O sol que esperavam
em Portugal anda escondido pela estranha chuva de um Agosto
não menos atípico. Quatro dezenas de alunos
quebram a monotonia que nesta altura do ano reina por
toda a Universidade da Beira Interior (UBI). Os cerca
de cinco mil alunos que estão para férias
deixam aos futuros colegas todas as salas disponíveis.
Mas é ali, junto da Parada, que dois espaços
estão ocupados agora por outras gentes e por outras
falas.
Revela-se algo estranha, para um estabelecimento de Ensino
Superior, ver a imagem de palavras básicas do Português,
projectadas numa tela branca. Olhos bem abertos de estudantes
curiosos escutam com toda a atenção deste
mundo, o bê-á-bá da língua
de Camões. É através deste dialecto
que vão comunicar nos próximos seis meses.
Estes alunos estrangeiros, a frequentarem o curso de Verão,
Erasmus Intensive Language Curse (EILC), vão, logo
em Setembro, frequentar as Universidades portuguesas.
Vieram para Portugal, através do conhecido programa
de intercâmbio entre instituições
de Ensino Superior procurar novas experiências.
A escolha de Portugal veio “por causa da língua”,
revela Piero Cavallo. Este italiano de 29 anos, a estudar
Engenharia Mecânica é o mais falador da turma
do segundo grau, composta por 20 elementos. Um estádio
em que os estudantes já tiveram algum contacto
com o português. Na outra sala, os restantes elementos
começam agora a descobrir os enredos de uma língua
que conjuga os verbos ser e estar de forma diferente.
Usos e costumes de um povo
ligado ao mar fazem a imagem de Portugal além
fronteiras
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Portugal leva o pensamento das duas norueguesas presentes
neste curso ao bacalhau. Um dos principais produtos deste
produto nórdico que tem, em terras lusas, um ponto
importante de comercialização. Silje Albrigtsen,
de 22 anos e Karoline Swan, de 27, estudam Biologia Marinha
e foi através das ciências dos mares, para
além do bacalhau, que conheceram os feitos portugueses.
A língua “é semelhante ao espanhol,
dialecto que nós já conhecemos”, e
o facto de existir na Universidade do Algarve um curso
relacionado com o campo científico onde estudam
“levou que Portugal se tornasse o destino escolhido
no Erasmus”. Das primeiras impressões, fica-lhe
a amabilidade das gentes, “que dizem sempre - bom
dia - quando passamos por elas, mesmo que não nos
conheçam” e também, “as paisagens
lindas que existem neste lugar”.
Já o germânico mais falador aponta uma característica
que provoca aprovação e riso entre os colegas.
Para Thomas Bartoscheck, “um minuto na Alemanha,
são cinco em Portugal”. A falta de pontualidade
e o atraso constante das gentes lusas, parece não
agradar ao alemão. Este prefere um regime “mais
esquemático e dinâmico”.
Nos antípodas desta opinião está
Piero Cavallo, o italiano gesticula de várias formas
e tenta, a todo o custo, exprimir as suas opiniões,
num português compreensível para todos.
Inserido nesta autêntica babel, o estudante de 29
anos, diz ter vindo para Portugal, exactamente porque
é “um país romântico, onde as
paisagens ainda pertencem aos livros e aos contos”.
Contudo, Cavallo, refere um aspecto que é partilhado
pelos demais, “Portugal está bastante desenvolvido”.
Um aspecto que lhe pode ser fatal. Para o italiano, a
Covilhã é exemplo disso mesmo. No entender
deste estudante de Engenharia Mecânica, “as
paisagens da serra não deviam ser tapadas pelo
cimento, como acontece aqui, com muitos hotéis
e prédios altos”, caso contrário,
Portugal, “perde todo o interesse”.
O grupo de europeus fica, até Setembro, na Covilhã,
para aprender português. Depois alguns ficam pela
UBI, outros vão para as Universidades portuguesas
que escolheram, de Braga a Faro. Para além da Língua,
as amizades e o desejo de voltar a terras lusas, em trabalho
ou em férias são já objectivos comuns.
