José Geraldes

O Papa dos direitos do homem


João Paulo II, ao longo do seu pontificado, não deixava ninguém indiferente. Crentes e não crentes, praticantes de outras religiões que não o catolicismo, todos eram fascinados pela sua personalidade.
Normalmente o papa goza de uma autoridade moral inerente ao cargo. Mas João Paulo II tinha uma forma de comunicar que impressionava vivamente. O facto de ter uma boa imagem televisiva acrescentava-lhe um poder de empatia insuperável. Era possuído por um magnetismo especial para atrair as multidões.
Mas, para além da sua presença pessoal esmagadora, brotava dele uma força interior de tal dimensão só explicável pela fé. E foi esta fé inquebrantável que o transformou no “atleta de Deus”. Como oportunamente assinalou, D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa, era “um grande crente”.
A fé levou-o a realizar as viagens por todo o mundo. A visitar países mais do que uma vez, a contactar instituições políticas e culturais de dimensão mundial, a restabelecer laços com os irmãos separados, a estar presente onde se encontrava o Homem com os seus problemas e angústias.
A este propósito fez suas cumprindo-as totalmente as palavras de abertura do documento do Vaticano II “A Igreja no mundo actual”. Documento que ele próprio ajudara no Concílio a redigir: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”.
As directrizes do Vaticano II estão em todas as decisões como Papa. Sempre destemido, os seus caminhos eram de ousadia. Com a mesma coragem enfrentou as autoridades comunistas do seu país natal, a Polónia, e o presidente mais poderoso do mundo , o dos Estados Unidos, George W. Bush, na questão da guerra do Iraque.
Obstinado da paz, Karol Wojtyla tudo fez ao seu alcance para que a paz fosse alcançada a todo o custo, em todas as circunstâncias e em todas as latitudes. Combatente da liberdade, tinha o saber de experiência feito na luta contra o nazismo e o estalinismo. Seminarista clandestino e ordenado padre sob o regime comunista praticou duramente a resistência contra todas as afrontas da liberdade.
As primeiras palavras que pronunciou como Papa- “não tenhais medo” – lançaram um desafio a todos os que desejavam dar um sentido á vida. Não apenas aos cristãos mas também aos homens de boa vontade. E constituíram um programa a cumprir nas opções a tomar.
Aos milhares de jovens que acorriam ao seu encontro, falava-lhes com verdade mas com bondade e compreensão. Por isso, os cativou.
Promotor do diálogo inter-religioso, ficou memorável o encontro de Assis que juntou em oração os representantes de várias religiões.
O gesto de João Paulo II a rezar no Muro das Lamentações em Jerusalém e na Mesquita de Damasco derrubou preconceitos e desconfianças seculares.
O valor da vida mereceu-lhe uma luta sem tréguas. É da sua autoria a expressão “a cultura da vida” em oposição à “cultura da morte”. A vida é sagrada do princípio ao fim.
Na defesa dos direitos do homem, João Paulo II desenvolveu uma acção prioritária. Percorrendo as suas encíclicas – os documentos mais solenes – encontramos sempre a preocupação da dignidade humana, mesmo naquelas em que o conteúdo é mais explicitamente religioso.
Quando fala do trabalho, considera-o como “uma marca particular do homem e da humanidade”. Na questão social, pede que se criem mecanismos justos para o bem comum da humanidade. E que se reconheça a injustiça de alguns poucos terem tanto e de tantos não terem quase nada. Apelando à solidariedade, preconiza a reforma do comércio internacional e dos sistemas financeiros.
Partindo da sua experiência pessoal e de vida num país de Leste, comprova que o capitalismo liberal não é alternativa ao socialismo real e sublinha que “o ideal seria um sistema económico que reconheça o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada, da responsabilidade pelos meios de produção e livre criatividade humana no sector da economia”.
Em nome da dignidade humana, o Papa Wojtyla põe em causa todo o subjectivismo e relativismo moral. E é também por esta dignidade que dá a última lição ao mundo.
Envelhecido e doente mostra o seu sofrimento que se torna força de muitos. Numa sociedade de hedonismo, João Paulo II revela o valor da vida.
O Papa que atravessou dois séculos e que teve intuições proféticas, deixa-nos caminhos para construirmos um mundo e um futuro onde o perdão seja acto quotidiano. Perdão que exemplificou em relação aos pecados da Igreja e ao homem que tentou matá-lo.
Saibamos ser dignos da memória de João Paulo II, o Papa que todo o mundo chora.