Urbi @ Orbi
– Como surgiu a fábrica Dielmar?
Alcino Rafael – A Dielmar foi uma empresa
que se fundou em Maio de 1965, com a associação
de quatro alfaiates de Alcains, que resolveram, na altura,
por uma questão de estratégia, criar um
espaço de confecção para a posterior
venda de pronto-a-vestir. Deixaram as suas vidas de alfaiate
e uniram esforços, no sentido de fabricarem e comercializarem
os fatos a nível do mercado português, mantendo
até hoje uma política assente na tradição
do artesão de alfaiataria. O nome Dielmar vem das
iniciais dos quatro sócios fundadores, Dias, Hélder,
Mateus e Ramiro. Actualmente, a Dielmar tem cerca de 414
trabalhadores, incluindo as pessoas que trabalham na fábrica
e nas lojas Dielmar.
U@O - É filho de um dos donos. Qual é
o cargo que desempenha aqui na fábrica e como conseguiu
ocupá-lo?
A. R. - Eu sou filho do sócio fundador
Ramiro e actualmente desempenho o cargo de presidente
do Conselho de Administração da empresa.
A Dielmar é uma sociedade anónima, sendo
que de três em três anos há eleições
para os corpos de administração. Fui eleito
há três anos como presidente do Conselho
de Administração por todos os accionistas
da empresa.
U@O - A Dielmar é uma fábrica de
sucesso a nível nacional e internacional. Qual
é o segredo de tal sucesso?
A. R. - Desde o início, a Dielmar teve
sempre uma forte apetência para trabalhar a nível
da qualidade e empregar todo o espírito do artesão
aos seus produtos dentro da indústria. Desenvolveu
sempre peças próprias, apostando no design
e na moda. Certamente esta foi a principal razão
que contribuiu para o grande crescimento da fábrica,
facto que conduziu à rápida liderança
da Dielmar no ramo da confecção em Portugal.
Esta empresa tentou sempre manter uma aposta na qualidade
e também no serviço ao cliente, nunca descurando
a formação sólida dos seus trabalhadores.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores possuem algumas regalias
na empresa, o que permite o equilíbrio de toda
uma estrutura, de forma a funcionar sem problemas alguns.
"Todas as matérias-primas
são sujeitas a uma selecção
muito criteriosa"
|
"Gostávamos de ser mais consultados
pelas universidades ou mesmo pelos próprios
alunos"
|
U@O - A fábrica aposta então na
qualidade. Onde é que essa qualidade é mais
visível?
A. R. - A qualidade é visível a
nível dos tecidos e dos aviamentos que utiliza,
isto é, todas as matérias-primas são
sujeitas a uma selecção muito criteriosa
na sua escolha, para que possam ser oferecidas aos clientes.
Além disso, também se apostou forte na qualidade
da confecção do produto, ou seja, na forma
como a peça é feita e no tempo que demora
a elaborar a peça ao longo da linha de produto.
Ao nível de trabalho da linha há ainda vários
postos de revisão para que o produto saia para
o mercado com condições mínimas de
qualidade. Foi uma cadeia que se gerou e que tem dado
resultados. Hoje em dia já temos o certificado
de qualidade ISO 9000, está tudo registado, é
tudo lido e medido, o que faz com que as situações
sejam previstas a tempo e a horas.
U@O - A Dielmar irá sofrer com a liberalização
dos têxteis chineses?
A. R. - É lógico que irá
sofrer um pouco. Hoje, a nível do mercado, há
uma enorme concorrência, e a liberalização
dos têxteis chineses vem agravá-la ainda
mais. A liberalização dos têxteis
chineses é ainda uma incógnita. Não
se sabem muito bem quais vão ser as consequências
para as empresas têxteis do País. O grande
problema é toda a conjuntura económica que
vivemos na Europa. Portugal, como país pequeno
que é e não estando no centro da Europa,
não participa dos poderes de decisão. Toda
a economia portuguesa suporta estes problemas, o que faz
com que todas as empresas sintam que não há
um crescimento de mercado. A Dielmar, no último
ano, em termos de facturação, cresceu significativamente,
mas sentimos que começa a existir uma grande pressão
sobre o preço. Sentimos que podemos começar
a ter problemas com as margens de lucros. Mas, creio que
se forem adoptadas certas medidas a nível da Comunidade
Europeia, para que haja alguma defesa dos interesses das
fábricas e dos produtores, não se irá
sentir uma grande crise.
U@O - Já têm algumas respostas caso
a crise se faça mesmo sentir?
A. R. - Até agora ainda não sentimos
a crise. O que sempre procurámos, ao longo dos
anos, foi prepararmo-nos para situações
de concorrência. Nós sabemos que comprar
têxteis chineses significa adquirir produtos em
grandes quantidades, mas com uma qualidade reduzida, na
maior parte das vezes. Hoje em dia, esses países
até já começam a produzir com alguma
qualidade, mas sempre com grandes espaços de tempo
para as entregas. As suas encomendas demoram cerca de
4 meses a chegar a Portugal. E nós sabemos que,
na actualidade, a clientela cada vez quer comprar mais
tarde e receber mais cedo, o que nos obrigou a encurtar
os períodos de entrega. Esta é, portanto,
a resposta que sempre demos e procuraremos dar. Para isso,
apetrechámo-nos e tivemos que nos organizar, para
que as nossas encomendas sejam produzidas cada vez mais
rapidamente. Além disso, o serviço ao cliente
chinês é totalmente diferente daquele que
nós prestamos. As importações chinesas
nunca poderão oferecer prestações
rápidas e fatos por medida, por exemplo.
