Por Daniela Santos e Marisa Avelar



“Este espectáculo é a tentativa de fazer uma síntese de tudo o que eu aprendi neste tempo todo de profissão”

Urbi et Orbi – Conhecemo-la das telenovelas, no entanto, já fez muito teatro e algum cinema. Qual destes palcos prefere?
Regina Duarte –
Gosto dos três. Acho que não dá para fazer uma coisa só. É importante para o actor diversificar, fazer um pouco de cada um, porque a televisão pode ser considerada uma boa vitrine para mostrar o que já se aprofundou no teatro. O cinema tem uma proposta interessante para o actor, porque ele fica intermediário entre a urgência da televisão e a tranquilidade com que as coisas são feitas no teatro. No meu espectáculo “Coração Bazar”, nós pesquisámos mais de quatro meses. O cinema já não é tão lento, mas também não tem a pressa e a urgência da televisão. Eu gosto dos três e dou-me bem nos três.

U@O – Sabemos, no entanto, que começou no teatro.
R.D. –
Comecei no teatro amador e depois é que fui chamada para a televisão, sou então basicamente uma actriz de teatro, embora ao longo destes 40 anos tenha feito mais televisão do que teatro, que é onde eu me reabasteço.

U@O – Os seus pais influenciaram-na na decisão de ser actriz?
R.D. –
Não considero que me tenham influenciado, foi uma escolha minha. A influência deles realizou-se no valor que atribuíam às artes e no facto de me estarem sempre a apresentar as coisas boas das artes. O meu pai era um homem que gostava muito de ler e escrever. Eu acho, que o facto dos meus pais gostarem de arte teve um papel decisivo na minha vida.

U@O – Mas apoiaram-na?
R.D. –
Apoiaram-me totalmente! Acharam o máximo, porque provavelmente era aquilo que eles gostariam de ter feito na vida e não tiveram condições.

U@O – Como vê o facto da sua filha seguir as suas pisadas?
R.D. –
Foi óptimo, porque nos une muito termos a mesma profissão. É uma coisa que não foi planeada, não foi esperada. Ela foi-se revelando actriz desde muito nova.

U@O – Na sua vasta carreira qual foi a personagem que mais gostou de fazer?
R.D. –
Gostei de todas. Considero que todas foram importantes, com todas elas aprendi muito, todas me acrescentaram novos conhecimentos. É difícil escolher alguma em especial.

U@O – Porque foi considerada a “namoradinha do Brasil”?
R.D. –
Acho que pelos papeis de boa moça, submissa, sofredora, altruísta...


“ Nós nunca somos uma coisa só”



“Coração aberto a todas as tendências”

U@O – Fala em submissa, hoje sente-se mais livre?
R.D. –
A gente procura sempre ser livre, mas logo cedo se aprende que também a liberdade implica responsabilidade. A liberdade é relativa, o importante é sermos responsáveis por nós mesmos e fazermos as nossas opções. Todos o gestos têm consequências. A liberdade é quase um mito.

U@O – Faz em 2005, 40 anos de carreira. “Coração Bazar” é uma espécie de comemoração?
R.D. –
Com certeza! Não é nada propositado, eu mesma só me dei conta disso este ano. O ano passado quando eu passei os meses entre Julho e Novembro a estudar, pesquisar e a preparar o espectáculo, nem me ocorreu que em 2005 completava 40 anos de carreira profissional. Mas, hoje olho e vejo que o espectáculo é a tentativa de fazer uma síntese de tudo o que eu aprendi neste tempo todo de profissão.

U@O – Porquê só agora um monólogo, depois de tantos anos de carreira?
R.D. –
Acho que ainda não estava madura, preparada para isso. Para passar uma hora e tal sozinha em palco diante do público e porque sempre me preocupou o conteúdo desse encontro. Acho que, até agora, nada me deu segurança a ponto de enfrentar este desafio e com “Coração Bazar” acho que consegui. Juntamente com o director – José Possi Neto – cheguei a um espectáculo que não é um recital, mas que é um espectáculo de teatro com conflito, com drama, com muitas emoções, muito humor, com uma série de ingredientes próprios do teatro que eu considero que é um espectáculo que desperta o tempo todo o interesse da plateia. E além disso, penso que hoje tenho consciência de mais coisas do que a algum tempo atrás e também gostaria de partilhar essas aprendizagens com a plateia que acompanha o meu trabalho.

U@O – Mas tinha há muito tempo vontade de o fazer?
R.D. –
Tinha vontade de ter um encontro mais cara a cara com o público; eu e ele.

U@O – Não se sente sozinha em palco?
R.D. –
Não, porque tenho uma equipa enorme comigo. Eu contraceno com o operador de luz, com o operador de som, dependo do Beto que me ajuda a trocar de roupa rapidamente nos bastidores e do Márcio que cuida de todos os efeitos especiais do espectáculo. É uma equipa grande que está ali comigo, actuando comigo o tempo todo.

