António Fidalgo
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O tempo do
tempo
Há um ditado alemão que
diz que os alimentos cozinhados não se comem tão
quentes como quando estão ao lume (es wird nicht
so heiss gegessen wie es gekocht wird). Enquanto se tira
da panela e se põe nos pratos, a comida entretanto
arrefece de modo a ser ingerida sem queimar a boca.
Vem o ditado alemão a propósito
do que se passa na vida pública portuguesa. Há
quem receie que o império da telegenia se tenha
sobreposto e imposto à política, que de
ora em diante a televisão crie primeiro-ministros
e líderes da oposição. Reagindo a
quente ou à queima-roupa pensar-se-á que
a vida política passa necessariamente pelo ritmo
rápido e frenético da televisão.
Ou seja, há quem veja nos últimos acontecimentos
da vida política portuguesa, a nomeação
de Santana Lopes como primeiro-ministro e a candidatura
ganhadora de José Sócrates à liderança
do Partido Socialista, o triunfo do populismo e da demagogia.
Só que é preciso ter calma.
O passado ainda recente da política
portuguesa mostrou bem que também neste ponto,
do jeito para a pose televisiva, há um vai e vem
da onda mediática. Tal como jogou a favor de António
Guterres ter um verbo fácil, jogou no início
a favor de Cavaco Silva o seu ar canhestro nas aparições
públicas. A falta de jeito para a televisão
dava-lhe um ar genuíno face ao artificialismo da
imagem que inevitavelmente a televisão cria. Se
hoje o tempo é dos políticos feitos à
medida das pantalhas das televisões, amanhã
jogará a favor daqueles que parecem desadequados
ao espírito e estilo televisivos. Basta dar tempo
ao tempo para que a onda mediática vá e
venha.
Trocado por miúdos, ou seja,
feita a diferença entre o quente da fervura e o
quente da comida no prato, nem o populismo é tão
grande como parece, nem a sisudez de quem pavoneia continuamente
uma pose de estado é tão grave como quer
fazer crer. Devem-se fazer sempre os devidos descontos.
E isto sobretudo na época do euro, da moeda comum
europeia, em que a maior parte do poder se encontra em
Bruxelas.
Mais do que os governos, mais do que
o mundo que os média criam e recriam, o que verdadeiramente
perdura, e dita as horas, é uma lenta maneira de
ser e de estar que os povos ganham ao longo de séculos.
Os populismos são como os voluntarismos no sentido
de que são fogachos passageiros. Marcantes são
as ondas de fundo, despercebidas, que levam muito tempo
a surtir efeito.
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