Novos membros da comunidade |
Entre o grupo estão presentes alunos dos
países que recentemente aderiram à
UE |
De entre a abundância de nacionalidades, duas ganham
destaque pela recente adesão à União
Europeia (UE). Lituânia é o país de
Juste Masiulionyté e Laurynas Papickas e Eslováquia
é a pátria mãe de Lúcia Házyová.
O depoimento sobre a entrada na UE é similar entre
os três jovens. Destacam a “muita propaganda
feita sobre este passo que os nossos países deram”.
Juste, de 20 anos, quase que impõe o silêncio
ao seu compatriota para expressar uma opinião “que
é geral entre os Estados que agora fazem parte
da comunidade”. Vêem um futuro melhor neste
“grande grupo económico”, mas não
a curto prazo. Uma das principais transformações,
e mais imediatas, que está a deixar descontentes
os habitantes destes países “é a perda
de poder de compra”. Segundo estes jovens, “se
antes com uma certa quantia se conseguia comprar um saco
de produtos, actualmente, isso já não acontece”.
O euro é uma moeda muito forte “em relação
às moedas nacionais”.
A solução deste diferendo passa “pelo
aumento de salário e melhoramento de condições
de vida”. Coisa que também procuram em Portugal.
Mesmo com a chuva a estragar os primeiros dias, “o
Sol deste País é diferente de todos os outros”,
acrescenta Lúcia Házyová. A jovem
natural da Eslováquia sublinhou um ponto que mereceu
a aprovação de mais alguns nórdicos.
Para os docentes, leccionar
este tipo de cursos é sempre uma experiência
diferente |
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Para quem lecciona a matéria a estes estudantes,
“dar Português como língua estrangeira
é muito mais difícil do que como língua
principal”, confessa Ana Rita Carrilho. Licenciada
em Língua e Cultura Portuguesas (LCP), esta docente
assegura os cursos de Verão, “vai para três
anos”. Ainda que em todos eles, as experiências
sejam diferentes, “as complicações
parecem sempre ser iguais”. Uma opinião que
merece todo o apoio de André Costa, também
licenciado em LCP e nestas andanças “há
dois anos”.
Os diferentes tempos verbais, as conjugações
próprias e “as coisas mais básicas
da nossa gramática” tornam-se verdadeiros
labirintos infinitos para alguns alunos. Um trabalho árduo,
que tem a sua maior dificuldade, “na forma como
se explicam as coisas”, desvenda a docente. No entanto,
para estes professores, os cursos de Verão, ainda
que a funcionar durante um mês, “são
muito proveitosos para estes estudantes”. Isto porque,
“depois as aulas vão ser apresentadas em
Português e aí, eles já conhecem os
vocábulos mais importantes, as expressões
mais comuns” e quando não, “conseguem
já procurar num dicionário”, refere
André Costa.
Para estes dois professores, um dos pontos fundamentais
deste intercâmbio de estudantes passa, “exactamente,
pela partilha de conhecimentos ao nível da língua”.
Algo que só se consegue “praticando ao longo
do semestre”, acrescentam. Muitos docentes “ainda
facilitam os alunos com a opção de falar
inglês, o que dificulta, posteriormente, o alcance
de todos os objectivos”.
O
projecto que prevê o intercâmbio
entre Universidades portuguesas está
já elaborado
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O programa que funciona há vários
anos na Europa, pode agora conhecer uma
nova faceta. O intercâmbio de estudantes
entre Universidades Europeias, com a deslocação
de alunos para instituições
de várias nacionalidades, pode vir
a ser feito à escala nacional. Segundo
Maria da Graça Carvalho, ministra
da Ciência e do Ensino Superior, foi
entregue a Bruxelas um projecto que permite
aos alunos portugueses fazerem um ou dois
semestres noutro estabelecimento de Ensino
Superior do País, que não
aquele onde estão inscritos. Este
programa espera agora luz verde da UE e,
caso seja aprovado, começará
a funcionar já no segundo semestre
do próximo ano lectivo.
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