José Geraldes
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O
beijo de Judas
A figura de Judas
no processo da condenação à morte
de Jesus aparece-nos envolta em mistério. Muitos
autores tentaram dar uma explicação sobre
a sua actuação.
Uns dizem que foi pelo dinheiro que Judas entregou Cristo.
Outros adiantam que o seu amor por Cristo se converteu
em ódio. E que seria um ciumento não admitindo
que o Mestre tivesse gestos de afeição pelos
outros apóstolos. Aliás, sabemos que havia
uma certa rivalidade entre os discípulos para saber
quem era o maior.
Há quem tenha escrito que Judas era um fariseu
fundamentalista e não teria admitido que Jesus
rompesse com a religião judaica. Daí a razão
do seu suicídio.
Uma teoria muito espalhada argumenta que Judas pertencia
a um grupo revolucionário –os zelotas- que
lutava contra o poder dos romanos. Por isso, esperava
que Cristo fosse o cabeça da revolução
com que sonhava.
O que Judas não esperava, era que a revolução
de Jesus não era a sua nem era alimentada pelo
ódio. A revolução de Jesus era a
do amor.
Quando Judas se deu conta deste facto, começou
a odiá-lo e a congeminar a operação
de o vender aos sumos sacerdotes.
O escritor italiano Papini admitiu a possibilidade do
medo se ter apoderado de Judas para com a traição
salvar a sua própria vida.
Muitas outras explicações foram dadas desde
uma deformidade física de Judas ao considerar-se
superior a qualquer apóstolo ou de nunca ser sua
intenção trair Cristo.
Mas, passados dois mil anos, o mistério deste homem
que se enforcou, após ter vendido por 30 moedas
de prata Jesus Cristo de quem era apóstolo, continua
por desvendar.
Os evangelistas referem um episódio em que ele
foi protagonista e nos dá indicações
sobre a sua personalidade. O acontecimento dá-se
em Betânia. Estamos a seis dias da Páscoa
judaica. E realizava-se um banquete em honra de Lázaro
que Jesus havia ressuscitado. Sua irmã Maria para
agradecer a cura unge os pés de Jesus com um perfume
de nardo de preço muito alto. Preço que
se pode dizer superior ao salário de um trabalhador
Durante um ano inteiro.
Judas reage negativamente: “ Para quê este
desperdício? Este perfume podia vender-se por mais
de trezentos denários que se poderiam dar aos pobres”.
Mas o seu protesto caiu tão mal que o evangelista
João anota, sabendo do seu ar hipócrita:
“Disse isto, não porque se preocupasse com
os pobres mas porque era ladrão, e, como tinha
a bolsa do dinheiro, tirava o que nela se deitava”.
A hostilidade para com Judas é evidente.
Mesmo assim o mistério da entrega de Jesus fica
por esclarecer. Judas ficará como símbolo
da traição para toda a História.
Romano Guardini, teólogo alemão, vê
no gesto de Judas o que é o Homem. “Judas
revela-nos a nós mesmos”. E lança
a pergunta : “Não há em nossas vidas
muitos dias em que abandonamos a nossa melhor verdade,
o nosso sentimento mais sagrado nosso dever, o nosso amor,
por uma vaidade, uma sensualidade, um proveito, uma segurança,
um ódio, uma vingança? Valerá isso
mais do
que 30 moedas de prata” ?
A traição não se coaduna com a Páscoa.
Jesus morre exactamente para nos libertar de todas as
traições. E para que não se repita
o festo de Judas que afronta a dignidade humana.
Quem se move de traição em traição
nega a mensagem cristã. Atenta contra os direitos
de cada um. Atola-se na mentira. Põe em cheque
a lealdade.
Na medida em que a traição desaparece, acontece
Páscoa. Nasce o Homem novo. E o sol da Ressurreição
ilumina os caminhos do mundo.
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