Paulo Serra
|
O poder do
futebol
O regime salazarista usou e abusou de tal modo do futebol
como meio de diversão – circo em vez de pão
- que a oposição antifascista passou, a
partir de certo momento, a encará-lo como uma verdadeira
“alienação” de que só
a democracia poderia libertar os portugueses. Ora, trinta
anos depois do 25 de Abril, forçoso é reconhecer
que o futebol tem, entre nós e a nível mundial,
uma força a que a força de nenhuma outra
actividade, desportiva ou não, se pode comparar.
Há, para isso, razões mais ou menos óbvias:
a transformação do futebol numa indústria
que, de forma directa ou indirecta, movimenta milhões;
a mediatização extrema, que chega a fazer
com que determinadas televisões se tornem accionistas
principais de sociedades desportivas como forma de assegurarem
conteúdos para os seus espaços de emissão;
as novas modalidades de relação entre a
política e o futebol, que, para além da
já conhecida politização do futebol,
se traduz hoje numa verdadeira futebolização
da política.
Mas há uma outra razão, menos óbvia,
para a importância que o futebol atingiu nas nossas
sociedades: o seu carácter de símbolo. O
futebol transformou-se, hoje, numa forma essencial de
cada região se afirmar no seio de uma nação,
de cada nação se afirmar no conjunto de
todas as nações. Ao assumir este carácter
simbólico, o futebol transformou-se, simultaneamente,
num substituto e num condensador do conjunto da cultura
– pelo que, quando se diz que o futebol “também
é cultura”, já só se peca por
defeito. Ao mesmo tempo, só com esta transformação
entra literalmente pelos olhos dentro a afirmação
de Nietzsche segundo a qual a cultura do “filisteu
cultivado” – a cultura dominante do nosso
tempo - não passa de uma “barbárie
estilizada”. Que, no fundo, desde há muito
que somos uma claque – mas só agora o descobrimos.
|