Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves



"Um bom docente é aquele que não é um liberal puro e duro"

Urbi et Orbi - O que é o Conselho Pedagógico da UBI?
Paulo Serra -
O Conselho Pedagógico, de acordo com os estatutos da Universidade, é um órgão de apoio ao Reitor onde se tratam das questões pedagógicas relacionadas com os docentes e alunos. Questões como a avaliação, os horários, os métodos de ensino-aprendizagem, acções de formação dos docentes, são todos assuntos tratados pelo Conselho Pedagógico. A forma como eu entendo a principal função do Conselho Pedagógico tem a ver com o investimento numa nova forma de ensino-aprendizagem e de avaliação. Durante o meu mandato vou tentar fazer uma espécie de campanha perante os docentes para que estes ponham em prática métodos de aprendizagem e de avaliação que envolvam não só os trabalhos das aulas e os testes, mas também trabalhos extra-aulas.

U @ O - O Conselho Pedagógico tem tido intervenção em algumas áreas específicas?
P. S -
Este não é um órgão deliberativo, mas sim consultivo. Estou a presidir ao Conselho Pedagógico há pouco mais de um mês, daí que tenha ainda só havido tempo para uma reunião. Nesse encontro tratámos vários assuntos, nomeadamente, apreciações sobre a criação de novos cursos, como é o caso de Ciências Biomédicas e outros na área das Letras. O Conselho Pedagógico debruçou-se sobre as várias propostas e emitiu um parecer para ser presente ao Conselho Científico da Universidade e ao Senado. Discutiram-se também questões relacionadas com a avaliação e com os métodos de ensino-aprendizagem.

U @ O - Que tipo de acções tenta desenvolver este organismo?
P. S. -
Basicamente procurar-se-á intervir no processo tradicional de ensino-aprendizagem e no processo de formação dos docentes. Em relação à primeira matéria, é preocupação do Conselho Pedagógico discutir questões como o insucesso escolar e as metodologias utilizadas no ensino dos alunos. Quanto à formação dos docentes, temos a preocupação de organizar e promover seminários e encontros que possam permitir melhorar o seu desempenho.




"Na Universidade, temos vindo a experimentar um aumento positivo nas taxas de sucesso escolar"

U @ O - Há a ideia de que os maus resultados estão relacionados com a dificuldade do professor em transmitir os conhecimentos. Que comentário faz a esta afirmação?
P. S. -
Na questão do insucesso escolar, temos de distinguir várias coisas. Há um primeiro aspecto que é o abandono, que se verifica, sobretudo, no primeiro ano dos vários cursos. O que isto quer dizer é que todos os anos, entre o número de candidatos que são colocados na Universidade e o de pessoas a frequentar as aulas verifica-se uma diferença apreciável, que em alguns casos pode ser de 20 a 30 por cento. Em relação a isto, a Universidade tem estado a intervir através de um sistema de tutorias, sobretudo nos primeiros e segundos anos.
Uma segunda questão tem a ver com a reprovação. Esta situação, no que respeita à UBI, não é nenhuma catástrofe. Isto é, há determinados cursos em que a nossa taxa de sucesso é extremamente elevada, recordo o caso de Medicina com uma taxa de aproveitamento que ronda os 95 por cento, o caso dos cursos de Artes e Letras, com uma taxa de sucesso na ordem dos 90 por cento, tendo as outras Unidades um aproveitamento também bastante elevado, a rondar os 80 por cento, mesmo em cursos das Matemáticas e das Engenharias - o que não quer dizer que não existam, nestas e noutras áreas, determinadas disciplinas que tenham de ser tratadas de uma forma muito específica. (Os números mencionados referem-se à taxa de aprovados sobre avaliados no ano lectivo 2003/2004). O problema do sucesso escolar situa-se, portanto, mais do lado do abandono do que do lado da reprovação propriamente dita

