Por Eduardo Alves



Quinze nacionalidades estão reunidas na Covilhã através de alunos de Erasmus

O sol que esperavam em Portugal anda escondido pela estranha chuva de um Agosto não menos atípico. Quatro dezenas de alunos quebram a monotonia que nesta altura do ano reina por toda a Universidade da Beira Interior (UBI). Os cerca de cinco mil alunos que estão para férias deixam aos futuros colegas todas as salas disponíveis. Mas é ali, junto da Parada, que dois espaços estão ocupados agora por outras gentes e por outras falas.
Revela-se algo estranha, para um estabelecimento de Ensino Superior, ver a imagem de palavras básicas do Português, projectadas numa tela branca. Olhos bem abertos de estudantes curiosos escutam com toda a atenção deste mundo, o bê-á-bá da língua de Camões. É através deste dialecto que vão comunicar nos próximos seis meses. Estes alunos estrangeiros, a frequentarem o curso de Verão, Erasmus Intensive Language Curse (EILC), vão, logo em Setembro, frequentar as Universidades portuguesas.
Vieram para Portugal, através do conhecido programa de intercâmbio entre instituições de Ensino Superior procurar novas experiências. A escolha de Portugal veio “por causa da língua”, revela Piero Cavallo. Este italiano de 29 anos, a estudar Engenharia Mecânica é o mais falador da turma do segundo grau, composta por 20 elementos. Um estádio em que os estudantes já tiveram algum contacto com o português. Na outra sala, os restantes elementos começam agora a descobrir os enredos de uma língua que conjuga os verbos ser e estar de forma diferente.


Usos e costumes de um povo ligado ao mar fazem a imagem de Portugal além fronteiras



Na terra do bacalhau

Portugal leva o pensamento das duas norueguesas presentes neste curso ao bacalhau. Um dos principais produtos deste produto nórdico que tem, em terras lusas, um ponto importante de comercialização. Silje Albrigtsen, de 22 anos e Karoline Swan, de 27, estudam Biologia Marinha e foi através das ciências dos mares, para além do bacalhau, que conheceram os feitos portugueses.
A língua “é semelhante ao espanhol, dialecto que nós já conhecemos”, e o facto de existir na Universidade do Algarve um curso relacionado com o campo científico onde estudam “levou que Portugal se tornasse o destino escolhido no Erasmus”. Das primeiras impressões, fica-lhe a amabilidade das gentes, “que dizem sempre - bom dia - quando passamos por elas, mesmo que não nos conheçam” e também, “as paisagens lindas que existem neste lugar”.
Já o germânico mais falador aponta uma característica que provoca aprovação e riso entre os colegas. Para Thomas Bartoscheck, “um minuto na Alemanha, são cinco em Portugal”. A falta de pontualidade e o atraso constante das gentes lusas, parece não agradar ao alemão. Este prefere um regime “mais esquemático e dinâmico”.
Nos antípodas desta opinião está Piero Cavallo, o italiano gesticula de várias formas e tenta, a todo o custo, exprimir as suas opiniões, num português compreensível para todos.
Inserido nesta autêntica babel, o estudante de 29 anos, diz ter vindo para Portugal, exactamente porque é “um país romântico, onde as paisagens ainda pertencem aos livros e aos contos”. Contudo, Cavallo, refere um aspecto que é partilhado pelos demais, “Portugal está bastante desenvolvido”. Um aspecto que lhe pode ser fatal. Para o italiano, a Covilhã é exemplo disso mesmo. No entender deste estudante de Engenharia Mecânica, “as paisagens da serra não deviam ser tapadas pelo cimento, como acontece aqui, com muitos hotéis e prédios altos”, caso contrário, Portugal, “perde todo o interesse”.
O grupo de europeus fica, até Setembro, na Covilhã, para aprender português. Depois alguns ficam pela UBI, outros vão para as Universidades portuguesas que escolheram, de Braga a Faro. Para além da Língua, as amizades e o desejo de voltar a terras lusas, em trabalho ou em férias são já objectivos comuns.

