Anabela Gradim
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Liberdade
«A liberdade de imprensa, por
exemplo, é um desses tipos de liberdade do liberalismo,
liberalismo que luta apenas contra a coerção
da censura e da vontade pessoal, mas de outro modo mostrando-se
extremamente inclinado e disposto a tiranizar a imprensa
através de “leis de imprensa”; os liberais
cívicos querem liberdade para escreverem para eles
próprios; pois, como são zelosos cumpridores
da lei, os seus escritos não lhes trarão
problemas com esta. Apenas temas liberais, apenas temas
legais, poderão ser publicados; de outra forma
as leis de imprensa ameaçam com crimes de imprensa
e consequente punição», escrevia o
obscuro Max Stirner em meados de 1845. De então
para cá nem tantas coisas mudaram. Está
certo que temos «leis» para «proteger
os jornalistas», mas a esse propósito nada
como o edificante artigo de António Marinho Pinto,
candidato a bastonário da Ordem dos Advogados,
significativamente intitulado «O cerco legislativo
à Comunicação Social» onde
este tenta mostrar como, desde os tempos de Cavaco Silva,
o quadro legal que rege o direito de informar, constitucionalmente
consagrado, se tem tornado cada vez mais gravoso e oneroso
para os profissionais de comunicação, e
que representa não um avanço, como nos querem
fazer crer, mas um recuo, nos direitos e liberdades destes.
Talvez isso seja um dos factores que explique o facto
de não termos jornalismo de investigação
(sai caro, e pode sair muitíssimo caro); e que
aquilo a que hoje pomposamente se chama «investigação»
nada mais seja do que recados enviados por intermédio
dos moços da comunicação, como o
escândalo das cassetes roubadas no Correio da Manhã
mostrou à saciedade a quem quis ver.
As relações entre o político e a
economia sempre foram densas e nebulosas, mas sabemos
que existem, e pressentimos como comandam as nossas vidas.
Não deveria surpreender-nos o «caso Marcelo»
que esta semana marcou a actualidade noticiosa, embora
tenham produzido esse efeito certas declarações
destinadas desvalorizá-lo, no estilo do «é
uma relação entre uma empresa privada e
um seu tarefeiro». Ó senhores, é precisamente
tudo o que não é. Mas prestais um grande
serviço à causa da liberdade falando assim.
O caso, para lá da importância em si que
indubitavelmente tem, é uma boa oportunidade para
reflectir sobre as relações entre o poder
e os media; sobre os perigos da concentração
dos grandes grupos de comunicação social;
sobre as relações entre os governos e os
grandes grupos económicos, e entre as autarquias
e os jornais e rádios locais. Para reflectir, também,
sobre a precaridade das relações laborais
que se instalou nas redacções – Sindicato
dos Jornalistas, é consigo esta parte – e
da forma como isso conduz à auto-censura e à
manipulação mais torpe – nem que seja
apenas na forma como se seleccionam aqueles que hão-de
ficar. A proletarização dos jornalistas
não pode trazer nada de bom.
Claro que os jornais podem ter linhas editoriais, e alinhar
por este, ou aquele diapasão. A falta de liberdade
instala-se é quando desaparece a diversidade, o
oito e o oitenta. E nesse sentido a concentração
de empresas, que é um dado irreversível,
constitui a maior ameaça.
É uma ilusão crer que o Estado, ou os poderes
económicos, ou a invisível mão do
mercado, poderão proteger, sustentar ou corrigir
a «liberdade de imprensa» e demais liberdades
cívicas. Liberdade é um direito que os homens
livres exercem por sua conta e risco, e pelo qual pagam
um preço elevado. Portugal parece precisado de
homens assim. Mas também em todos os tempos, e
em todos os lugares, Portugal incluído, houve sempre
quem estivesse disposto a sacrificar-se por ela. Pena
que agora pareçam ser tão poucos. Ou talvez
que, como em todos os casos de “antes quebrar que
torcer”, quando aumenta a pressão, aumenta
também a resistência que se lhe opõe.
É isso que ainda espero.
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