António Fidalgo
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O Papa mediático
Na vida e na morte João
Paulo II foi um Papa mediático. Eleito Papa no
longínquo ano de 1978, o Papa que vinha do Leste,
de lá da Cortina de Ferro, ainda Leonidas Brejnev
era o homem forte da União Soviética, Karol
Wojtila soube construir uma imagem pública fortíssima
e desse modo contribuir de uma forma decisiva para o fim
dos regimes socialistas. Quando logo no início
do seu pontificado, em Dezembro de 1980 declarou como
padroeiros da Europa, conjuntamente com S. Bento de Núrsia,
os irmãos S. Cirílio e S. Metódio,
os apóstolos dos povos eslavos, introduziu uma
nova ideia alargada de Europa, que acabaria por se concretizar
no final do seu pontificado com o ingresso dos países
eslavos na União Europeia dos 25 países.
O Papa de figura atlética, de aspecto desportivo,
calçado com sapatilhas, das marchas a pé
pelos Alpes, com bordão e mochila de caminheiro,
o Papa viajante incansável por quase todos os países
do mundo, a subir e a descer aviões, beijando o
solo das terras onde chegava, foi um Papa à medida
das cadeias de televisões por satélite.
Mais do que as numerosas encíclicas que publicou,
ele próprio foi a sua grande mensagem, aliás
como o exige a civilização mediática
que se desenvolveu ao longo dos seus 26 anos de pontificado.
Encarnou no seu ser, estar e agir, a sua mensagem. Nesse
aspecto, é inegável que imitou bem Cristo,
verbo feito carne. Poderá contestar-se que a posição
conservadora do Papa não reflecte a posição
revolucionária e tolerante de Jesus de Nazaré,
mas ninguém poderá contestar que o Papa
tem sido fiel no agir ao que diz.
A cobertura mediática da agonia e da morte do Papa
copia a cobertura mediática que as suas viagens
pelo mundo fora tiveram ou a cobertura mediática
das grandes cerimónias na Praça de S. Pedro
em Roma. Os votos de boas festas dados em todas as línguas
pelo Natal e pela Páscoa, por um Papa incrivelmente
poliglota, eram um tema extremamente propício às
grandes cadeias de televisão mundiais e mesmo às
televisões nacionais e até regionais. Os
media fizeram de João Paulo II a personagem
talvez mais mediática à face da terra. E
o Papa correspondeu aos desejos dos media, não
lhes escondendo a doença e o sofrimento que o consumiram
nos últimos anos. Enquanto outras personagens mediáticas
apenas aceitam mostrar o lado solar da vida, furtando-se
à cobertura mediática logo que a fragilidade
humana ameaça esse lado solar, João Paulo
II quis envelhecer, sofrer e morrer sob os mesmos holofotes
que o acompanharam ao longo do pontificado. Era aliás
um dever.
Sendo ele a mensagem que queria transmitir ao mundo, não
podia furtar-se a mostrar-se também publicamente
na fragilidade da velhice e da doença final. Afinal,
o cristianismo é uma religião que se baseia
na crença de que a morte não é um
fim, mas uma transição para uma outra vida,
prenunciada pela paixão, morte e ressurreição
de Cristo.
A relação de João Paulo II e os media
é um tema importante tanto para a compreensão
de um pontificado, que ficará na história,
como para a compreensão dos media, sobretudo
da globalização destes. Nenhuma cadeia de
televisão, nenhum jornal, nenhuma rádio,
puderam ignorar a presença e a acção
de João Paulo II. Na vida e na morte foi um tema
obrigatório de cobertura noticiosa. Mas o Papa
também soube usar os media como mais ninguém
para dar expressão pela voz, e sobretudo pela imagem,
ao que desejava transmitir.
O Papa tornou-se graças aos media uma
das personagens mais marcantes do mundo contemporâneo,
referência para muitos, crentes e não crentes,
em muitas áreas da vida e realidade humanas. Pelos
media o Papa chegou a todos e a cada um. Da maneira
como soube lidar com os media, na intensidade
e no alcance destes, têm muito a aprender todos
os que querem e devem agir publicamente.
Diz-se que os media são extensões
do homem, mas essa é uma visão curta. Mais
do que simples extensões do homem os media
têm hoje uma vida própria que os torna mais
actores do que intermediários. Usar os media
tem o reverso da medalha que é ser usado pelos
media. E muitas vezes acontece isso. Começa-se
por usar os media para se acabar por ser usado
pelos media, numa lógica de consumo e
de esgotamento de imagem. Karol Wojtila compreendeu a
natureza dos media, respeitando-os na autonomia
e na lógica própria de funcionamento, mas
também não permitindo que fosse objecto
em vez de sujeito no processo comunicacional. O homo
mediaticus que João Paulo II foi é
certamente figurino a copiar no futuro.
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