U @ O - De que forma, em concreto, se pode intervir nas disciplinas mais problemáticas?
P. S . -
Essas disciplinas são disciplinas que têm, actualmente, um número muito elevado de alunos, tornando-se difícil encontrar um modelo que permita um esquema de avaliação contínua, um modelo de ensino-aprendizagem mais centrado na actividade do aluno. De qualquer modo, desde o ano passado que se tem tentado encontrar um modelo de ensino-aprendizagem e de avaliação diferente, distribuindo os alunos por turmas de 20 a 30 pessoas, de maneira a que se tenha uma avaliação mais personalizada. No entanto, há que ter em atenção que as dificuldades nestas matérias são vistas, na maior parte das vezes, apenas ou do lado dos alunos ou do lado dos professores. Eu penso que as responsabilidades têm de ser divididas. Em relação aos docentes, estes têm de exigir mais de si próprios, quer em termos de preparação das aulas, quer de diversificação e multiplicação das actividades de avaliação. Isto é, em vez de serem facultados um ou dois testes ao longo do semestre, apresentar outras formas de avaliação, como trabalhos, aulas práticas, discussões de temas entre os alunos, trabalho extra na biblioteca e na própria assiduidade do aluno. Por sua vez tudo isto requer, da parte dos alunos, uma correspondência aos esforços dos docentes.

U @ O - Mas então o que se pretende com o sistema de tutorias?
P. S. -
Pretende-se um contacto com os alunos logo nos primeiros dias de aulas, dar-lhes apoio quer ao nível da integração na Universidade, quer mesmo na própria cidade. Isto para que os alunos não venham a cair na tentação de abandonar a Universidade. Este é um processo que passa muito pela ligação ao aluno, através de entrevistas individuais e em grupo, e outras acções. Penso que é um sistema que está a dar alguns resultados interessantes.
Até ao ano anterior, a UBI tinha um tutor por cada ano do curso e este ano estamos a procurar que exista um tutor por cada 10 a 15 alunos. A ideia é a de conseguir estabelecer uma relação mais próxima, mais directa entre o tutor e os alunos.


"A ideia é a de conseguir estabelecer uma relação mais próxima, mais directa entre o tutor e os alunos"

"Quanto mais se exigir em trabalhos, mais os alunos correspondem"

U @ O - É visível a melhoria de resultados académicos, por parte dos alunos, quando estes têm um acompanhamento mais directo, por parte dos docentes?
P . S. -
Esse é um dos axiomas da pedagogia contemporânea. Aqui na Universidade, temos vindo a experimentar um aumento positivo nas taxas de sucesso escolar, o que revela resultados do investimento numa maior aproximação entre os docentes e alunos.
Em termos pessoais, toda a minha experiência, quer no ensino secundário, quer no ensino universitário aponta para o facto de, quanto mais próximo o professor está dos alunos e mais exige deles em termos de trabalho, mais os alunos correspondem. Pode parecer algo contraditório, mas não é. As minhas experiências, nas disciplinas que lecciono, vão no sentido de exigir mais trabalhos e mais assiduidade.

U @ O - Leccionou durante muitos anos no ensino secundário, quais as principais diferenças, ao nível pedagógico, em relação à Universidade?
P. S -
Reportando-me ao que os alunos dizem quando vêm do 12.º ano e aqui entram pela primeira vez, julgo que a questão da pedagogia tem a ver com a maior ou menor autonomia do aluno. No ensino secundário, o ensino é demasiado orientado. Isto é, o aluno tem sempre um grau de responsabilidade muito menor do que aquele que irá ter na Universidade.
Um aluno na universidade está mais entregue a si próprio, em termos gerais e também no que se refere à sua vida académica. Entre a escolha do fazer ou não fazer, do ir ou não às aulas, enfim, tem um maior grau de autonomia para tudo. Desta forma, o professor terá de investir menos na orientação demasiado apertada do aluno e mais no trabalho que este possa vir a desenvolver de forma independente. O docente deve encontrar forma de o aluno se responsabilizar e trabalhar, quer nas aulas, quer fora destas.

