“Pedaços
soltos de cada um, turbilhão de sentimentos onde
o ralo do nosso ego é o centro mundo. Escoamos
raivas e frustrações, zangamo-nos…
mas não! Tentem um esgar; contorçam-se e
vejam-se ao espelho, riam, mas riam muito, e depois, chorem,
chorem ao ver o que se perde quando só olhamos
para baixo. Ergam-se, caminhem direitos, deixem fluir
a vida e passem por ela descalços. Que as agruras
sirvam de alimento para as vitórias seguintes,
qual mãe sabendo da imperfeição do
seu filho mesmo antes de o ver sair do ventre, o ama ainda
mais” (Sulamita Patrício).
Este é o ponto de partida para apreciar “Esgares
da Mar”, uma exposição de pintura
da artista plástica covilhanense Marta Fazenda,
patente na sala da Associação Professores,
Antigos Alunos e Empregados da Escola Campos Melo (APAE),
até ao dia 11 de Dezembro.
Com formação académica em Belas Artes,
Marta Fazenda cedo descobriu que a sua vocação
passaria pela pintura. Apesar de ter optado pela escultura
na faculdade, confessa que “a minha preferida é
a pintura.”.
“Esgares da Mar” é já a segunda
exposição desta artista plástica
na cidade da Covilhã. A primeira mostra, denominada
“Na ponta do ritmo incerto”, era composta
por várias peças de máquinas têxteis,
renovadas e reutilizadas, “que pensei pintar e dar-lhes
uma nova vida. Algumas delas também estão
expostas nesta segunda mostra”, salienta a autora
dos trabalhos.
A ideia de levar a cabo esta segunda exposição,
desta vez de pintura, surgiu, nas suas palavras, “de
uma necessidade de libertar os filhos, de desprender as
obras, guardadas desde 2002, no atelier”. “Senti
necessidade de lhes dar uma maior visibilidade, e de partilhar
com a sociedade a minha visão do mundo”,
acrescenta Marta Fazenda.
Mulher dos sete ofícios, já que também
tem um livro para ser publicado, com o título “Livro
da Mar”, Marta Fazenda não gosta de trabalhar
sobre pressão – “não sou uma
pessoa que vá propositadamente a um lugar para
fotografar, apenas fotografo se se proporcionar”
–, e gosta de fugir ao que está na moda.
Tal ideal é bem visível na sua mostra fotográfica
digital, em que retrata desperdícios numa fábrica
desactivada, pertença de seu pai, em que brinca
com os efeitos de luz em interacção com
os objectos distribuídos no espaço. Contudo,
ainda não foi exposta, “devido à má
qualidade da máquina utilizada”, refere.
A artista optou pela pintura
nas suas obras artísticas
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A exposição ao pormenor
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O título “Esgares da Mar” provém,
primeiramente, do seu nome (Marta), pois tem por hábito
assinar as suas obras com o diminutivo Mar. “Não
me pergunte porquê, que eu também não
sei”, comenta. Quanto ao vocábulo “esgares”,
“surgiu porque li esta palavra num livro e não
sabia o seu significado”. Curiosa, “fui consultar
em manuais especializados e constatei que eram caretas,
caras estranhas. E a minha exposição é
isso mesmo: uma sequência de retratos, expressões,
caretas”, esclarece Marta Fazenda.
Adepta incondicional do acrílico (“ seca
mais depressa, e gosto de ver como fica num curto espaço
de tempo”), a artista plástica utilizou,
na concretização das suas pinturas, materiais
usuais como o guache, grafite, a tinta-da-china, lápis
de aguarela, pastel de óleo e outros mais inusitados,
como o verniz das unhas, tabaco, aparas de lápis,
serradura.
Os quadros expostos são para venda, excepto um,
de seu nome “Apatia”: “É a minha
pintura preferida, e é a única que não
está à venda”. É uma tela pintada
num fundo azul, e, para Marta, representa a tristeza,
apatia da pessoa, distância: “Pintei esse
quadro numa fase em que precisava dar uma reviravolta
à minha vida”. Inadvertidamente, acrescentou
um pormenor que, no seu entender, é importante:
o terceiro olho, que, na cultura do ioga, com a qual simpatiza,
é sinónimo de conhecimento.
Como fontes de inspiração para esta mostra,
salienta pintores afamados como Munch, Pollock, Van Gogh,
“que são uma referência para mim. A
minha obra preferida é “O Grito”, de
Munch, e admiro o trabalho de Van Gogh, Pollock, Vieira
da Silva, Graça Morais, pintores aclamados da nossa
sociedade”. Quanto a Paula Rego, “tenho um
sentimento paradigmático: prezo o seu trabalho,
mas não me identifico com o resultado final”,
conclui.
Expectativas goradas
Em termos gerais, poucas pessoas se mostraram interessadas
em visitar a exposição e comprar as obras.
E, assim, “as expectativas goraram-se. A Covilhã
não é uma boa cidade para mostras deste
género. Apesar de já ser visível
uma cultura e de haver interesse no cinema alternativo,
a nível plástico esse interesse ainda não
se demonstrou”, enfatiza Marta Fazenda.
Acérrima defensora de uma sensibilização
acrescida para a cultura na educação, a
artista plástica considera o povo português
muito inculto, e insensível às artes plásticas:
“Acho que as pessoas estão fechadas no mundo
delas, e apenas se preocupam com problemas socio-económicos”.
Todavia, “tenho esperança que vá mudar,
e acredito que a minoria que aprecia a arte vai crescer.
Na Covilhã, nomeadamente, nota-se um maior interesse
por parte dos universitários; no fundo, é
inerente à formação das pessoas”,
vaticina.
Para já, Marta Fazenda tem três projectos
em vista, dos quais remete para “o segredo dos deuses”,
mas “pintar há-de continuar para sempre,
pois, para mim, pintura é catarse”, assegura.
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