Urbi et Orbi
- O que é o Conselho Pedagógico da UBI?
Paulo Serra - O Conselho Pedagógico, de
acordo com os estatutos da Universidade, é um órgão
de apoio ao Reitor onde se tratam das questões
pedagógicas relacionadas com os docentes e alunos.
Questões como a avaliação, os horários,
os métodos de ensino-aprendizagem, acções
de formação dos docentes, são todos
assuntos tratados pelo Conselho Pedagógico. A forma
como eu entendo a principal função do Conselho
Pedagógico tem a ver com o investimento numa nova
forma de ensino-aprendizagem e de avaliação.
Durante o meu mandato vou tentar fazer uma espécie
de campanha perante os docentes para que estes ponham
em prática métodos de aprendizagem e de
avaliação que envolvam não só
os trabalhos das aulas e os testes, mas também
trabalhos extra-aulas.
U @ O - O Conselho Pedagógico tem tido
intervenção em algumas áreas específicas?
P. S - Este não é um órgão
deliberativo, mas sim consultivo. Estou a presidir ao
Conselho Pedagógico há pouco mais de um
mês, daí que tenha ainda só havido
tempo para uma reunião. Nesse encontro tratámos
vários assuntos, nomeadamente, apreciações
sobre a criação de novos cursos, como é
o caso de Ciências Biomédicas e outros na
área das Letras. O Conselho Pedagógico debruçou-se
sobre as várias propostas e emitiu um parecer para
ser presente ao Conselho Científico da Universidade
e ao Senado. Discutiram-se também questões
relacionadas com a avaliação e com os métodos
de ensino-aprendizagem.
U @ O - Que tipo de acções tenta
desenvolver este organismo?
P. S. - Basicamente procurar-se-á intervir
no processo tradicional de ensino-aprendizagem e no processo
de formação dos docentes. Em relação
à primeira matéria, é preocupação
do Conselho Pedagógico discutir questões
como o insucesso escolar e as metodologias utilizadas
no ensino dos alunos. Quanto à formação
dos docentes, temos a preocupação de organizar
e promover seminários e encontros que possam permitir
melhorar o seu desempenho.
"Os alunos têm
de corresponder aos esforços dos docentes"
|
"Na Universidade, temos vindo a experimentar
um aumento positivo nas taxas de sucesso escolar"
|
U @ O - Há a ideia de que os maus resultados
estão relacionados com a dificuldade do professor
em transmitir os conhecimentos. Que comentário
faz a esta afirmação?
P. S. - Na questão do insucesso escolar,
temos de distinguir várias coisas. Há um
primeiro aspecto que é o abandono, que se verifica,
sobretudo, no primeiro ano dos vários cursos. O
que isto quer dizer é que todos os anos, entre
o número de candidatos que são colocados
na Universidade e o de pessoas a frequentar as aulas verifica-se
uma diferença apreciável, que em alguns
casos pode ser de 20 a 30 por cento. Em relação
a isto, a Universidade tem estado a intervir através
de um sistema de tutorias, sobretudo nos primeiros e segundos
anos.
Uma segunda questão tem a ver com a reprovação.
Esta situação, no que respeita à
UBI, não é nenhuma catástrofe. Isto
é, há determinados cursos em que a nossa
taxa de sucesso é extremamente elevada, recordo
o caso de Medicina com uma taxa de aproveitamento que
ronda os 95 por cento, o caso dos cursos de Artes e Letras,
com uma taxa de sucesso na ordem dos 90 por cento, tendo
as outras Unidades um aproveitamento também bastante
elevado, a rondar os 80 por cento, mesmo em cursos das
Matemáticas e das Engenharias - o que não
quer dizer que não existam, nestas e noutras áreas,
determinadas disciplinas que tenham de ser tratadas de
uma forma muito específica. (Os números
mencionados referem-se à taxa de aprovados sobre
avaliados no ano lectivo 2003/2004). O problema do sucesso
escolar situa-se, portanto, mais do lado do abandono do
que do lado da reprovação propriamente dita
U @ O - De que forma, em concreto, se pode intervir
nas disciplinas mais problemáticas?
P. S . - Essas disciplinas são disciplinas
que têm, actualmente, um número muito elevado
de alunos, tornando-se difícil encontrar um modelo
que permita um esquema de avaliação contínua,
um modelo de ensino-aprendizagem mais centrado na actividade
do aluno. De qualquer modo, desde o ano passado que se
tem tentado encontrar um modelo de ensino-aprendizagem
e de avaliação diferente, distribuindo os
alunos por turmas de 20 a 30 pessoas, de maneira a que
se tenha uma avaliação mais personalizada.
