António Fidalgo

Desnortes

É patente um desnorte na sociedade portuguesa neste Outono de 2004. Os sinais mais visíveis foram o começo inenarrável do ano escolar e o feriado a martelo da segunda feira antes do 5 de Outubro. Poder-se-ia julgar que como estes dois exemplos foram da responsabilidade directa do Governo, só a este cabem as culpas do desnorte reinante. Mas não, o governo é o nosso e, de algum modo, temos o governo que merecemos, e o desnorte é geral. Basta olhar para as televisões, para a voracidade com que caem sobre um crime hediondo numa aldeia algarvia, para os exibicionismos bajojos do “jet menos sete” nacional sem água canalizada e sem luz eléctrica, mas filmados e gravados, para as ordinarices dos dirigentes dos clubes futebolísticos, para verificar que o desnorte não se confina ao Terreiro do Paço, mas extravasou para a sociedade.
Contudo, lá por o desnorte soprar como forte nortada pelos mais variados sectores, não quer isso dizer, que não se devam chamar os nomes pelos bois. Há que falar alto e claro para denunciar e criticar o que cada um acha que está mal. Há que exercer o dever de cidadania e afrontar os poderes que se arrogam do direito de ficar acima da crítica ou do escrutínio dos média. Sim, há que fazer tudo o que nos pede e exige a consciência cívica e de cidadania. Mas, além disso, é importante e imprescindível que cada um pessoalmente mantenha o seu norte. Se o professor preparar as suas aulas, se o empresário mantiver cabeça fria na actividade e na estratégia, se o trabalhador aumentar a sua produtividade, se o estudante estudar, se todos fizerem o seu dever, então esse desnorte generalizado passará como passam as nortadas por piores que sejam.
Há uma seriedade e uma sobriedade de vida e de porte que se podem impor aos que ocupam o espaço mediático. Podem os bobos das televisões julgar que o seu reinado não chegará ao fim, que os tempos da paródia ainda estão para durar. Não há porém folia que não farte, e realidade que não venha ao de cima. Até lá é de manter o norte de uma vida pessoal séria.