José Geraldes

As chaves do Natal


Natal quer dizer nascimento, dia de aniversário. A Igreja Católica celebra todos anos o Natal para lembrar ao mundo o facto histórico do nascimento de Jesus e a revolução que veio trazer à Humanidade. Revolução de amor e de paz, de justiça e de bondade.
E que fizeram os homens do Natal ? O poeta António Gedeão resume como muitos vivem o Natal. Eis : “É só abrir o rádio e logo um coro de anjos / como se de anjos fosse / numa toada doce de violas e banjos / entoa gravemente um hino ao Criador /e mal se extinguem os clamores plangentes / a voz do locutor/ anuncia o melhor dos detergentes. /(...) Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas. / Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfusiante. (...) Nas lojas, na luxúria dos montras e dos escaparates / com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica / cintilam sob o intenso fluxo de milhares de quilovates / as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e cerâmica”.
Exagerada a descrição poética ? Não. Antes de um realismo provocador. E que nos interpela sobre o verdadeiro sentido do Natal nas sociedades modernas. Pois o Natal retratado pelo poeta tem a ver com vendas comerciais e não com a mensagem do Menino nascido numa mangedoura em Belém.
A mensagem centra-se na frase do evangelista João : “ E o Verbo fez-se carne”. Deus assume a condição humana. O coração do Homem. Para o salvar e lhe dar uma dimensão divina.
O Natal ensina-nos a transformar o dinheiro e o poder em meios para a felicidade e não em fins absolutos. A promover a justiça, a verdade, a solidariedade, a vencer a fome, a lutar contra o desemprego, a aumentar o nível de vida, a crescer no amor e na comunhão entre todos os homens. E como devemos crer e amar.
Por isso, não podemos passar ao lado do Natal se desejamos um mundo melhor. Sejamos crentes ou não crentes. Com razão, escreveu Oscar Wilde : “Mais tarde ou mais cedo cada homem é confrontado com a figura de Jesus”. Ninguém lhe fica indiferente. Dizer o contrário seria cair numa grande mentira.
Um teólogo alemão, Klaus Hemmerle, utiliza a comparação das quatro chaves para que o mundo de hoje se torne numa nova Belém. Os que têm a primeira chave ficam um pouco longe da porta principal. Mas por eles, também vem Jesus. A segunda chave abre a porta para o interior. Por ela, o Menino-Deus entra na casa da nossa vida.
A terceira chave leva-nos a abrir a porta dos que nos estão mais próximos que muitas vezes podem ser os mais estranhos. A quarta chave é a da porta principal, a de toda a nossa vida e do mundo. É preciso deixar entrar o Menino por esta porta para que o mundo moderno seja a Belém de hoje.
Com os rituais repetitivos do Natal, corre-se o risco de cair na tradição sem vida. Celebrar o nascimento de Jesus não é ter um feriado a mais no calendário. Seria muito redutor mesmo para quem se confessa agnóstico.
A solidariedade, a reconciliação, a justiça, a paz e a verdade são valores património de todos. Valores que o Menino-Deus trouxe ao mundo.
A quarta chave, a da porta principal, abre precisamente o caminho para que em cada homem aconteça Natal.