Sentada na sala de reuniões
da delegação da Covilhã do Sindicato
dos Professores da Região Centro (SPRC), por onde
durante os últimos dias já passaram muitos
docentes, Maria (nome fictício) vai mexendo e remexendo
os papéis, olhando de vez em quando para o vazio,
e acende cigarros atrás de outros, enquanto preenche
o recurso hierárquico para enviar à ministra
da Educação. A única forma este ano
que os professores têm de reclamar.
Maria é uma das muitas pessoas afectadas pelos erros
que se continuam a verificar na lista definitiva de colocação
de professores, divulgada na semana passada. Revoltada,
explica que após 20 anos de serviço não
aparece colocada. Uma situação para a qual
não encontra explicação senão
"a incompetência" do ministério da
tutela. Concorreu a uma vaga de quadro que tinha visto no
aviso de abertura, mas as listas dizem que não foi
colocada. No entanto, a vaga também não foi
preenchida.
Com os olhos a conter as lágrimas diz que sabe que
o recurso hierárquico não vai ter resultados
práticos atempadamente, "mas é a única
alternativa". E conta uma experiência antiga
que não a deixa ter ilusões. "Há
dois anos meti o recurso e só passados nove meses
é que me deram razão. Ora, ficou tudo igual",
frisa. "Agora eu pergunto é quem é que
nos vai pagar o ordenado de Setembro".
Esta professora salienta que "há casos tão
ou mais flagrantes quanto este" e não tem dúvidas
este é o pior ano de que tem memória na forma
como está a decorrer o processo de colocação
de professores. E sublinha que "estes concursos estão
cada vez mais escuros" e que é cada vez mais
difícil ser professora, já que não
está no quadro e todos os anos tem de andar nestas
andanças, com esta agravante este ano. "A
nossa vida depende deste totoloto"
Para além deste caso há muitos outros, mais
ou menos graves. E também quem se dirija ao Sindicato
apenas para esclarecer dúvidas, um vez que os erros
das listas provisórias já foram corrigidos.
Lídia Sousa, da Covilhã, é uma dessas
pessoas. Professora há 17 anos ainda não
sabe onde vai ser colocada e continua com problemas de
aproximação à residência. O
ano passado estava em Vila Velha de Ródão
e para estar junto à família ia e vinha
todos os dias. Este ano ainda continua indefinido e o
atraso de três meses do concurso só vem complicar
ainda mais a situação. "É difícil
gerir a nossa vida porque não sabemos o que nos
espera. Tudo parece um totoloto. E desse totoloto depende
a nossa vida profissional, pessoal e também o nosso
desgaste", frisa.
Dulce Pinheiro, delegada distrital do SPRC, diz que pelo
que tem visto continua a haver muitos erros. O mais comum
é a ultrapassagem na lista de professores mais
graduados por menos graduados. Mas verificam-se outros
com frequência, como professores que deviam concorrer
na primeira prioridade e concorrem na segunda e pessoas
a quem são retirados anos de serviço. "O
caso mais grave que nos aqui apareceu a esse nível
foi uma professora a quem foram retirados quase dois mil
e 500 dias e caiu 700 lugares na lista", conta.
Mas há outras penalizações. A maioria
dos professores teve que se apresentar até dia
2 na escola onde deram aulas no ano anterior, embora não
saibam onde vão ficar. Acontece que normalmente
são deslocados e já não têm
aí casa. Desta forma têm de encontrar por
estes dias onde ficar e quando souberem para onde vão
ir procurar casa à pressa.
Depois dos atrasos sucessivos na divulgação
das listas de ordenação e colocação
o Governo entendeu que seria preferível, numa tentativa
de acelerar o processo, de só aceitar as candidaturas
a destacamentos e afectações via Internet.
Mas o sistema bloqueou. Por isso o ministério da
Educação dilatou o prazo de domingo para
terça-feira. Antes disso já tinha surgido
o problema do atraso no envio dos dados para que os docentes
pudessem fazer a candidatura.
Custas devem inibir muitos de avançar para
tribunal
Quanto aos professores excluídos, que o ministério
diz serem três mil e 500 e algumas associações
sindicais mais de seis mil, Dulce Pinheiro explica o que
se pode esperar, uma vez que o recurso hierárquico
não tem efeitos suspensivos. "Ou já
tinham uma escola e regressam ou estavam-se a candidatar
a um quadro e não têm hipótese de
aceder a uma nova colocação. Há outro
tipo de professores que estavam num QZP e queriam aceder
a um quadro de escola. Nesse caso não ficam sem
colocação, estão é numa nova
fase de candidatura para saber para que escola vão".
Só depois de colocados os quadros e conhecidas
as vagas é que serão divulgadas as listas
dos professores contratados.
E embora a ministra da educação tenha dito
que até dia 23, data limite para o início
das aulas, todos os professores estejam colocados, Dulce
Pinheiro duvida. "Não sei a que universo de
professores ela se estava a referir, mas duvido muito
que esses prazos possam ser cumpridos, devido aos muitos
prazos intermédios que ainda estão por cumprir".
No que diz respeito aos efeitos práticos do recurso
hierárquico a sindicalista diz que não quer
estar já a tirar expectativas a quem o está
a fazer, mas duvida que a ministra tenha capacidade para
dar resposta a todos. E se não o fizer num mês
gera indeferimento tácito. Aí, restam os
tribunais. E embora o advogado fique por conta do sindicato
as custas para meter o processo rondam os mil euros, o
que deve inibir muita gente que tinha vontade de ir até
ao fim.
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