Anabela Gradim
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Um direito
e vários deveres
Campanha morna e pouco entusiasmo
estão a marcar as lides que antecedem estas Legislativas,
com direito a voto já no próximo Domingo,
20 de Fevereiro. É a segunda vez que os portugueses
são chamados antecipadamente a dizerem de sua justiça
e fazerem as suas escolhas. Ora isto não pode ser
coisa boa. Será esta ainda a mesma pátria
que «não se governa nem se deixa governar»?
Impossível. Atravessamos certamente maré
de azar.
Mas estas coisas têm consequências. Uma delas
é que por toda a parte crescem os receios de elevadíssima
abstenção, e as estatísticas são
inequívocas: aqui, como por todo o mundo ocidental,
o exército dos que se demitem de votar parece imparável.
Muito tem sido apontado como causa: comodismo, desprestígio
dos políticos, crença de que no fundo os
partidos «são todos iguais» e «andam
ao mesmo». O tratamento mediático destas
questões também não tem ajudado,
e assistimos até a um curioso fenómeno:
um partido como a Nova Democracia que se assume como «outro»
dos partidos, e tem feito mote da sua campanha precisamente
o combate aos «políticos» e aos «vícios»,
presumindo, presumo eu, que haverá uma larga franja
de eleitorado farta dos «políticos»
e disponível para votar em políticos que
denigrem a política e seus agentes.
E todavia, é fácil embarcar neste tipo de
discurso. Difícil é ser construtivo, e para
lá de tudo isto que nos desagrada, incomoda e consome,
vislumbrar alternativas.
Aristóteles achava que a política era a
mais nobre actividade humana, e considerava o homem um
animal político, no sentido de ser essa actividade
que o diferenciava dos restantes animais. A organização
e o auto-governo distinguem-nos certamente das alcateias,
das manadas, das colmeias e dos rebanhos – embora
essas diferentes organizações prossigam
fins semelhantes relativamente aos seus membros. Não
ver o pequeno milagre que isto constitui também
é estar afastado do pouco que constitui a nossa
humanidade.
Por isso já há muito penso que os eternos
boicotantes de actos eleitorais – e parece que já
há alguns anunciados para este mesmo – são
indignos do direito que outros conquistaram para eles,
e o seu alegado boicote, deveria por uma vez, ser ele
mesmo boicotado: nem uma linha, nem um bit, nem um frame
com essa gente – esse era um enorme favor que os
media faziam à democracia. E, já agora se
não for pedir demais: nem mais uma única
repetição da cena triste que armaram: que
guardem então o voto para quando crescerem, if
ever.
Seria bom que todos quantos se preparam para não
votar este Domingo – e distingo isto de votar em
branco, embora tal opção a mim também
não me agrade – se lembrassem na quantidade
imensa de homens e mulheres que, cá como em todo
o mundo, lutaram para que a coisa hoje nos pareça
uma banalidade dispensável. Seria bom que pensassem
nos iraquianos, ou nos afegãos, ou nos timorenses,
recém-chegados à democracia, e vissem neles
e na sua vontade de construir e mudar um exemplo para
nós.
Seria bom que pensassem que hão-de ser exemplo
para alguém: filhos, sobrinhos, irmãos mais
novos, e que a sua desmobilização e parca
consciência cívica é um gesto que
ganha raízes e se reproduz e repercute no futuro.
Podiam também lembrar-se que a beleza da democracia
é o seu voto valer tanto como o do rico-mais-rico
ou pobre-mais-pobre de todos, mesmo que ambos só
de espírito. Exactamente o mesmo. Nem mais, nem
menos. E isso é um poder imenso que só a
Democracia dá: iguais entre iguais, uma cabeça
um voto.
Seria bom que as mulheres que preferirem passar a ferro
ou ir ao shopping este Domingo pensassem a que penas esse
direito que tão displicentemente rejeitam foi conquistado.
Pensassem na luta das sufragistas, e que bem perto, no
Portugal salazarista, mulher – excepto se chefe
de família – não votava! O marido
ou o pai lá estariam para representar a eterna
menor.
Seria bom que os jovens que querem namorar, passear, trabalhar
e estudar pensassem, por uma vez, que o futuro de tudo
isso também está nas suas mãos.
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