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O prestígio da Universidade
O que é o prestígio
de uma Universidade? Talvez fosse mais fácil falar
do desprestígio da Universidade e desenharíamos
assim, em negativo, o pretenso prestígio. Seria
fácil, em parte verdadeiro, mas ainda assim ilusório,
elencar a «licealização» galopante,
a inflação dos diplomas e as fugas em frente,
as dificuldades de recrutamento de pessoal, a mediocridade
dos docentes, os constrangimentos financeiros e a autêntica
«caça ao aluno», as contínuas
alterações e reformas do quadro legal, a
burocracia que ameaça acabar com as nossas florestas
(como a «máquina» devora papel!), as
políticas ao sabor de cada novo arrivista que se
senta na cadeira do poder, a demagogia, a sobrecarga de
trabalhos, enfim, fazer o rol de todos os males que nos
deixam os dias em carne viva.
Mas com tudo isto, ainda não teríamos captado,
em negativo, o suposto prestígio da Universidade,
nem teríamos tocado o cerne do problema. Responder
à pergunta «O que constitui o prestígio
da Universidade?», se não se quiser cair
nos esquemas de «prestidigitação»,
exige pôr a interrogação no quadro
mais amplo das finalidades da instituição
universitária numa sociedade. Tenho para mim que
o prestígio real, verdadeiro, da Universidade reside
no saber e na ciência que cria. Digo bem: cria,
e não apenas reproduz. O que numa Universidade
não está em ordem à excelência
do saber e à ciência está a mais e
devia ser extirpado como um cancro. As lógicas
tautológicas que apenas mantêm a composição
em andamento, gerindo a inércia, apanhando alunos
numa estação, largando-os noutra (ou deixando-os
pelo caminho, se não forem eles próprios
a saltar em andamento), que não sabem nem querem
saber para onde vão, sem jamais se questionarem
sobre os fins da instituição universitária
são lógicas mesquinhas — mon bureau...
—, suicidárias, que se despistam na primeira
curva da estrada (e algumas em Portugal já começaram
a «estampar-se»...). Novas instituições
de ensino superior vão surgir: oxalá não
nasçam póstumas. O prestígio que
vem do reconhecimento das pares, quais coniventes piscadelas
de olho, é inútil. O saber, o saber, o saber,
três vezes o saber: eis o prestígio de uma
Universidade. As revistas — as que existem e as
que têm de criadas —, os graus académicos,
os artigos e livros dos docentes, as conferências
em nome da Universidade, a competência, as carreiras
profissionais, os cargos, os secretariados, etc., etc.,
tudo está em função do saber. Este
não é uma mercadoria, «pacotes de
bytes» intermutáveis, que qualquer um fornecer:
é uma atitude, é um estado de espírito.
É para mim indiscutível que as Universidades
são também locais de transmissão
de conhecimentos adquiridos, sobretudo os de feição
profissionalizante. E é igualmente inequívoco
que o saber gerado por uma sociedade tem de reverter para
essa sociedade. Mas, exactamente por isso mesmo, o saber
universitário não pode viver a reboque das
pressões conjunturais, variáveis como cata-ventos.
Nem sempre o retorno pode ou deve vir sob a forma de micro-ondas.
Pede-se à Universidade um outro olhar, uma avaliação
crítica de ciclo mais longo, um respiro de profundidade
que vá além dos indicadores sociais muitas
vezes objecto de cosméticas, de fitas e de atavios.
Caso contrário, não só trai a sua
vocação mais íntima — criar
consciências capazes de lidar inteligentemente com
o novo; ensinar a ler e a criar a realidade —, mas
ilude também a reflexão sobre o bem comum
e as finalidades últimas de uma sociedade, que
não podem ficar exclusivamente entregues à
efemeridade das políticas do curto prazo. A racionalidade
não se exprime apenas na capacidade de ordenar
meios para fins, mas fundamentalmente na eleição
de fins. Porque a questão que a breve trecho se
colocará inevitavelmente à Universidade
será esta: como é que um determinado modelo
de desenvolvimento económico, político e
social se articula com a cultura? Não há
sociedade sem cultura; sem cultura uma sociedade estiola
e morre. Um modelo de desenvolvimento que oblitera a cultura,
liquidou na raiz o ímpeto criador de uma sociedade.
Esta é justamente a tarefa cometida à Universidade
como sua missão mais própria e decisiva
e à qual ela não pode renunciar. Uma Universidade,
por conseguinte, não tem como finalidades últimas
o lucro, o poder e o prestígio. Não basta
nem é sério prestidigitar. As Universidades
não são meros locais de conhecimentos, são
centros irradiadores de cultura, são laboratórios
de humanidade. Por isso, o que se tem de perguntar é
isto: O que é que uma Universidade quer fazer com
o seu prestígio? Oxalá as Universidades
saibam responder a esta pergunta.
* Docente do Departamento de Comunicação
e Artes da UBI
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