Maria Johanna Schouten*
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As
guerras de Aceh
Encontra-se na província
indonésia de Aceh, tão flagelada pelo tsunami,
um grupo de portugueses em missão humanitária,
cujo trabalho, pelo que consta, está altamente
elogiado pela população e autoridades locais.
É um novo tipo de relações entre
portugueses e Aceh, bem diferentes daquelas que existiam
há quatro ou cinco séculos atrás.
Após a conquista pelos portugueses do importante
porto de Malaca, em 1511, muitos dos comerciantes muçulmanos
dessa cidade migraram para o norte de Sumatra, ou seja,
Aceh. O sultanato de Aceh viria a afirmar-se nas décadas
seguintes como um temido adversário islâmico
dos portugueses nos mares asiáticos.
A história de Aceh é marcada por luta, em
que os seus enérgicos sultões e sultanas
não tinham medo de nenhum poder estrangeiro. Orgulhoso,
o povo não se quis render a um regime colonial,
e - já no século XIX - foi em Aceh que os
holandeses travaram uma guerra de mais de 30 anos, a mais
longa e mais sangrente nas suas campanhas no arquipélago
indonésio. Após a submissão final
de Aceh, em 1906, os holandeses, ansiosos de desempenharem
um papel de benfeitor, construíram na cidade de
Banda Aceh uma mesquita maravilhosa, branca com cúpulas
pretas. Este edifício foi um dos poucos no centro
da cidade que resistiram à força tsunami,
fornecendo no dia 26 de Dezembro um refúgio aos
mais afortunados. O contraste, nas imagens recentes, entre
a mesquita e a zona em volta, totalmente arrasada, atesta
a voracidade do tsunami.
A mesquita também é símbolo da religiosidade
de Aceh, onde se pratica um Islão mais austero
do que é costume no resto da Indonésia.
Por motivo desses traços culturais específicos,
e referindo a sua postura sempre anti-colonialista, Aceh
tem reclamado um estatuto especial após a independência
da Indonésia. Não cumpridas as promessas
feitas pelo governo em Jacarta, no ano de 1976 foi fundado
o GAM (Gerakan Aceh Merdeka), o movimento por um Aceh
independente. A luta travada entre este movimento separatista
e as forças armadas indonésias já
provocou milhares de mortes, e clivagens consideráveis
dentro da população. Recentemente, o governo
concedeu um estatuto autónomo à província,
onde entretanto foi introduzido o syariah ou lei islâmica.
Mas não foi o suficiente para cessarem as hostilidades.
Já há muitos anos, o governo indonésio
tem vedado Aceh aos estrangeiros, devido à situação
de guerra efectiva. A luta do GAM tem recebido pouca atenção
internacional. Agora, parece que todos nós conhecemos
Aceh: vêem-se e ouvem-se as suas crianças,
os seus homens e mulheres, - pessoas cujas vidas serão
totalmente diferentes após as perdas provocadas
pelo tsunami. Por um tempo, a guerra armada dá
lugar a uma outra guerra: aquela contra as doenças,
contra a destruição progressiva do ambiente,
contra o desespero total.
No entanto, embora o povo de Aceh esteja unido na sua
tristeza, parece que não haverá uma união
mais permanente e que a guerra civil vai continuar.
Poucos dias antes do Natal, numa reunião científica
em Jacarta, estive com o Professor Muhamad Isa Suleiman,
da Universidade Syiah Kuala em Banda Aceh. Na sua comunicação,
este conceituado historiador, de sorriso fácil,
tinha a coragem de tratar os problemas políticos
delicados na sua província e ao nível nacional.
Depois do congresso, iria regressar a Aceh. Onde é
que ele estará agora? A mim e aos meus colegas
europeus não foi possível estabelecer contacto.
Só se sabe que a zona de residência dos seus
familiares foi totalmente destruída…
Um dos tópicos debatidos do dito congresso foi
precisamente a negligência no mundo internacional
de Aceh e dos seus problemas. Quem iria então prever
que em poucos dias esta situação se iria
mudar, e por motivos tão trágicos?
*Docente do Departamento de Sociologia
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