menos verdade – mas passa ao lado do que, para mim, foi essencial neste Papa.
O essencial residia na capacidade deste Papa não só para amar os outros como para mostrar que os amava. Estes outros a que aqui me refiro são não os outros em abstracto – a Humanidade – mas os outros em concreto: as crianças, os doentes, os idosos, os pobres, os desvalidos, os perseguidos, os pecadores, incluindo aqueles que o tentaram assassinar. Para todos e cada um deles João Paulo tinha uma carícia, um abraço, um gesto de amor. Era essa capacidade de tocar nos outros por se sentir tocado por eles que nos tocava também, profundamente, a cada um de nós.
Não significa isto que a doutrina, transmitida através da palavra oral e escrita – das prédicas, dos sermões, das encíclicas – não tenha sido importante em João Paulo II. Mas não podemos esquecer que o gesto é uma forma de comunicação mais básica e primitiva do que a palavra. Por isso é que entre duas pessoas que se amam – a começar pela mãe e o seu bebé – uma carícia vale, geralmente, mais do que mil palavras.
É neste contexto que se pode colocar também a questão da utilização da televisão – do audiovisual – por João Paulo II. Na televisão não conta (tanto) o que se diz mas o que se faz – o que se faz é a forma quase exclusiva de se mostrar o que se é. Ao ter um gesto de amor para cada criança, cada doente da sida, cada idoso, por exemplo, a televisão levava esse gesto do Papa a todo o mundo – e cada um de nós, que o via, podia sentir-se no lugar dessa criança, desse doente da sida, desse idoso. Foram esses gestos decisivos – outros chamar-lhe-ão simbólicos – do Papa que a televisão fixou e transmitiu.
Foi isto, e não um suposto “poder” do Papa, que fez deslocar a Roma cerca de quatro milhões de peregrinos e alguns dos homens mais poderosos deste mundo. O poder do Papa era o poder do não-poder – o poder do gesto que mostra e demonstra o amor pelo outro.
Alguns chamarão, a um tal poder, o poder da santidade: algo que, de longe em longe, toca alguns dos homens, tornando-os uma espécie de ligação com os Céus e fazendo com que a Terra pareça um lugar menos terrível e doloroso.