Novos membros da comunidade

Entre o grupo estão presentes alunos dos países que recentemente aderiram à UE

De entre a abundância de nacionalidades, duas ganham destaque pela recente adesão à União Europeia (UE). Lituânia é o país de Juste Masiulionyté e Laurynas Papickas e Eslováquia é a pátria mãe de Lúcia Házyová.
O depoimento sobre a entrada na UE é similar entre os três jovens. Destacam a “muita propaganda feita sobre este passo que os nossos países deram”. Juste, de 20 anos, quase que impõe o silêncio ao seu compatriota para expressar uma opinião “que é geral entre os Estados que agora fazem parte da comunidade”. Vêem um futuro melhor neste “grande grupo económico”, mas não a curto prazo. Uma das principais transformações, e mais imediatas, que está a deixar descontentes os habitantes destes países “é a perda de poder de compra”. Segundo estes jovens, “se antes com uma certa quantia se conseguia comprar um saco de produtos, actualmente, isso já não acontece”. O euro é uma moeda muito forte “em relação às moedas nacionais”.
A solução deste diferendo passa “pelo aumento de salário e melhoramento de condições de vida”. Coisa que também procuram em Portugal. Mesmo com a chuva a estragar os primeiros dias, “o Sol deste País é diferente de todos os outros”, acrescenta Lúcia Házyová. A jovem natural da Eslováquia sublinhou um ponto que mereceu a aprovação de mais alguns nórdicos.


Para os docentes, leccionar este tipo de cursos é sempre uma experiência diferente



Uma experiência singular

Para quem lecciona a matéria a estes estudantes, “dar Português como língua estrangeira é muito mais difícil do que como língua principal”, confessa Ana Rita Carrilho. Licenciada em Língua e Cultura Portuguesas (LCP), esta docente assegura os cursos de Verão, “vai para três anos”. Ainda que em todos eles, as experiências sejam diferentes, “as complicações parecem sempre ser iguais”. Uma opinião que merece todo o apoio de André Costa, também licenciado em LCP e nestas andanças “há dois anos”.
Os diferentes tempos verbais, as conjugações próprias e “as coisas mais básicas da nossa gramática” tornam-se verdadeiros labirintos infinitos para alguns alunos. Um trabalho árduo, que tem a sua maior dificuldade, “na forma como se explicam as coisas”, desvenda a docente. No entanto, para estes professores, os cursos de Verão, ainda que a funcionar durante um mês, “são muito proveitosos para estes estudantes”. Isto porque, “depois as aulas vão ser apresentadas em Português e aí, eles já conhecem os vocábulos mais importantes, as expressões mais comuns” e quando não, “conseguem já procurar num dicionário”, refere André Costa.
Para estes dois professores, um dos pontos fundamentais deste intercâmbio de estudantes passa, “exactamente, pela partilha de conhecimentos ao nível da língua”. Algo que só se consegue “praticando ao longo do semestre”, acrescentam. Muitos docentes “ainda facilitam os alunos com a opção de falar inglês, o que dificulta, posteriormente, o alcance de todos os objectivos”.



O projecto que prevê o intercâmbio entre Universidades portuguesas está já elaborado



Erasmus nacional


O programa que funciona há vários anos na Europa, pode agora conhecer uma nova faceta. O intercâmbio de estudantes entre Universidades Europeias, com a deslocação de alunos para instituições de várias nacionalidades, pode vir a ser feito à escala nacional. Segundo Maria da Graça Carvalho, ministra da Ciência e do Ensino Superior, foi entregue a Bruxelas um projecto que permite aos alunos portugueses fazerem um ou dois semestres noutro estabelecimento de Ensino Superior do País, que não aquele onde estão inscritos. Este programa espera agora luz verde da UE e, caso seja aprovado, começará a funcionar já no segundo semestre do próximo ano lectivo.