José Geraldes

A conferência do Cardeal


A conferência do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, na Câmara Municipal da Covilhã, foi um dos momentos mais altos de nível cultural e humanista a que a cidade assistiu nos últimos tempos. Não se trata de elogio institucional pelo facto de ser um cardeal e o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa mas pela actualidade do conteúdo e pela densidade da mensagem que da Covilhã enviou para todo o País.
Até o facto de ter aceite o convite para falar na Câmara da Covilhã deve ser realçado, pelo ineditismo da iniciativa.
Nas breves palavras de apresentação que nos coube a honra de proferir, acentuámos na descrição do seu perfil a sua qualidade de “escritor multifacetado, homem de Deus, aberto ao diálogo com crentes e não crentes, de trato afável e de um humanismo cativante”.
A conferência demonstrou claramente e mais uma vez que D. José Policarpo continua a ler de forma profunda e actual os “sinais dos tempos”, tema da sua tese de doutoramento em Teologia, recentemente republicada em edição especial.
Os problemas que, nos tempos modernos, preocupam o mundo, foram analisados, sem qualquer subterfúgio, com base no título da conferência “A Igreja e a Nova Realidade Social”.
Sob o olhar da fé, depois de um enquadramento histórico dos últimos séculos, o Cardeal atacou o terrorismo como um fenómeno gerador de novas violências que se torna urgente eliminar. Para que o mundo seja mais pacífico e possa progredir em paz. E sobretudo para diminuir as diferenças entre os países mais ricos e os países mais pobres.
O orador não iludiu a causa fundamental do terrorismo que situa na “universalidade do modelo liberal económico”.
Outro facto mencionado foi a globalização em que nos movemos e existimos. E à qual é impossível fugir. É o nosso mundo. Mundo que precisa cada vez mais de uma ética a orientar as decisões que vão influenciar a sociedade.
O Cardeal sublinhou, de forma exaustiva, a necessidade da ética em todos os domínios da vida inclusive no mundo dos empresários. A este propósito salientou que nota uma grande preocupação, neste meio, pelas questões éticas, o que é um bom sinal.
O estado das democracias também está no centro das atenções do Cardeal que defendeu a sua renovação, podendo a Igreja dar um contributo importante para esta renovação. O problema - e a alusão é da nossa lavra - consiste em saber se os regimes ditos democráticos estarão interessados, a sério, em tal renovação. A expressão célebre de Churchill afigura-se oportuna : “A democracia é o pior de todos os regimes à excepção de todos os outros”.
Outro tema analisado por D. José Policarpo foi o do diálogo inter-religioso. Diálogo em que se tem empenhado em Portugal e tem defendido nas instâncias internacionais e no Vaticano. Este diálogo pode der um elemento importante para combater o terrorismo.
A pobreza nas suas várias fórmulas mereceu do Cardeal uma atenção especial. E com toda a razão. A mensagem evangélica funda-se na defesa dos pobres. O Vaticano II insiste neste ponto como sinal da presença da Igreja no mundo.
Perante a violência cada vez mais cruel na actualidade, D. José Policarpo não tem dificuldades em dizer preto no branco “que é difícil manter o optimismo”. Mas, apesar de tudo, deixou uma mensagem de esperança.
A ideia de Tertuliano, um cristão dos primeiros séculos, foi o mote da sua conferência. Não há nada que se passe no mundo, que seja estranho à Igreja. E, como, escrevia um jovem espanhol : “Há três verbos a conjugar : crer, amar e esperar. Esperar é o mais importante”. Que a esperança de um mundo melhor seja a certeza dos nossos dias.