No entanto, há que ter em atenção
que as dificuldades nestas matérias são
vistas, na maior parte das vezes, apenas ou do lado dos
alunos ou do lado dos professores. Eu penso que as responsabilidades
têm de ser divididas. Em relação aos
docentes, estes têm de exigir mais de si próprios,
quer em termos de preparação das aulas,
quer de diversificação e multiplicação
das actividades de avaliação. Isto é,
em vez de serem facultados um ou dois testes ao longo
do semestre, apresentar outras formas de avaliação,
como trabalhos, aulas práticas, discussões
de temas entre os alunos, trabalho extra na biblioteca
e na própria assiduidade do aluno. Por sua vez
tudo isto requer, da parte dos alunos, uma correspondência
aos esforços dos docentes.
U @ O - Mas então o que se pretende com
o sistema de tutorias?
P. S. - Pretende-se um contacto com os alunos
logo nos primeiros dias de aulas, dar-lhes apoio quer
ao nível da integração na Universidade,
quer mesmo na própria cidade. Isto para que os
alunos não venham a cair na tentação
de abandonar a Universidade. Este é um processo
que passa muito pela ligação ao aluno, através
de entrevistas individuais e em grupo, e outras acções.
Penso que é um sistema que está a dar alguns
resultados interessantes.
Até ao ano anterior, a UBI tinha um tutor por cada
ano do curso e este ano estamos a procurar que exista
um tutor por cada 10 a 15 alunos. A ideia é a de
conseguir estabelecer uma relação mais próxima,
mais directa entre o tutor e os alunos.
"A ideia é a de conseguir estabelecer
uma relação mais próxima, mais
directa entre o tutor e os alunos" |
"Quanto mais se exigir em trabalhos, mais os
alunos correspondem" |
U @ O - É visível a melhoria de
resultados académicos, por parte dos alunos, quando
estes têm um acompanhamento mais directo, por parte
dos docentes?
P . S. - Esse é um dos axiomas da pedagogia
contemporânea. Aqui na Universidade, temos vindo
a experimentar um aumento positivo nas taxas de sucesso
escolar, o que revela resultados do investimento numa
maior aproximação entre os docentes e alunos.
Em termos pessoais, toda a minha experiência, quer
no ensino secundário, quer no ensino universitário
aponta para o facto de, quanto mais próximo o professor
está dos alunos e mais exige deles em termos de
trabalho, mais os alunos correspondem. Pode parecer algo
contraditório, mas não é. As minhas
experiências, nas disciplinas que lecciono, vão
no sentido de exigir mais trabalhos e mais assiduidade.
U @ O - Leccionou durante muitos anos no ensino
secundário, quais as principais diferenças,
ao nível pedagógico, em relação
à Universidade?
P. S - Reportando-me ao que os alunos dizem quando
vêm do 12.º ano e aqui entram pela primeira
vez, julgo que a questão da pedagogia tem a ver
com a maior ou menor autonomia do aluno. No ensino secundário,
o ensino é demasiado orientado. Isto é,
o aluno tem sempre um grau de responsabilidade muito menor
do que aquele que irá ter na Universidade.
Um aluno na universidade está mais entregue a si
próprio, em termos gerais e também no que
se refere à sua vida académica. Entre a
escolha do fazer ou não fazer, do ir ou não
às aulas, enfim, tem um maior grau de autonomia
para tudo. Desta forma, o professor terá de investir
menos na orientação demasiado apertada do
aluno e mais no trabalho que este possa vir a desenvolver
de forma independente. O docente deve encontrar forma
de o aluno se responsabilizar e trabalhar, quer nas aulas,
quer fora destas.
U @ O - Como se distingue a boa aptidão
pedagógica de um docente?
P. S . - Se, por um lado, o docente terá
de ter a capacidade de motivar os alunos e levá-los
a realizar as diversas tarefas que estão previstas
na aprendizagem, vê-se por outro lado, obrigado
a não abdicar da direcção do processo
de ensino-aprendizagem. Isto significa que um bom docente
é aquele que não é um liberal puro
e duro, que deixa fazer e deixa andar, que se demite,
eventualmente, da direcção do processo ensino-aprendizagem.
Mas também não pode ser autoritário.
A melhor forma está no meio-termo.
U @ O - Pode haver pedagogia em excesso?
P. S. - Deve distinguir-se pedagogia de pedagogismo.
O pedagogismo é um vício, uma perversão
que surgiu entre nós logo a seguir ao 25 de Abril,
muito por mau entendimento, em minha opinião, das
chamadas, “novas correntes pedagógicas”,
como a “escola activa” ou “escola Freinet”.
