Paulo Serra

Difícil democracia


Estas palavras de Popper, se enunciam uma condição necessária da democracia, não enunciam, no entanto, a condição suficiente desta. Queremos com isto dizer que, num regime democrático, pelo menos tão importante como a forma como se acede ao poder é a forma como se exerce esse mesmo poder.
Que assim é demonstra-o, de forma perfeita, o exemplo de Hitler, consagrado no poder pelas eleições legislativas de 5 de Março de 1933, em que o Partido Nazi obteve 43,7 % dos votos. Convém, é claro, ter em conta os antecedentes de tais eleições: a 30 de Janeiro do mesmo ano Hitler fora nomeado Chanceler da Alemanha pelo Presidente-Marechal Hindenburgo; a 1 de Fevereiro fora dissolvido o Reichstag (Parlamento); a 27 tinha-se dado o incêndio do mesmo, encomendado pelo próprio Hitler com o objectivo de inculpar os comunistas; a 28 tinham sido suprimidas as liberdades constitucionais, a começar pela liberdade de imprensa.
Sem pretendermos, de forma alguma, compará-los com Hitler – este serve apenas de exemplo limite para o nosso argumento -, o que é certo é que também alguns dos protagonistas do poder democrático nacional, regional e local do nosso País se revelam como “democratas” na hora da sua eleição para o poder mas verdadeiros tiranetes na hora do exercício desse mesmo poder. Um dos aspectos em que tal tendência para a tirania se revela com mais veemência é, precisamente, na relação desses protagonistas com a imprensa.
Essa relação tende a assumir duas formas fundamentais: uma, mais subtil e indirecta, que escapa à generalidade do público leitor, procura controlar os órgãos de comunicação influenciando os seus directores, avençando alguns dos seus jornalistas ou tornando-os em vozes do dono mais ou menos privilegiadas, concedendo-lhes receitas de publicidade, outorgando-lhes determinados serviços, etc.; outra, mais clara e directa, procura silenciar os jornalistas recusando-lhes o direito de informar, relegando-os para as margens do poder e das instituições, proibindo-lhes o acesso a determinadas reuniões e outros eventos, utilizando sobre eles, em casos mais extremos, a própria coacção física.
Destas duas formas, a primeira é, sem dúvida, a mais generalizada, eficaz e perigosa – é como aquelas doenças que matam devagar e sem sintomas. Quanto à segunda, quase sempre ela obtém o contrário do que pretendem os seus autores: não só porque se torna, ela própria, notícia, e das mais apetecidas, acarretando um verdadeiro efeito de onda, mas também porque tende a fazer surgir e a desenvolver-se, em progressão geométrica, aquilo a que se chama uma “má imprensa”. A médio prazo ela representa, portanto, um verdadeiro suicídio (político) na praça pública. Quando suficientemente espectacular, este suicídio merece, enfim, uma última notícia na imprensa – na secção da necrologia política.