U @ O - Como se distingue a boa aptidão pedagógica de um docente?
P. S . -
Se, por um lado, o docente terá de ter a capacidade de motivar os alunos e levá-los a realizar as diversas tarefas que estão previstas na aprendizagem, vê-se por outro lado, obrigado a não abdicar da direcção do processo de ensino-aprendizagem. Isto significa que um bom docente é aquele que não é um liberal puro e duro, que deixa fazer e deixa andar, que se demite, eventualmente, da direcção do processo ensino-aprendizagem. Mas também não pode ser autoritário. A melhor forma está no meio-termo.

U @ O - Pode haver pedagogia em excesso?
P. S. -
Deve distinguir-se pedagogia de pedagogismo. O pedagogismo é um vício, uma perversão que surgiu entre nós logo a seguir ao 25 de Abril, muito por mau entendimento, em minha opinião, das chamadas, “novas correntes pedagógicas”, como a “escola activa” ou “escola Freinet”. Esse pedagogismo pode ser sintetizado na ideia de que não interessa aquilo que se ensina, mas apenas a forma como se ensina. Ao dizer-se isso, coloca-se de parte, toda a questão das matérias científicas e dos próprios métodos de trabalho. A pedagogia vai exactamente no sentido contrário. Pedagogia é exigência do professor em relação ao aluno e a si próprio, mas também responsabilidade do aluno em relação a si mesmo.




"O Fórum Pedagogia tem sido muito importante, desde o princípio"

U @ O - A Associação Académica tem promovido ao longo dos anos, o Fórum Pedagogia. Em seu entender, que resultados se têm retirado desta iniciativa e de outras similares?
P. S. -
O Fórum Pedagogia tem sido muito importante, desde o princípio. É uma iniciativa que reúne docentes e alunos dos vários cursos e em que, de forma franca e aberta, se faz a discussão de um conjunto de problemas que são levantados pelos alunos e que podem depois ser resolvidos. Os problemas não podem ser resolvidos se não se começar por saber que existem. O Fórum Pedagogia tem essa vantagem de permitir aos docentes, aos Directores de Curso e aos restantes responsáveis pedagógicos e científicos da Universidade, o conhecimento dos problemas que existem e a sua eventual resolução. Este evento deve continuar, mesmo que muitos dos problemas que são levantados possam não ser resolvidos, ou não ser resolvidos no imediato.

U @ O - Porque é que os problemas podem não ser resolvidos?
P. S. -
Os alunos referem, muitas vezes, que têm docentes que investem mais na parte científica do que na parte pedagógica. Isto é, que se preocupam muito em publicar artigos, em ir a congressos, em publicar livros, em fazer os seus doutoramentos e outras obrigações e que o processo de ensino-aprendizagem lhes merece menos atenção. Neste aspecto, na parte da profissão de docente universitário, onde se distinguem três funções, a pedagógica, a científica e em alguns casos, a administrativa, o que os alunos dizem é que o docente tende a valorizar a componente científica em detrimento da pedagógica. Esta é uma questão que tem a ver com o estatuto da carreira docente. Porque em termos da função de docente universitário, a componente pedagógica não tem peso na progressão da carreira. Este é o exemplo de um constrangimento que cria um problema que a Universidade não pode resolver por si só. O que não significa que a Universidade não dê pequenos passos de forma a chamar a atenção dos seus docentes para a importância da componente pedagógica.

U @ O - Decorrente da implementação do processo de Bolonha, está prevista uma reforma estrutural na avaliação dos alunos. De que forma os docentes estão preparados para enfrentar esta transformação?
P. S. -
Já uma vez escrevi sobre o Processo de Bolonha, comparando-o com um elefante que é descrito numa história indiana (risos). Um elefante é observado por vários cegos, através do tacto, e cada um vai tendo a sua versão do que é o elefante. Com o Processo de Bolonha estamos numa situação que é muito semelhante a esta. Há todo um conjunto de estudos feitos pela Universidade, nomeadamente pela Comissão para o Processo de Bolonha, mas esses estudos não podem ser postos em prática enquanto não houver directrizes próprias do poder político.
De qualquer modo, o que me parece é que este processo vai exigir uma maior carga de trabalho, quer ao aluno, quer ao docente, do que aquela que existe neste momento. Em termos genéricos, na UBI, temos 30 semanas de aulas por cada ano lectivo, o que para um aluno representa qualquer coisa como 600 horas de aulas anuais; se o aluno estudar uma média de 10 horas por semana, o seu volume de trabalho anual será da ordem das 900 horas…

