O Manual
dos Inquisidores
de António
Lobo Antunes
Por Eduardo Alves
Por entre
uma salada russa feita de ingredientes sociais com bêbedos,
pobres, oportunistas e simples sonhadores surge um conjunto
restrito de pessoas. Escolhidas pelo autor para constarem
como personagens de monta num livro histórico e intemporal.
O burburinho social que se vive logo após o mês
de Abril do ano de 1974 serve de sustentação
a este retrato colectivo que António Lobo Antunes imprime
na chapa da escrita. Como uma foto feita de palavras, o médico-escritor,
narrador por excelência, transforma-se na consciência
de um povo que tinha acabado de cair por terra e começa
agora a erguer-se do chão.
O fascismo aparece como grande herança do regime salazarista.
Isto porque, na óptica deste antigo combatente, a sociedade
mal se transformou com a revolução, apenas se
maquilhou para surgir com uma outra imagem, mas da mesma forma.
Desigual, carregada de vícios e sustentada por jogo
de poder. Um dos ministros de Salazar ganha mesmo o estatuto
de personagem principal em dezenas de páginas do romance.
A crueldade das decisões vai contrastando com a capacidade
de bem-querer a alguns. Poder e liberdade de acção
extravasam para alguns, enquanto a maioria, os pobres que
já estavam na miséria, sentiam na pele e no
corpo os malefícios destas políticas. Para aqueles
que levantavam a voz, a polícia vinha com “estalos
evangélicos” colocar o tom de voz num timbre
mais baixo. Leitura intemporal, que ainda hoje encontra muitas
semelhanças com a realidade.
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