Esse pedagogismo pode ser sintetizado na ideia de que
não interessa aquilo que se ensina, mas apenas
a forma como se ensina. Ao dizer-se isso, coloca-se de
parte, toda a questão das matérias científicas
e dos próprios métodos de trabalho. A pedagogia
vai exactamente no sentido contrário. Pedagogia
é exigência do professor em relação
ao aluno e a si próprio, mas também responsabilidade
do aluno em relação a si mesmo.
"Os alunos têm
de corresponder aos esforços dos docentes"
|
"O Fórum Pedagogia tem sido muito importante,
desde o princípio"
|
U @ O - A Associação Académica
tem promovido ao longo dos anos, o Fórum Pedagogia.
Em seu entender, que resultados se têm retirado
desta iniciativa e de outras similares?
P. S. - O Fórum Pedagogia tem sido muito
importante, desde o princípio. É uma iniciativa
que reúne docentes e alunos dos vários cursos
e em que, de forma franca e aberta, se faz a discussão
de um conjunto de problemas que são levantados
pelos alunos e que podem depois ser resolvidos. Os problemas
não podem ser resolvidos se não se começar
por saber que existem. O Fórum Pedagogia tem essa
vantagem de permitir aos docentes, aos Directores de Curso
e aos restantes responsáveis pedagógicos
e científicos da Universidade, o conhecimento dos
problemas que existem e a sua eventual resolução.
Este evento deve continuar, mesmo que muitos dos problemas
que são levantados possam não ser resolvidos,
ou não ser resolvidos no imediato.
U @ O - Porque é que os problemas podem
não ser resolvidos?
P. S. - Os alunos referem, muitas vezes, que
têm docentes que investem mais na parte científica
do que na parte pedagógica. Isto é, que
se preocupam muito em publicar artigos, em ir a congressos,
em publicar livros, em fazer os seus doutoramentos e outras
obrigações e que o processo de ensino-aprendizagem
lhes merece menos atenção. Neste aspecto,
na parte da profissão de docente universitário,
onde se distinguem três funções, a
pedagógica, a científica e em alguns casos,
a administrativa, o que os alunos dizem é que o
docente tende a valorizar a componente científica
em detrimento da pedagógica. Esta é uma
questão que tem a ver com o estatuto da carreira
docente. Porque em termos da função de docente
universitário, a componente pedagógica não
tem peso na progressão da carreira. Este é
o exemplo de um constrangimento que cria um problema que
a Universidade não pode resolver por si só.
O que não significa que a Universidade não
dê pequenos passos de forma a chamar a atenção
dos seus docentes para a importância da componente
pedagógica.
U @ O - Decorrente da implementação
do processo de Bolonha, está prevista uma reforma
estrutural na avaliação dos alunos. De que
forma os docentes estão preparados para enfrentar
esta transformação?
P. S. - Já uma vez escrevi sobre o Processo
de Bolonha, comparando-o com um elefante que é
descrito numa história indiana (risos). Um elefante
é observado por vários cegos, através
do tacto, e cada um vai tendo a sua versão do que
é o elefante. Com o Processo de Bolonha estamos
numa situação que é muito semelhante
a esta. Há todo um conjunto de estudos feitos pela
Universidade, nomeadamente pela Comissão para o
Processo de Bolonha, mas esses estudos não podem
ser postos em prática enquanto não houver
directrizes próprias do poder político.
De qualquer modo, o que me parece é que este processo
vai exigir uma maior carga de trabalho, quer ao aluno,
quer ao docente, do que aquela que existe neste momento.
Em termos genéricos, na UBI, temos 30 semanas de
aulas por cada ano lectivo, o que para um aluno representa
qualquer coisa como 600 horas de aulas anuais; se o aluno
estudar uma média de 10 horas por semana, o seu
volume de trabalho anual será da ordem das 900
horas…
U @ O - E com o processo de Bolonha, como vai
ser?
P. S. - O Processo de Bolonha aponta para um
mínimo de 1600 horas anuais. Em consequência,
terá de se aumentar o número de semanas
lectivas, por exemplo para 40, e, simultaneamente, o número
de horas de trabalho semanal dos alunos - incluindo nesse
trabalho aulas, testes, trabalhos independentes, projectos,
etc. - também para 40. Tem de aumentar o esforço,
quer dos alunos, quer dos docentes.
Neste momento a Universidade tem dado alguns passos nesse
sentido. No próximo ano lectivo, o nosso calendário
escolar, contando o período de aulas e de época
de exames, já vai ter 40 semanas. Este ano é
o último em que na Unidade de Artes e Letras vai
haver uma Época Especial de Exames. Para o próximo
ano, 2005/2006, todos os exames, todas as actividades
de avaliação estarão terminados a
31 de Julho.
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