António Fidalgo
|
Autonomia
e Estudo
Um dos problemas
graves do ensino superior português é a falta
de autonomia dos estudantes. Por culpa do próprio
sistema de ensino e por culpa dos próprios estudantes,
como veremos.
Por autonomia entende-se a capacidade de uma pessoa pensar
e decidir pela própria cabeça. Literalmente,
nunca é demais lembrá-lo, autonomia significa
a lei (nomia) de si próprio (auto). É isso
fundamentalmente que distingue uma criança de um
adulto. Dizemos que os adultos chegaram à idade
da razão, que têm de assumir a responsabilidade
dos seus actos, justamente por a autoria das suas acções
lhes caber a eles e a não a outros.
O sistema universitário português é
demasiado escolarizado. Quando deveria haver uma correspondência
ao que se passa na vida civil dos estudantes, em que estes
assumem os direitos e os deveres de cidadania, o ensino
superior apenas prolonga o secundário, tal como
este é a continuação do ensino básico.
O ensino escolarizado é o ensino em que os currículos
estão feitos e os alunos se limitam a aprender
o que lhes é imposto por terceiros, seja o Ministério
nos ensinos primário e secundário, seja
a Universidade no superior. Que as coisas podem ser diferentes,
e são diferentes em outros lados, basta olhar para
as universidades em que o primeiro mês de aulas
é dedicado ao “go shopping”, ao ir
às compras. Ou seja, os alunos, vão a muitos
e diversos cursos para verificar quais os temas e os professores
do seu interesse e do seu agrado, e só final desse
mês procedem à inscrição nos
cursos que efectivamente querem frequentar e onde querem
ser avaliados. Claro que existem linhas mestras (os majors)
que o estudante deve seguir, seja para obter um formação
específica no final do curso, seja para mais tarde
fazer uma formação profissional em saúde,
direito ou gestão, entre outras. Mas fica a cargo
do estudante decidir e construir o seu estudo.
Os estudantes portugueses também têm culpa
na falta de autonomia nos seus estudos. Desde logo porque
é muito mais fácil ter tudo feitinho à
partida e não ter de se chatear com escolhas, que
podem sair obviamente furadas. Quando existem cadeiras
opcionais nos currículos, os alunos vêem
isso como uma chatice, pois têm de conciliar horários
e deslocações. Preferem que seja a universidade
ou os professores a estipular e a dizer o que devem fazer.
Se algo correr mal, obviamente que a culpa não
é dos estudantes, eles limitam-se a seguir o que
a universidade prescreve. A culpa é sempre da instituição
e eles sempre pobres vítimas. Não vêem
que o erro maior, o erro de facto crasso, é justamente
esse de não quererem ser autónomos, não
arriscar assumir a configuração do próprio
estudo.
Muito se tem falado agora, a propósito e a despropósito
do processo em curso de criação de um espaço
europeu de ensino superior, conducente à mobilidade
de estudantes e professores e ao reconhecimento de graus
académicos, o chamado processo de Bolonha, sobre
um ensino centrado no aluno. Que se entende por isso,
de ensino centrado no aluno? O que por vezes se ouve e
se lê sobre o tema raia a insensatez, quando não
a palermice. Inexistência porventura de aulas magistrais?
Saberão os que isso afirmam, que as aulas magistrais
sempre foram o coração do saber universitário
porque justamente constituem a exposição
sistemática de um saber novo e que os manuais científicos
resultam normalmente dessas aulas? Professores mediadores
e facilitadores? Apetece perguntar: mediadores e facilitadores
de quê? De saber? Mas quem isso diz julga porventura
que o saber se encontra num qualquer baú (seja
sob a forma de livro ou de computador a que o professor
deve levar o aluno de modo a este
não perder tempo)?
O professor não deve ser mediador nem facilitador
de nada, deve ser simplesmente professor. O saber e a
ciência não existem hipostasiados dos professores,
residem sim, ou deveriam residir, na acção
deles enquanto professores. Investigar e ensinar é
o que devem fazer e os alunos devem ser livres, autónomos
e responsáveis, para com eles aprender.
Não há ensino mais verdadeiramente centrado
no aluno do que aquele em que cabe ao aluno escolher matérias
e professores e estudar por si. O centro é a autonomia
e a responsabilidade do aluno. De contrário temos
centros falsos, como quando se diz que a educação
deve ser virada para a criança e isso apenas conduz
a comportamentos auto-centrados e egoístas. Basta
ter alguma experiência de ensino para saber que
o pior ensino é o que se resume à apresentação
de trabalhos dos alunos. Cada grupo de alunos apresenta
um tema despernado numa aula, desligado do trabalho anterior
e do seguinte, sem qualquer enquadramento teórico.
Não é descabido o receio de que o chavão
do “ensino centrado no aluno” encubra demissão
e incompetência de professores.
Desde sempre o estudo foi o sinal e a pedra de toque da
autonomia dos estudantes. O esforço, a solidão,
a exigência que o estudo exige é próprio
de alguém adulto, que sabe que tem de cumprir os
seus deveres e que a vida não é uma brincadeira
continuada. No estudo como na vida em geral.
|