Anabela Gradim
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A trapalhada
Está instalada a confusão,
se não o caos, no concurso nacional de colocação
de docentes. O sistema que vigorou até 2003 –
e que funcionava muito bem – dividia o concurso
em três fases. Na primeira parte concorriam todos
os docentes com mais de três anos de serviço,
e servia para efectivar: eram colocados em vagas de Quadro
de Escola (QE) ou Quadro de Zona Pedagógica (QZP).
Os resultados desta fase eram geralmente conhecidos em
meados de Maio. Seguia-se a segunda parte – de mobilidade
e contratos. Para esta era produzida uma nova lista graduada,
que já incluía também os docentes
com menos de três anos de serviço, e concorria-se
ao seguinte: os do quadro concorriam a destacamento, i.e.,
a vagas existentes noutras escolas que não os seus
quadros de origem; os QZP concorriam a afectação,
i.e., eles estão adstritos a uma zona, mas não
possuem escola, e todos os anos lhes é designada
aquela onde prestarão serviço; os contratados
concorriam a horários completos que não
são lugares de quadro (por ex. às vagas
deixadas livres por professores requisitados para outros
serviços). No princípio de Agosto estes
resultados já eram conhecidos de todos. Seguia-se
a terceira fase, os célebres mini-concursos, para
preenchimento de horários incompletos e necessidades
residuais das escolas (por ex., completos mas ainda não
vagos na 2ª parte). Aí por meados de Setembro
minis, 1ª e 2ª parte já estavam colocados
na totalidade.
Com a alteração do figurino dos concursos,
além de modificações pontuais nas
regras, o ME pretendeu fundir 1ª, 2ª e 3ª
partes numa só, e além disso juntar-lhe
os educadores de infância e os professores primários.
Confesso que não alcanço muito bem as anunciadas
vantagens desse objectivo, se algumas há, mas os
resultados estão à vista.
Parte do que se segue é conjectural, porque ainda
ninguém sabe ao certo o que se passou – decorre
um inquérito – mas a cronologia foi mais
ou menos esta: as listas graduadas que deviam ter saído
em Maio (altura em que dantes se conheciam os resultados
da 1ª parte) estavam repletas de erros, foram retiradas
por duas vezes, e os resultados da antiga primeira parte
(QE’s e QZP’s) acabaram por ser conhecidos
a 31 de Agosto. Já com todos os prazos completamente
violados, o ME propunha-se depois, em três dias,
fazer o concurso de afectação (para QZP),
destacamentos (para QE) e contratados. Algo que no antigo
esquema demorava três meses (2ª parte) e mais
uns pozinhos de Setembro (mini-concursos). O resultado
foi o célebre programa da Compta engasgado, e uma
ministra combalida a anunciar que as colocações
seriam feitas à mão, em pouco mais de 10
dias. A ver vamos. Quanto ao programa informático,
há opiniões para tudo: quem diga que é
muito simples; e quem jure que é impossível
arranjar um algoritmo que cubra todos os casos. Não
tenho opinião.
Já as colocações manuais levantam
uma série de outros problemas. Desde logo a recuperação
de vagas, que julgo foi anunciada ir persistir na colocação
manual, dentro de cada prioridade, mas que eu, sinceramente,
sem o auxílio de meios informáticos não
vejo como possa ser feita. A recuperação
de vagas é o seguinte: suponhamos que o professor
nº 800 da lista graduada quer ir para a escola X,
como não há vaga, ele não é
colocado. Mas o professor nº 850 quer sair dessa
escola X, e ir para a escola Y, onde há vaga, e
é colocado. Libertou-se assim uma vaga na escola
X, que deveria ser recuperada para colocar o candidato
800, cujo caso foi analisado primeiro. Fazer isto manualmente,
num universo de 50 mil candidatos, onde cada um manifestou
dezenas de preferências, parece-me, em 10 dias,
sei lá… difícil. Claro que sem recuperação
de vagas é possível, mas lá se vai
a mobilidade, e lá vêm as injustiças
relativas.
Depois, há ainda duas complicações
marginais que o ME tem que resolver, e que também
não parecem fáceis de solucionar. Dou de
barato que as providências cautelares decretadas
pelos tribunais a que não atendeu se resolverão
por si sem consequências. Sobra ainda o imbróglio
das condições específicas (CE), e
da alteração das prioridades de destacamento.
Resumidamente, dizem as CE que quem tiver doença
grave, ou a seu cargo ascendentes e descendentes com doença,
tem prioridade no destacamento – i.e., ultrapassa
todos os outros candidatos, mesmo que mais graduados.
Este destacamento por doença sempre existiu, mas
podia implicar a ida a uma junta médica. Este ano
não – bastava apresentar um atestado médico
na escola (o que deixou furiosos os «verdadeiros»
doentes, que prefeririam manter sigilo sobre os seus problemas),
e teve uma outra consequência bizarra: há
zonas onde 80% dos docentes pediram CE, e no conjunto
perto de 20% dos professores ter-se-ão afirmado
doentes (falava-se em mais de 9 mil num universo de 50
mil). Os que não o fizeram, estão histéricos
porque vão ser ultrapassados por candidatos que
acreditam cometeram fraude, e os números são
de tal ordem que fiscalizar devidamente todos os casos
vai ser muito difícil. Portanto, a lista graduada
ameaça ficar completamente subvertida, e, a haver
fraude em larga escala, quanto à propalada transparência
dos concursos estamos conversados.
A segunda confusão é que dantes os QE eram
destacados primeiro, e depois os QZP eram colocados nas
vagas libertadas por estes. Agora serão destacados
primeiro os QZP (mas como, se ainda não afectaram?)
e só depois os QE. Entre os QZP grassa o terror
de que como não vai haver vagas libertadas pelos
QE para eles afectarem, possam ficar todos, ou muitos,
com horário zero; algo que temem o imbróglio
das CE também venha a fazer aumentar. Não
sei se estes efeitos se verificarão, mas os implicados
estão genuinamente aflitos. Registo que é
bonito, e dignifica a classe, vê-los preocupados
com a perspectiva de não terem alunos nem aulas.
Parece-me deste breve resumo ser evidente que o ME tem
um problema grave em mãos. Lá diz o povo
que pau que nasce torto tarde ou nunca se endireita. Pessoalmente
acho que a ministra deveria ter anulado o concurso e reconduzido
todos os professores – mesmo afrontando a totalidade
dos sindicatos da educação – porque
a situação era suficientemente grave para
se tomarem medidas de excepção. Como não
o fez, agora esta rezar, e fazer figas para que no dia
30 saiam as colocações manuais, e corra
tudo muito bem no melhor dos mundos possíveis.
É que francamente, pais, alunos e professores que
já tão prejudicados foram bem o merecem.
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