António Fidalgo
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Na América
A actual campanha
eleitoral para Presidente dos Estados Unidos da América
é um exemplo da democracia que tanta admiração
provocou em Alexis de Tocqueville. A semana passada a
convenção democrática em Boston foi
palco de um naipe de discursos muito bem feitos, dos Clinton,
do ex-presidente Bill e da senadora Hillary, da mulher
do candidato Teresa Heinz Kerry, do jovem Barak Obama,
candidato a senador por Illinois, e do próprio
John F. Kerry. Se o evento teve características
de política espectáculo, se sofreu de algumas
declarações, fundamentais e genuínas
ao gosto americano, mas primárias e básicas
ao gosto europeu, se se repetiram os sound-bytes de ocasião,
como o da terra do sonho e da esperança, de todas
as possibilidades, mostrou por outro lado a força
da América, a confiança ilimitada de cada
indivíduo em si e no seu país, a crença
arreigada no triunfo da verdade e da justiça. Temas
centrais da política americana foram tratados:
liderança num país que foi atingido duramente
pelo terrorismo e que trava uma guerra desgastante no
Iraque, o maior défice das contas públicas
do Estado, um serviço público de saúde
muito aquém do exigido a um país tão
rico, e que deixa milhões de americanos pobres
sem cobertura médica, o dilema da subida e da descida
de impostos e a redistribuição pelos diferentes
escalões de rendimentos, redefinição
do papel dos Estados Unidos num mundo cada vez mais globalizado,
com a deslocalização significativa de empregos
para a Ásia, e a reavaliação da aliança
com os países europeus.
Causa admiração a capacidade retórica
dos políticos americanos. Tratam dos assuntos com
princípio, meio e fim, mas sobretudo fazem-no de
um modo extremamente atractivo, brilhante mesmo. No falar
em público temos, nós europeus, de aprender
dos americanos. Expõem os problemas claramente,
atacam os adversários directamente, neste caso
o presidente George W. Bush, e avançam com propostas,
mostrando como são eles os mais indicados para
realizarem essas propostas.
Critica-se por cá, na Europa, a ingenuidade americana,
mas ignora-se por vezes a capacidade crítica que
reina na política estado-unidense. O filme Fahrenheit
9/11 de Michael Moore, com todos os defeitos, mostra claramente
que os americanos levam muito a sério a liberdade
de expressão e que o exercem, e que quando o não
fazem a devido tempo, reconhecem o lapso como falha grave.
A liberdade política, de escolha, está indissoluvelmente
ligada à liberdade de expressão e ao exercício
dessa. Um povo é tanto mais livre quanto mais souber
dizer, e dizê-lo publicamente, o que pensa e sente.
Só na liberdade de expressão se constrói
plenamente a liberdade política, de determinação
de políticas e da escolha de políticos.
E na América continuamos a ver um exemplo disso.
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