António dos Santos Pereira
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O
pós-modernismo:
pressupostos epistémicos,
entre a opção estética e a atitude
ética
Voga hoje como pressuposto
epistémico, atitude ética e opção
estética, o pós-modernismo, caracterizado
pela recusa de qualquer definição de acordo
às normas da lógica escolástica.
Com efeito, tudo quanto possa ser abarcado em conceito,
afirmação universal ou enquadrado em sistema
deve considerar-se apenas moderno. Decerto, aquele constitui
uma espécie de manifesto civilizacional da falência
das grandes expectativas ocidentais: a descoberta do mundo
iniciada em Quinhentos; a eliminação da
dúvida na essência do eu de matriz cartesiana;
as virtudes dos sistemas explicativos europeus, de pendor
filosófico-racional, ou matemático, ou científico,
dos séculos XVIII e XIX e os regimes políticos,
legislativos, administrativos e comportamentais assentes
na proclamada boa lei, bom código e bom tom. Deve
considerar-se, também, como a correspondente estética
da passagem de uma civilização assente no
sector secundário da economia e nas virtudes das
capacidades de transformação de matérias-primas
em produtos acabados, mas que deixou o mundo ferido pela
poluição global, pela dominação
norte/sul, pela concentração, exploração
e pelas guerras planetárias, para uma outra assente
no sector terciário, portanto pós-industrial,
apostada na descoberta dos valores da ecologia, da interculturalidade,
da paz e da cooperação entre as pessoas
e os povos, de mau grado, marcada já pelas consequências
incontroláveis e dispersas dos actos transnacionais
de terror e de matriz confessional e do frenesim e dos
crimes violentos, paradoxalmente ditos urbanos.
Os pressupostos pós-modernos implicam todas as
ciências sociais e humanas e porque não cabe
aqui abordar cada uma em particular, deixo apenas considerandos
breves sobre os casos da História e da Literatura.
No que concerne à História, a atitude pós-moderna
leva o autor a preocupar-se mais com a problematização
do que com a descoberta, a narrativa e a afirmação;
a preferir o particular ao geral; a apreciar mais a beleza
e a graça do episódico do que a complicação
do sistemático e da grande explicação;
a saber opor a subtileza do micro à perspectiva
do macro; a trazer para a História novas disciplinas
como a Psicologia e a Antropologia, outrora em perda face
à Economia e à Sociologia. O imediatismo
e o fragmentário do pós-modernismo fazem
do historiador mais um humanista do que um reformador,
não um humanista à procura da verdade do
homem essencial e definitivo, mas das verdades dos homens
e das mulheres diferentes e concretas ou em paradigmas
a construir ou a descobrir. Um humanista, não à
procura da descoberta do Mundo, mas dos milhões
de mundos, sobrepostos, cruzados, disjuntos, num triunfo
nominalista ao gosto franciscano. Portanto, não
uma história dominadora e total, dependente de
um aparelho conceptual abarcante ou de um sistema prévio
imposto à realidade, mas casual, ou melhor de caso
e daí o maior relevo dado à biografia, à
trajectória individual, à história
do empreendimento ou da empresa, à história
da instituição, do lugar e da região,
do que à história nacional, civilizacional
ou mundial que tanta tropelia tem justificado. Melhor
ainda, atenção ao quotidiano, às
vivências e representações individuais,
ao relativo em vez do absoluto. Mas decerto que este valorizar-se-á
para quem ainda o aceita e o procura, porquanto objecto
de descoberta, de nova revelação, em vez
de imposição. Da minha parte, creio que
os princípios absolutos e intemporais devem deixar-se
ao domínio da fé, mas nada obsta em sustentar
o discurso neles porque os mesmos continuam a existir
tão-só adjectivados: a Ordem, para o crente
e para o teólogo, existe como ordem divina; para
o ditador, como imperativo do estado e para o democrata,
como condição da cidadania, etc.. Tal como
o Amor, a Paz, etc. Assim, uma perda crítica da
importância do quantitativo, objectivo, universal,
em benefício do qualitativo, subjectivo, individual
e uma denodada procura de equilíbrio entre os pressupostos
epistémicos e os estéticos, ou seja a história,
em simultâneo, ciência, arte e atitude. Invocando
José Mattoso, dando a esta disciplina «um
sentido (...) poético», todavia continuando
a cuidar as fases da investigação e selecção
dos materiais.
No âmbito literário, o pós-modernismo
também não parece fácil de esclarecer
segundo as regras da boa lógica, com clareza e
brevidade, mas perceptível, de forma negativa,
em oposição, por exemplo, aos preceitos
fundamentais que noutro contexto Nicolas Boileau-Despréaux
(1636-1711) utilizou para fundamentação
da beleza literária: verosimilhança, naturalidade
e racionalidade. No que concerne ao romancista, a atitude
pós-moderna permite ir muito além da mera
narrativa e do inerente circunstancialismo, atingindo,
a esmo, a fronteira do ensaio, por vezes em confronto
aos valores aceites, éticos, religiosos e estéticos,
com sucesso publicitário e vantagens comerciais
óbvias. O romancista pós-moderno nega também
a lógica do racionalismo, o método dedutivo
cartesiano em que alguma história ainda se faz.
O pós-modernismo literário é portador
de uma estética de decomposição,
de subversão da intriga, de deslegitimação,
de frustração das expectativas do leitor
e de recusa de fornecimento antecipado de uma visão
organizada e totalitária do mundo. Descobre-se
assim, muitos anos depois, a transposição
do interseccionismo da poesia do precoce Fernando Pessoa
para a narração. A atitude pós-moderna,
neste âmbito, manifesta-se, pois, na consciência
das narrativas complicadas ou seja dos textos que podem
incluir-se ou apagar-se, salvar-se ou perder-se, sem prejuízo
para a compreensão, tensão ou intenção
da narrativa, deixando ao leitor, tornado interactivo
e talvez crucificado, as mil tarefas de os supor, negar,
recriar ou avaliar em imenso palimpsesto civilizacional.
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