João Alves
NC / Urbi et Orbi



O encontro de gaiteiros foi um dos atractivos do passado fim-de-semana

A arte da pastorícia remonta, segundo alguns historiadores, à época do Neolítico, altura em que o homem consegue a domesticação de animais e, tendo-os à sua guarda, os alimenta para depois... se alimentar. Na Península Ibérica, desde tempos recuados, podem observar-se movimentos naturais e sazonais de gados herbívoros que abandonam o território de origem para se alimentarem de pastos frescos em solos de outras zonas. Os pastores, agarrados ao seu cajado, passavam dias, semanas e meses por lá, ao frio, ao vento, para engordarem o seu gado. Uma actividade com tradição na zona da Serra da Estrela, desde o distrito da Guarda ao de Castelo Branco. Em tempos recuados, viveu certa pujança. No Verão, praticava-se das terras baixas da bacia do Mondego para as serras da Estrela e Montemuro. No Inverno das terras altas da Estrela para as regiões mais quentes. Eram as famosas "invernadas" que levavam os rebanhos para algumas zonas, como Idanha-a-Nova. Esta actividade ancestral é a transumância, de que só resta, praticamente, o nome, pois poucos ou nenhuns pastores continuam a fazer estas rotas pelas serras da região. Mas são essas mesmas rotas, estes costumes, estas tradições que a autarquia do Fundão, em colaboração com a empresa municipal Fundão Turismo, pretende imortalizar com a realização, pelo terceiro ano consecutivo, do Chocalhos, Festival dos Caminhos da Transumância, que se realizou no passado fim-de-semana. Um evento que percorreu o Fundão, Alpedrinha, Capinha e Salgueiro, voltando assim a povoar os trilhos onde o pastoralismo quer fazer perdurar a sua memória. Voltaram à ribalta caminhos que uniram gados, gentes e horizontes, ao sabor da música, como era costume na transumância.
Segundo o vereador com o pelouro da Cultura na Câmara do Fundão, Paulo Fernandes, o "Chocalhos" é a "face mais visível" de uma "nova linha cultural", traçada nos últimos três anos, no âmbito da cooperação transfronteiriça Interreg. O autarca recorda a importância que a transumância teve na região e na sua economia, e por isso a aposta na programação "mais forte feita neste âmbito", com eventos de carácter nacional, como o encontro de gaiteiros. Paulo Fernandes destaca a nova imagem e visual do Festival, com uma figura (a ovelha com três chocalhos) que mostra "a relação do pastor com os seus utensílios e o animal".


A autarquia fundanense apostou numa nova imagem para o evento



Música pastoril Mirandesa a abrir

A abertura do Festival teve lugar na Praça do Município, na noite de sexta-feira, 17, com os Galandum Galundaina. Trata-se de um dos grandes representantes da música pastoril Mirandesa, que nasceu e cresceu naquelas terras, e que por isso adquiriu conhecimento directo da música que interpreta através do contacto e convívio com os velhos pastores e gaiteiros. Todos os elementos do grupo têm formação académica na área da música e os instrumentos usados são réplicas de outros muito antigos, mas mantendo a mesma sonoridade. Entre eles estão as gaitas de foles mirandesa, a flauta pastoril, o bombo ou as conchas de Santiago. Também os trajes com que o grupo se apresenta são de confecção manual e tradicional.
Durante a passada semana decorreu na Academia de Música e Dança uma oficina dedicada à Palheta, na qual se visava ensinar técnicas de execução e repertório deste instrumento, bem como a sua história e a sua relação com a pastorícia. Ainda durante todo o fim-de-semana houve lugar para o acampamento "Rotas da Transumância", na barragem da Capinha. Três dias dedicados a percorrer caminhos pastoris da freguesia.

Encontro Nacional junta gaiteiros

Mas um dos pratos mais fortes deste fim-de-semana foi, sem dúvida, o IV Encontro Nacional de Gaiteiros, organizado pela Associação Gaita de Foles, com o apoio da autarquia. Um evento único que acolheu gerações de gaiteiros de todo o País. Cerca de 150 destes músicos, vindos o Minho, Trás-os-Montes, Coimbra, Litoral Centro, Estremadura e Península de Setúbal, ajudaram o público a redescobrir parte da cultura portuguesa, em que o tema forte, este ano, foi a Gaita-de-Fole. Os "tocadores" chegaram no passado sábado, pelas 10 horas e 30, sendo esta a hora da abertura oficial do encontro. Depois naimaram as ruas do Fundão, de manhã e de tarde, sendo que às 22 horas teve lugar um espectáculo na Praça do Município. No domingo, 19, os gaiteiros acompanharam os rebanhos no percurso pedestre, no qual também estiveram pastores, ligando o Fundão a Alpedrinha. Aliás, Alpedrinha foi também palco, ao longo destes três dias, de uma feira que contou com bombos, ranchos e acordeonistas, cantigas à desgarrada, fados, chocalheiros e exposições. "Esta é uma feira que surgiu, quase de forma espontânea, em Alpedrinha, há dois anos, pegou, e agora tem uma programação própria" afirma o vereador Paulo Fernandes.
Uma das novidades prendeu-se com a realização de uma curta-metragem, intitulada "Ovelha Azul", apresentada na tarde de sábado, no Casino Fundanense. Uma obra realizada por crianças do 1º ciclo de várias escolas do concelho. O orçamento para o Festival da Transumância foi de 50 mil euros, sendo comparticipado em 75 por cento pelo Interreg.





Ecomuseu da pastorícia no Salgueiro



Um dos projectos que a autarquia pretende ver sempre ligado a esta temática é a criação de um Ecomuseu da Pastorícia na aldeia do Salgueiro. A ideia é avançada por Paulo Fernandes, que salienta a existência de local, naquela aldeia, "que sempre esteve ligado a este tema" e que há já algum tempo que se tem feito "a recolha de objectos que possam ficar num museu que pretendemos a funcionar em permanência".