U@O – Porquê “Coração Bazar”?
R.D. –
Porque é o que melhor define a ideia que a gente tem de coração do artista, coração que tem de estar aberto a todas as tendências, para ser assim o espelho da humanidade na sua complexidade, na sua multiplicidade. Então, há uma expressão de Fernando Pessoa que usamos para nomear o espectáculo e que conseguimos para melhor definir o coração do artista, o coração democrático.

U@O – Porquê estas seis mulheres que aparecem na peça?
R.D. –
Não havia a intenção de criar seis mulheres, foram surgindo dentro dos textos que foram sendo eleitos por mim. Conforme eu fui escolhendo os textos, o director foi notando que cada um daqueles textos tinha a voz de uma mulher diferente. Então no final, quando o texto ficou pronto começou a apontar para mim, o que foi uma surpresa, “essa é uma mulher, essa é outra, veja como essa é revoltada, a outra é carente, olha como essa é segura, a outra é sensual, essa é agressiva”. Foi assim que nós começámos a prestar atenção a essas diferenças e a acentuar a criação das personagens.


“Fernando Pessoa é o maior poeta de todos os tempos”

“A liberdade implica responsabilidade”

U@O - Identifica-se com alguma?
R.D. –
Acho que sou todas elas, se não sou ao mesmo tempo já fui. E penso que nós nunca somos uma coisa só. Acho que temos várias facetas, vários lados, nós temos um centro, mas tem muitas mulheres na periferia, em cada um do nosso “eu”. Então, julgo que são essas mulheres que aparecem em “Coração Bazar”.

U@O – Porque é que seleccionou e escolheu textos de poetas portugueses e porquê esses?
R.D. –
Primeiro porque sou apaixonada por eles e porque eles falam comigo, falam de mim. Porque eu gostaria de falar nesse momento com a plateia, acho que a Florbela Espanca vem falar sobre o amor que é o tema básico do espectáculo. E o Fernando Pessoa faz reflexões profundas sobre a vida, o coração dos artistas, as seguranças, as inseguranças, uma série de assuntos com os quais eu me identifico profundamente. A visão que ele tem desses temas de vida, morte, alegria, insegurança, enfim, eu identifico-me muito com isso. Ele para mim é o maior poeta de todos os tempos. Acho que influenciou poetas no mundo inteiro, ele é uma influência literária impressionante e eu tenho, muito orgulho em falar a mesma língua que ele e não precisar de ler Fernando Pessoa traduzido. Eu gosto muito dele, a ponto de evitar logo no início da pesquisa chegar a Fernando Pessoa porque sabia que quando chegássemos nós estaríamos completamente rendidos.

U@O – Como é que o público português tem reagido à peça?
R.D. –
Bem, muito bem. Com emoções, divertindo-se, aplaudindo, revendo muitas vezes, porque as pessoas vêem e querem ver de novo, assistem duas, três vezes, trazem a família no dia seguinte. As pessoas querem levar o texto para casa porque acham que uma só vez é pouco, gostam muito do que estão ali a ouvir. Estou muito satisfeita, porque temos estado com casas lotadas, bilhetes esgotados e com uma recepção extremamente boa.

U@O – Gostou de pisar o palco do Teatro-Cine?
R.D. –
Gostei muitos. Estava um pouco preocupada porque terça-feira foi feriado e achava que ia ter pouca gente, mas realmente foi uma surpresa ver a casa lotada, fiquei muito feliz.

U@O – É a primeira vez que está na Covilhã?
R.D. –
Sim, nesta região é! Em Portugal não!

U@O – Tem vontade de regressar?
R.D. –
Ah sim, com certeza! Tenho vontade de vir no Inverno. É uma cidade muito linda, organizada, limpa, saudável e dá uma ideia de tranquilidade e uma boa sensação...




A artista comemora 40 anos de carreira



Perfil de Regina Duarte



Regina Blois Duarte nasceu em Franca, Estado de São Paulo, em Fevereiro de 1947. Tem aquário como signo e é a primogénita de cinco filhos.
Foi casada quatro vezes. Tem três filhos e mora em S. Paulo, Brasil.
Trabalha na rede Globo Televisão. Faz 40 anos de carreira em 2005.
Participou em 25 telenovelas e já fez mais de 10 peças de teatro.
Participou em 8 filmes e foi protagonista em 12 telenovelas.
Entrou no Guiness como a mais importante actriz de telenovelas no Brasil. Gosta de ir ao teatro e ao cinema, mas prefere viajar.
Caminha 40 minutos por dia e dispensa o elevador.