U @ O - E com o processo de Bolonha, como vai ser?
P. S. -
O Processo de Bolonha aponta para um mínimo de 1600 horas anuais. Em consequência, terá de se aumentar o número de semanas lectivas, por exemplo para 40, e, simultaneamente, o número de horas de trabalho semanal dos alunos - incluindo nesse trabalho aulas, testes, trabalhos independentes, projectos, etc. - também para 40. Tem de aumentar o esforço, quer dos alunos, quer dos docentes.
Neste momento a Universidade tem dado alguns passos nesse sentido. No próximo ano lectivo, o nosso calendário escolar, contando o período de aulas e de época de exames, já vai ter 40 semanas. Este ano é o último em que na Unidade de Artes e Letras vai haver uma Época Especial de Exames. Para o próximo ano, 2005/2006, todos os exames, todas as actividades de avaliação estarão terminados a 31 de Julho.





Perfil



Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Joaquim Paulo Serra faz, actualmente, carreira na área das Ciências da Comunicação. Este homem, natural de Vales do Rio, uma aldeia do concelho da Covilhã, começou cedo a dar aulas no ensino secundário. Leccionou na Escola Secundária de Serpa, na Escola Secundária do Fundão, na Escola Secundária Afonso de Albuquerque, na Guarda e na Escola Secundária Frei Heitor Pinto, na Covilhã.
A transição para o ensino superior surge em 1997, quando trabalhava na dissertação do mestrado em Ciências da Comunicação. Convidado para substituir uma docente, começa por leccionar, na UBI as cadeiras de Epistemologia e Teoria da Linguagem.
Este filósofo apaixonou-se pelo espaço pluri-dimensional da comunicação, “uma área onde se encontram pessoas das artes, das letras, da filosofia, da sociologia, da economia, da história, entre outras”.
Pai de três filhos, gasta a maior parte do seu tempo livre com a família e com o desporto, sobretudo, marcha e corrida. O karaté foi também outro dos seus grandes hobbies. Mas abandonou por falta de tempo.
Das personalidades que por algum motivo o marcaram, destaca Mahatma Gandhi, pela associação que o pacifista fez entre a não-violência e a firmeza. “É uma atitude tanto mais corajosa quando hoje vemos que muitas causas políticas e não só recorrem à violência para impor as suas ideias. O Gandhi viu na não-violência uma arma”. Tudo isto leva-o também a referir a figura de Martin Luther King, defensor dos direitos civis dos negros na América, que “tem uma posição que se enquadra na linha da defendida pelo Gandhi”. Em termos de personalidades contemporâneas, impressiona-o a figura de João Paulo II. “Independentemente das crenças ou da prática religiosas que as pessoas possam ter, é de admirar, por um lado, a firmeza dos princípios e por outro lado, o facto de ser uma pessoa idosa e doente que continua a aparecer na cena pública, não remetendo a sua doença para o domínio do privado”.
Para alguém que já perdeu a conta aos livros que leu, recorda de forma especial dois títulos. Um deles é O Estrangeiro de Albert Camus. Um livro que faz surgir a suspeita de que a existência não tem qualquer sentido, o que significa que, “se a existência humana não tem sentido, cada um de nós tem de criar o sentido da sua própria existência”. Um outro livro, do autor Somerset Maughan, com o título A Servidão Humana, também o impressionou. Uma obra que versa sobre o sentido do homem, “a luta pela existência e os paradoxos dessa própria existência”.