Por José Reis


Uma exposição que está patente ao público na APAE mostra o trabalho de Marta Fazenda

“Pedaços soltos de cada um, turbilhão de sentimentos onde o ralo do nosso ego é o centro mundo. Escoamos raivas e frustrações, zangamo-nos… mas não! Tentem um esgar; contorçam-se e vejam-se ao espelho, riam, mas riam muito, e depois, chorem, chorem ao ver o que se perde quando só olhamos para baixo. Ergam-se, caminhem direitos, deixem fluir a vida e passem por ela descalços. Que as agruras sirvam de alimento para as vitórias seguintes, qual mãe sabendo da imperfeição do seu filho mesmo antes de o ver sair do ventre, o ama ainda mais” (Sulamita Patrício).
Este é o ponto de partida para apreciar “Esgares da Mar”, uma exposição de pintura da artista plástica covilhanense Marta Fazenda, patente na sala da Associação Professores, Antigos Alunos e Empregados da Escola Campos Melo (APAE), até ao dia 11 de Dezembro.
Com formação académica em Belas Artes, Marta Fazenda cedo descobriu que a sua vocação passaria pela pintura. Apesar de ter optado pela escultura na faculdade, confessa que “a minha preferida é a pintura.”.
“Esgares da Mar” é já a segunda exposição desta artista plástica na cidade da Covilhã. A primeira mostra, denominada “Na ponta do ritmo incerto”, era composta por várias peças de máquinas têxteis, renovadas e reutilizadas, “que pensei pintar e dar-lhes uma nova vida. Algumas delas também estão expostas nesta segunda mostra”, salienta a autora dos trabalhos.
A ideia de levar a cabo esta segunda exposição, desta vez de pintura, surgiu, nas suas palavras, “de uma necessidade de libertar os filhos, de desprender as obras, guardadas desde 2002, no atelier”. “Senti necessidade de lhes dar uma maior visibilidade, e de partilhar com a sociedade a minha visão do mundo”, acrescenta Marta Fazenda.
Mulher dos sete ofícios, já que também tem um livro para ser publicado, com o título “Livro da Mar”, Marta Fazenda não gosta de trabalhar sobre pressão – “não sou uma pessoa que vá propositadamente a um lugar para fotografar, apenas fotografo se se proporcionar” –, e gosta de fugir ao que está na moda. Tal ideal é bem visível na sua mostra fotográfica digital, em que retrata desperdícios numa fábrica desactivada, pertença de seu pai, em que brinca com os efeitos de luz em interacção com os objectos distribuídos no espaço. Contudo, ainda não foi exposta, “devido à má qualidade da máquina utilizada”, refere.




A exposição ao pormenor

O título “Esgares da Mar” provém, primeiramente, do seu nome (Marta), pois tem por hábito assinar as suas obras com o diminutivo Mar. “Não me pergunte porquê, que eu também não sei”, comenta. Quanto ao vocábulo “esgares”, “surgiu porque li esta palavra num livro e não sabia o seu significado”. Curiosa, “fui consultar em manuais especializados e constatei que eram caretas, caras estranhas. E a minha exposição é isso mesmo: uma sequência de retratos, expressões, caretas”, esclarece Marta Fazenda.
Adepta incondicional do acrílico (“ seca mais depressa, e gosto de ver como fica num curto espaço de tempo”), a artista plástica utilizou, na concretização das suas pinturas, materiais usuais como o guache, grafite, a tinta-da-china, lápis de aguarela, pastel de óleo e outros mais inusitados, como o verniz das unhas, tabaco, aparas de lápis, serradura.
Os quadros expostos são para venda, excepto um, de seu nome “Apatia”: “É a minha pintura preferida, e é a única que não está à venda”. É uma tela pintada num fundo azul, e, para Marta, representa a tristeza, apatia da pessoa, distância: “Pintei esse quadro numa fase em que precisava dar uma reviravolta à minha vida”. Inadvertidamente, acrescentou um pormenor que, no seu entender, é importante: o terceiro olho, que, na cultura do ioga, com a qual simpatiza, é sinónimo de conhecimento.
Como fontes de inspiração para esta mostra, salienta pintores afamados como Munch, Pollock, Van Gogh, “que são uma referência para mim. A minha obra preferida é “O Grito”, de Munch, e admiro o trabalho de Van Gogh, Pollock, Vieira da Silva, Graça Morais, pintores aclamados da nossa sociedade”. Quanto a Paula Rego, “tenho um sentimento paradigmático: prezo o seu trabalho, mas não me identifico com o resultado final”, conclui.

Expectativas goradas

Em termos gerais, poucas pessoas se mostraram interessadas em visitar a exposição e comprar as obras. E, assim, “as expectativas goraram-se. A Covilhã não é uma boa cidade para mostras deste género. Apesar de já ser visível uma cultura e de haver interesse no cinema alternativo, a nível plástico esse interesse ainda não se demonstrou”, enfatiza Marta Fazenda.
Acérrima defensora de uma sensibilização acrescida para a cultura na educação, a artista plástica considera o povo português muito inculto, e insensível às artes plásticas: “Acho que as pessoas estão fechadas no mundo delas, e apenas se preocupam com problemas socio-económicos”.
Todavia, “tenho esperança que vá mudar, e acredito que a minoria que aprecia a arte vai crescer. Na Covilhã, nomeadamente, nota-se um maior interesse por parte dos universitários; no fundo, é inerente à formação das pessoas”, vaticina.
Para já, Marta Fazenda tem três projectos em vista, dos quais remete para “o segredo dos deuses”, mas “pintar há-de continuar para sempre, pois, para mim, pintura é catarse”, assegura.