A arte da pastorícia
remonta, segundo alguns historiadores, à época
do Neolítico, altura em que o homem consegue a
domesticação de animais e, tendo-os à
sua guarda, os alimenta para depois... se alimentar. Na
Península Ibérica, desde tempos recuados,
podem observar-se movimentos naturais e sazonais de gados
herbívoros que abandonam o território de
origem para se alimentarem de pastos frescos em solos
de outras zonas. Os pastores, agarrados ao seu cajado,
passavam dias, semanas e meses por lá, ao frio,
ao vento, para engordarem o seu gado. Uma actividade com
tradição na zona da Serra da Estrela, desde
o distrito da Guarda ao de Castelo Branco. Em tempos recuados,
viveu certa pujança. No Verão, praticava-se
das terras baixas da bacia do Mondego para as serras da
Estrela e Montemuro. No Inverno das terras altas da Estrela
para as regiões mais quentes. Eram as famosas "invernadas"
que levavam os rebanhos para algumas zonas, como Idanha-a-Nova.
Esta actividade ancestral é a transumância,
de que só resta, praticamente, o nome, pois poucos
ou nenhuns pastores continuam a fazer estas rotas pelas
serras da região. Mas são essas mesmas rotas,
estes costumes, estas tradições que a autarquia
do Fundão, em colaboração com a empresa
municipal Fundão Turismo, pretende imortalizar
com a realização, pelo terceiro ano consecutivo,
do Chocalhos, Festival dos Caminhos da Transumância,
que se realizou no passado fim-de-semana. Um evento que
percorreu o Fundão, Alpedrinha, Capinha e Salgueiro,
voltando assim a povoar os trilhos onde o pastoralismo
quer fazer perdurar a sua memória. Voltaram à
ribalta caminhos que uniram gados, gentes e horizontes,
ao sabor da música, como era costume na transumância.
Segundo o vereador com o pelouro da Cultura na Câmara
do Fundão, Paulo Fernandes, o "Chocalhos"
é a "face mais visível" de uma
"nova linha cultural", traçada nos últimos
três anos, no âmbito da cooperação
transfronteiriça Interreg. O autarca recorda a
importância que a transumância teve na região
e na sua economia, e por isso a aposta na programação
"mais forte feita neste âmbito", com eventos
de carácter nacional, como o encontro de gaiteiros.
Paulo Fernandes destaca a nova imagem e visual do Festival,
com uma figura (a ovelha com três chocalhos) que
mostra "a relação do pastor com os
seus utensílios e o animal".
A autarquia fundanense apostou
numa nova imagem para o evento
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Música pastoril Mirandesa a abrir
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A abertura do Festival teve lugar na Praça do
Município, na noite de sexta-feira, 17, com os
Galandum Galundaina. Trata-se de um dos grandes representantes
da música pastoril Mirandesa, que nasceu e cresceu
naquelas terras, e que por isso adquiriu conhecimento
directo da música que interpreta através
do contacto e convívio com os velhos pastores e
gaiteiros. Todos os elementos do grupo têm formação
académica na área da música e os
instrumentos usados são réplicas de outros
muito antigos, mas mantendo a mesma sonoridade. Entre
eles estão as gaitas de foles mirandesa, a flauta
pastoril, o bombo ou as conchas de Santiago. Também
os trajes com que o grupo se apresenta são de confecção
manual e tradicional.
Durante a passada semana decorreu na Academia de Música
e Dança uma oficina dedicada à Palheta,
na qual se visava ensinar técnicas de execução
e repertório deste instrumento, bem como a sua
história e a sua relação com a pastorícia.
Ainda durante todo o fim-de-semana houve lugar para o
acampamento "Rotas da Transumância", na
barragem da Capinha. Três dias dedicados a percorrer
caminhos pastoris da freguesia.
Encontro Nacional junta gaiteiros
Mas um dos pratos mais fortes deste fim-de-semana foi,
sem dúvida, o IV Encontro Nacional de Gaiteiros,
organizado pela Associação Gaita de Foles,
com o apoio da autarquia. Um evento único que acolheu
gerações de gaiteiros de todo o País.
Cerca de 150 destes músicos, vindos o Minho, Trás-os-Montes,
Coimbra, Litoral Centro, Estremadura e Península
de Setúbal, ajudaram o público a redescobrir
parte da cultura portuguesa, em que o tema forte, este
ano, foi a Gaita-de-Fole. Os "tocadores" chegaram
no passado sábado, pelas 10 horas e 30, sendo esta
a hora da abertura oficial do encontro. Depois naimaram
as ruas do Fundão, de manhã e de tarde,
sendo que às 22 horas teve lugar um espectáculo
na Praça do Município. No domingo, 19, os
gaiteiros acompanharam os rebanhos no percurso pedestre,
no qual também estiveram pastores, ligando o Fundão
a Alpedrinha. Aliás, Alpedrinha foi também
palco, ao longo destes três dias, de uma feira que
contou com bombos, ranchos e acordeonistas, cantigas à
desgarrada, fados, chocalheiros e exposições.
"Esta é uma feira que surgiu, quase de forma
espontânea, em Alpedrinha, há dois anos,
pegou, e agora tem uma programação própria"
afirma o vereador Paulo Fernandes.
Uma das novidades prendeu-se com a realização
de uma curta-metragem, intitulada "Ovelha Azul",
apresentada na tarde de sábado, no Casino Fundanense.
Uma obra realizada por crianças do 1º ciclo
de várias escolas do concelho. O orçamento
para o Festival da Transumância foi de 50 mil euros,
sendo comparticipado em 75 por cento pelo Interreg.
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