Por Eduardo Alves


Frederico Lopes apresentou um estudo inédito em Portugal, onde se analisa o papel do cinema na construção de uma imagem

O cenário podia muito bem ser escolhido para a rodagem um pedaço de filme. A sala dos Actos na Reitoria da UBI, antiga capela do Convento de Santo António foi o local onde Frederico Lopes expôs as suas teorias e as suas visões sobre o cinema português. Docente no Departamento de Comunicação e Artes da Universidade da Beira Interior, este investigador debruçou-se sobre mais de uma centena de filmes portugueses com a finalidade de encontrar neles um padrão que lhe conferisse a base para o seu doutoramento.
Estudo inédito em Portugal, esta investigação intitulada “O cinema português e o Estado Novo – Os cineastas e a imagem da polícia” traça as principais linhas cinematográficas de três décadas de ouro para a sétima arte portuguesa. A tese trata-se mais, como referiram alguns dos elementos do júri, de “um olhar cirúrgico sob o cinema português”. No entender da comunidade académica, este estudo produzido por Frederico Lopes “constituiu um documento histórico sobre o cinema no regime salazarista”. Palavras de João Mário Grilo, um dos elementos do júri, que acrescentou também o facto de “esta tese passar a servir de base a futuros trabalhos até porque aborda vários filmes marcantes e várias formas de estar na sétima arte”. De entre os cem filmes analisados pelo autor do estudo, e que estão compreendidos entre o período de 1925 e 1955, verifica-se que a imagem da polícia surge muito disfarçadamente como a imagem de mais uma autoridade”. Entre “Deus, Pátria, Família e Trabalho”, pilares fundamentais que Salazar não se cansou de apregoar e que ficam como imagem da fachada ditatorial, surge também a polícia e o seu poder repressivo e intimidatório. Uma simbologia ou significado que lhe foi sendo incutido, "não só, mas também, através do cinema”, adianta o autor.




Um trabalho anatómico sobre o cinema

Nesta pátria cinematográfica, onde “grande parte dos portugueses desconhece por completo a obra existente”, o autor desta tese de doutoramento propõem-se a acabar com “um mito crescente”. Através de um trabalho anatómico, Frederico Lopes “dissecou” grande parte das bases cinematográficas lusas. Na óptica de Lopes, o cinema português “tem muitos bons filmes e muitos bons trabalhos, só não têm merecido a devida atenção do público em geral”. Quando promovido, como fez Salazar, através de diversos métodos e variadas fontes, “o cinema torna-se numa tecnologia de transmissão de mensagem bastante eficaz”. De entre os vários cineastas analisados, uma vez que os filmes englobados pelo estudo determinaram também essa fonte, Frederico Lopes constrói três classes. Os cineastas colaboradores, os indiferentes e os resistentes. A relação que estes mantinham ou não com o Estado Novo confere uma perspectiva sobre a transmissão da imagem da polícia, que o regime impôs. A existência de um elo permite pensar cumplicidades, conivências ou divergências entre os cineastas e o poder policial da ditadura. Uma das conclusões que podem ser retiradas desta tese faz referência ao facto “da imagem da polícia, construída pelos filmes portugueses durante o Estado Novo, esclarecer as relações dos cineastas portugueses com a ditadura de Salazar e ter como destinatário a mente dos espectadores”. Sob a forma como a mensagem passa ou não através do cinema, Frederico Lopes sublinha o facto “desta ser uma arte perceptiva, onde o cineasta deixa a marca e a qualidade do seu pensamento”. As provas tiveram como arguentes Abílio Manuel Hernandez Ventura Cardoso, professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e João Mário Lourenço Bagão Grilo, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.