"O futuro objectivo da fábrica é
dar cada vez mais e melhor serviço aos nossos
clientes" |
"Até agora ainda não sentimos
a crise" |
U@O - A Dielmar tem recentemente uma linha de
roupa de senhora. Isso pode ser encarado como um possível
sinal de crise ou é simplesmente a procura de novos
mercados?
A. R. - Vendo que há um certo crescimento
do estilo de executivo na mulher, a nossa empresa lançou
esta estação, Primavera-Verão, uma
marca própria, que segue o mesmo princípio
da filosofia da Dielmar – um produto de qualidade
e com uma colecção própria. Esta
nova linha de roupa foi a procura de um novo mercado e
a tentativa de penetrar em novos clientes, sobretudo neste
segmento de mercado, do qual a Dielmar ainda não
fazia parte. A partir do momento em que já fazíamos
há alguns anos confecção de senhora
para dois clientes da Dielmar, sentimos capacidade para
lançar uma marca própria. Portanto, a marca
não é a marca Dielmar, antes tem um nome
próprio – Anne Guildan. É uma marca
que procurámos que tivesse um nome internacional,
porque ela vai destinar-se não só ao mercado
português, mas sobretudo ao mercado internacional.
Espanha e França são os países para
onde exportamos mais e onde temos grandes clientes.
U@O - O facto de terem dado um nome estrangeiro
à nova marca da linha de mulher facilita a entrada
do produto nos mercados, tanto português como europeu?
A. R. - Penso que não. O nome escolhido
está associado a uma determinada imagem, a um determinado
estilo de vida e, consequentemente, a um determinado design
de roupa. Acho que se tivesse um nome português,
desde que esse fosse apelativo e que conseguisse definir
o estilo, teria também uma boa aceitação.
A nossa preocupação não foi tanto
o facto de ser um nome estrangeiro ou português,
mas antes que fosse um nome que entrasse facilmente no
ouvido, sobretudo no do consumidor. E que, de uma forma
geral, tivesse a apetência para o plano, no qual
agora estamos mais centrados, que é o mercado europeu.
Surgiu este nome, que poderá ser meio português,
meio francês, meio inglês, meio alemão,
e pelos testes que nós fizemos já podemos
concluir que o nome teve boa aceitação na
Alemanha, na França, em Espanha também.
Em Portugal, as pessoas receberam-no naturalmente. Claro
que tenho noção de que as marcas com um
nome estrangeirado, sobretudo em Portugal, parecem, por
vezes, ter mais sucesso. Mas tudo depende depois do desenvolvimento
da imagem e do marketing aplicados na marca.
U@O - Quais são os futuros objectivos
da fábrica Dielmar?
A. R. - O futuro objectivo da fábrica
é dar cada vez mais e melhor serviço aos
nossos clientes. Tudo isto passa por tentar incrementar
o crescimento das exportações e, mais importante
ainda, a expansão a nível das lojas próprias,
porque sentimos que estas têm um potencial de crescimento.
Actualmente, temos já seis lojas, brevemente iremos
passar para as oito, no mercado nacional. Está
quase fechado o ciclo do nosso primeiro objectivo, que
era atingir as primeiras oito lojas em Portugal. As lojas
Dielmar pertencem à fábrica Dielmar e têm
uma estrutura assente em estratégias que pertencem
à política oficial da firma. Hoje em dia
começamos a pensar se eventualmente valerá
a pena avançarmos para outros mercados, uma vez
que esta filosofia de lojas próprias de uma forma
geral é sempre assente nos centros comerciais.
Podemos tirar alguma experiência e preparamo-nos
possivelmente para, no futuro, podermos avançar
ou não para as lojas de rua. Mas em todo o caso,
esse é o nosso grande objectivo e, se formos convenientemente
apoiados, talvez haja internacionalização
da marca a nível da distribuição,
em Espanha.
U@O - Existe uma interacção com
outras entidades, por exemplo universidades, no sentido
de recrutar pessoal mais especializado e aproveitar os
estudos feitos pelas universidades?
A. R. - A Dielmar tem um protocolo com a Escola
Superior de Tecnologia de Castelo Branco (EST), nomeadamente
ao nível dos sistemas de informação,
em que os alunos fazem bastantes trabalhos, que servem
posteriormente para o seu projecto final. Damos também
alguns estágios aqui na Dielmar, e alguns desses
alunos estagiários acabam por cá ficar.
Exemplo disso são os dois engenheiros informáticos
que temos aqui na empresa. Por isso, penso que a ligação
que a Dielmar tem com a EST se tem revelado um verdadeiro
sucesso, porque a EST, ao nível dos sistemas informáticos,
permitiu dar algum avanço tecnológico e
uma preparação mais científica à
empresa. Nos outros ramos infelizmente isso não
tem acontecido, embora sempre que a Dielmar seja solicitada
para dar estágios, a empresa se encontre sempre
aberta nesse sentido. Há quase permanentemente
pessoas que vêm fazer estágios nos mais diversos
domínios, quer seja a nível de design, de
produção ou de contabilidade. Mas não
como nós gostaríamos. Gostávamos
de ser mais consultados pelas universidades ou mesmo pelos
próprios alunos. Eu penso que este é um
dos grandes problemas que o nosso país enfrenta:
não há uma cadeia, uma ligação
natural entre as universidades e as empresas. Seria bom
que essa relação se intensificasse, porque
na realidade as empresas só poderão crescer
dentro de alguns sectores se tiverem pessoas formadas.
Queríamos ter mais contacto com outras escolas
superiores e universidades, principalmente da zona interior.
Isto, porque, sobretudo aqui nesta região, é
muito difícil encontrarmos pessoas qualificadas
que queiram trabalhar numa fábrica da Beira Baixa.
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