João Alves
NC / Urbi et Orbi



A A-23 vai ser paga pelos seus utilizadores

"Às vezes, criar excepções não é a melhor maneira de ser justo. É preciso ter critérios de justiça e equidade. Por isso, será preciso arranjar soluções para todas as auto-estradas SCUT (que estão a funcionar sem custo para o utilizador)". A declaração é do ministro das Obras Públicas, António Mexia, feita na passada semana e que assim poderá deixar cair a promessa do anterior Governo de Durão Barroso, de isentar de portagens as SCUT Beira Interior e a da Via do Infante, no Algarve, por já estarem em funcionamento. Segundo o ministro, o modelo que está a ser trabalhado, e que deverá dar resposta aos problemas "que vão já surgir em 2005", "tem de servir toda a gente". Ou seja, para o ano já deverá haver portagens na A23, um hipótese que foi confirmada no passado sábado pelo primeiro-ministro Santana Lopes, que garantiu que no País as portagens virtuais vão acabar. Porém, o líder do Governo salienta que no novo modelo a introduzir "as populações locais não tenham que pagar". Já antes, António Mexia, lembrando que ainda não há nenhuma decisão, já que ela tem ainda de ser apresentada em Conselho de Ministros, limitava-se a dizer que o que está a ser estudado tem em vista criar um "sistema mais eficaz e mais justo", em que sejam os utilizadores a pagar o benefício de usar "uma via rodoviária de qualidade superior", como é uma auto-estrada. "A pior maneira de encarar um problema é fingir que ele não existe, e nós temos aqui um grande problema de sustentabilidade financeira. Com o actual sistema, estamos a falar de 900 quilómetros de estrada que podem pôr em causa a manutenção dos outros 15 mil quilómetros, bem como a realização de outros projectos importantes", argumenta o Ministro. Já o secretário de Estado das Obras Públicas, Jorge Costa, no Carregal do Sal, assegurava que "há um conjunto importante de discriminações positivas que vão ser consideradas. O Governo vai atender às questões locais, concelho a concelho, região a região, ver as zonas que têm mais indústria e outras menos, ver se há alternativas (estradas) ou não. Tem é que se aguardar mais alguns dias, para se dar a conclusão deste estudo e o seu anúncio".

"É preciso fechar alguns acessos"

Quem não se conforma com a medida é a Comissão de Utentes da Auto-Estrada da Beira Interior (CUABI), embora já estive à espera de uma notícia deste âmbito, já que, segundo o porta-voz da Comissão, Jorge Fael, ela "acaba por não revelar nenhum dado novo, porque já tem vindo a acontecer com anteriores ministros". Fael diz que este dado é preocupante e que merece todo o repúdio da Comissão, e adianta que o conceito de discriminação positiva idealizada é "muito redutora", pois hoje as pessoas não pagam a totalidade do trajecto e no futuro, "não sei qual será a latitude do conceito trânsito local".
Fael afirma que não há racionalidade económica na implementação de portagens e que o ministro das Obras Públicas, tal qual está desenhada a auto-estrada, terá que "decidir quais os nós que pretende encerrar, pois esta estrada foi com dezenas de nós de acesso". O porta-voz da CUABI salienta que outros aspectos há a avaliar, como as vias alternativas que "não têm qualidade", bem como o valor da portagem. Porém, garante que "a luta e o protesto vão continuar", pois não haver portagens era um direito "adquirido pela região", que salienta viver tempos de depressão.
Alguns autarcas da região preferem não comentar este dado. No entanto, já houve que publicamente se manifestasse contra as portagens na A23, como por exemplo o autarca albicastrense Joaquim Morão, e o vereador socialista na Câmara da Covilhã, Miguel Nascimento, diz-se mesmo "indignado" com esta medida. Nascimento acusa o Governo de "prejudicar as regiões mais desfavorecidas" e de estar a tirar "ao Interior tudo o que a Governação do PPS e António Guterres aqui deixou".
Já na Guarda, a Federação do PS desafiou os nove deputados do PSD e PP dos distritos de Castelo Branco, Guarda e Viseu a votarem contra a introdução de portagens, já que esses votos serão, segundo os socialistas, suficientes para chumbar a medida que o Governo vier a propor.



Comentário


Nos últimos vinte anos, muito se discutiu a questão das acessibilidades do Interior para o Litoral. A Beira Baixa batia-se pelo IP2, uma ligação mais célere a Lisboa, e que teve continuação até Bragança, mas que cedo deixou de ser uma opção válida, pois ganhou fluxo de trânsito, e em apenas duas vias, que se foram deteriorando. Por isso, a necessidade de uma auto-estrada passou a ser premente nos anos 90, vindo a surgir já depois de dobrarmos o ano 2000. Mais a norte, na Beira Alta, cedo conseguiu ligar-se a Aveiro, pelo IP5. Só que não foi preciso muito tempo para que este passasse a ser a "Estrada da morte", também com duas vias, em alguns casos três, mas onde as colisões e despistes foram sempre frequentes e em que cedo se concluiu que havia ali defeitos de nascença. Por isso, o governo socialista, para além de avançar com a A23 prometeu reconverter o IP5 em auto-estrada, corrigindo alguns troços e eliminando outros tantos.
A verdade é que nestes últimos anos de governação social-democrata, a intenção foi sempre a de acabar com as SCUTS. E, posto isto, se olharmos com atenção para o mapa de estradas de Portugal, podemos ver que a Beira Interior, com estas novas vias, ficou desencravada, pode em duas horas chegar a Aveiro e em pouco mais de três a Lisboa. Só que, tem que pagar para isso, pois as únicas estradas que a retiram de um "colete de forças" dão origem a um V, que começa na capital e acaba na cidade dos ovos moles. Quem não puder pagar, volta aos anos 80. Muito tempo, muita curva, muito mau piso.